Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Golpes nunca mais

O Brasil também parou para engolir lágrimas – a presidente Dilma Rousseff não foi a única a se emocionar com o relatório final da Comissão Nacional da Verdade. O reencontro com a dor, imperiosamente contido e sereno, foi compartilhado por muitos brasileiros e não apenas os diretamente atingidos pela grande tragédia.

Não compareceram à solenidade no palácio do Planalto na quarta-feira (10/12), porém as figuras mais representativas da política brasileira endossaram com a sua presença o início formal da grande empreitada de buscar a verdade, em 16 de maio de 2012.

A cerimônia que marcou sua conclusão, há muito agendada para coincidir com o Dia Internacional dos Direitos Humanos, acabou refletindo as apreensões, hesitações e tremores que percorrem os bastidores da cena política. As desavenças e contrariedades oriundas do último pleito e da cascata de revelações sobre nossa empresa-símbolo acabaram por converter um ato do Estado brasileiro em manifestação do governo.

Vontade coletiva

Os civis e militares que repudiam o reencontro com o passado deveriam sentir que se insurgem contra o Estado Democrático de Direito. Da ativa ou da reserva, uniformizados ou não, deveriam perceber que não se tratou de um evento político-partidário, mas de uma manifestação da República Federativa do Brasil e das forças democráticas comprometidas com a sua preservação.

Se o Cerimonial da Presidência não conseguiu conferir ao ato a necessária entonação institucional, falharam também os partidos – especialmente os da oposição – ao desligarem-se de uma tarefa suprapartidária, verdadeiramente nacional. A Comissão da Verdade transcende à coleção de siglas partidárias, raras vezes viu-se um selecionado tão representativo da inteligência e da cultura brasileira. Suas próprias divergências – mínimas – desvendam uma dedicação à causa pública e um discernimento sem precedentes do interesse nacional.

Se as lideranças políticas não foram convidadas ao ato, que se solidarizassem por vontade própria com as lágrimas da presidente. Dilma Rousseff não chorou pelo que sofreu, chorou pelo que sofreram tantos outros brasileiros. Aquele foi um momento histórico, um marco, oportunidade única para repudiar a violência política e consolidar a convivência entre contrários.

Omissão inadmissível: um discurso em qualquer solenidade ou em plenário, uma declaração à imprensa, um telegrama, e-mail ou tuite, não seriam gestos políticos, mas humanitários. E de grande significado. Faltam à política brasileira impulsos a favor, gestos generosos, mãos estendidas, aproximações. É preciso mostrar aos ressentidos, aos grandes e pequenos ditadores escondidos nos desvãos de uma democracia imatura, que a despeito das acirradas disputas partidárias, há um sólido sentimento de repulsa à arbitrariedade e à tirania. Esta convergência ou consenso precisa aflorar, materializar-se como vontade coletiva.

Se em 1964 alguém se lembrasse do contragolpe incruento de 1955, do brutal golpe branco de 1937 e berrasse “golpes nunca mais”, nosso luto hoje talvez fosse menor. Ou nenhum.