Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Google e Facebook são os concorrentes dos jornais

Os veículos tradicionais de imprensa devem passar a preocupar-se mais com a concorrência de sites como o Google e o Facebook do que com seus tradicionais rivais.

É assim que pensa o jornalista espanhol Juan Luis Cebrián, 66, fundador do El País e presidente do Grupo Prisa, que, além do jornal, é dono da Santillana, grupo editorial ao qual pertence a brasileira Moderna.

O espanhol esteve no Brasil na semana passada para participar de encontros sobre a atuação da Santillana no país, que já é o maior mercado da empresa no mundo. Negocia também a produção de conteúdo para a televisão, no Rio Grande do Sul.

Leia abaixo a entrevista que ele concedeu à Folha, em São Paulo.

Há uma discussão muito intensa nos grandes jornais do mundo sobre se é conveniente ou não cobrar pelo conteúdo das versões on-line dos mesmos. O El Paísestá todo aberto na rede há alguns anos. Crê que essa é a postura mais correta?

Juan Luis Cebrián – A pergunta mais importante é “um jornal pode migrar para a rede?”. Até agora a resposta tem sido negativa. Não houve veículo que foi capaz de fazer essa migração. O problema está no fato de que um jornal na internet não é um jornal, é uma outra coisa. Sou radical nesse sentido, inclusive quando falamos da credibilidade das marcas. Até agora nenhuma das marcas tradicionais da imprensa escrita foi capaz de migrar para as operações virtuais com sucesso.

Por quê?

J. L. C. – A rede é algo que se constrói a partir da experiência dos usuários. O Twitter, por exemplo. Jack Dorsey nunca imaginou que ele se tornaria um sistema de transmissão de notícias ou para convocar grandes manifestações. Dorsey inventou o Twitter porque gostava de fazer mapas e não sabia como colocar as pessoas nos mapas que fazia. O Facebook não nasceu para ser uma rede social. Provavelmente Mark Zuckerberg não teorizou a ideia de uma rede social. Enquanto o Google nasceu com a intenção de ser um buscador mais potente, nada mais. O que determinou a transformação desses sites foi o uso que as pessoas fizeram deles. Não foi a decisão dos que desenharam os programas que determinou seu destino, mas sim a experiência dos usuários que construíram essa força na internet.

Como ficam os jornais diante dessa nova situação?

J. L. C. – Os jornais nasceram no começo do século 19, com a Revolução Industrial e a democracia representativa. Formam parte do establishment e das instituições da democracia moderna. Se alguém leva a Folha ou o Estado de S. Paulo debaixo do braço, está se identificando com algo. Um jornal é uma bandeira, de certa maneira. E na internet não há bandeiras. Jornal é uma concepção do mundo. Da primeira página à última está oferecendo uma visão sobre o que acontece. Está explicando a realidade aos usuários. Na rede não há intermediários. Na internet, é comum que o protagonista de uma notícia seja aquele que a conte. O relato das revoluções do norte da África foi feito por aqueles que as fizeram. O mesmo sistema para convocá-las foi usado para conta-las, por meio do Twitter.

O sr. crê que o leitor interessado em noticiário econômico está mais disposto a pagar pela informação?

J. L. C. – Quem triunfou com o sistema de pagamento por conteúdo até o momento, foi o Financial Times, e, em certa medida, o Wall Street Journal também, mas ambos são produtos muito específicos. Sim, é preciso cobrar, mas por aquilo a que as pessoas estejam dispostas a pagar. E as pessoas, hoje, querem pagar aquilo que lhes interessa. Pergunto a meus editores, por que publicamos as páginas de mercado de valores no El País? Seis páginas! Quem está no mercado de valores consulta isso na internet. Para que publicar a previsão do tempo? Se eu venho a São Paulo, abro a internet no dia anterior para saber como está o clima. Não me ocorre ler isso no El País, com 24 horas de atraso. Mas continuamos a fazer isso.

Atender completamente aos leitores não deforma um jornal?

J. L. C. – Não se trata de atender aos pedidos de todos os leitores, mas as demandas de cada leitor. Há leitores a quem lhes interessa a crise financeira, mas este mesmo leitor também pode querer saber o que aconteceu com Amy Winehouse em seu último show. O El País tinha uma seção de esportes muito pequena e mal cobria celebridades. Hoje começamos a dar mais espaço para ambos. Os diários já não dão notícias. Todo mundo já sabe as notícias quando vai ler os jornais. Os jornais explicam, fazem análises, debatem. O competidor da Folha não é o Estado de S. Paulo, é o Google, o Facebook, estes são nossos competidores reais. E não queremos admitir porque não sabemos como competir com eles.

Como fazer que Google, Facebook e Apple dividam esses ganhos, usando noticiário alheio?

J. L. C. – Essa é uma discussão, porque o Google pode dizer que não quer pagar, mas se o New York Times não quiser estar, eles o tiram dali. E ninguém quer ficar fora do Google, de jeito nenhum, preferem estar ali mesmo que eles não paguem. Com a Apple já é diferente. O iPad é uma rede de distribuição mundial para jornais, livros, filmes que já está implantada. Se alguém quer colocar uma estação de televisão no ar, precisa levantar postes. No iPad está pronto. Cobrar 30%, como faz a Apple, pelos ingressos na rede pode parecer muito alto, mas o custo de distribuição de um jornal tradicional é cerca de 40%, entre o que se gasta em bancas, caminhões e aviões para distribuição.

As notícias que nos chegam da Espanha e da Europa são muito pessimistas. É uma crise de liderança ou há uma crise também na sociedade?

J. L. C. – Há tal confusão e cumplicidade entre poder financeiro e político que os políticos se sentem débeis. Existe um problema de liderança política que tem a ver com as eleições e com o curto-prazismo dos agentes que decidem em política. A China, sem eleições, faz como grandes empresas, com políticas de longo prazo. A Europa manteve um modelo de vida, provavelmente o melhor modelo de vida existente nesse momento no mundo, e jornadas de trabalho curtas. Esse sistema simplesmente não se pode mais pagar, porque já perderam-se as colônias e a economia tradicional europeia.

Nos círculos ilustrados da Espanha, qual a imagem que o Brasil tem hoje?

J. L. C. – Creio que uma imagem extraordinária, que a merece. O Brasil é hoje um ímã que atrai todos os olhares. Acabou-se a piada sobre o país do futuro. Hoje se vê o Brasil como um dos motores importantes do século 21, mesmo com a desigualdade.

E a imagem de Dilma?

J. L. C. – Dilma é pouco conhecida na Europa, mas tem uma imagem boa. Estive com Dilma há um mês e me impressionaram muito suas ideias sobre economia. Creio que vai triunfar, apesar de que opera em um entorno político complicado, em que a institucionalidade dos partidos não está bem resolvida. Mas creio que continua o “milagre brasileiro”. Só é bom lembrar que a felicidade não dura para sempre e é bom que os brasileiros também se preparem para momentos tristes.

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[Raul Juste Lores e Sylvia Colombo são jornalistas da Folha de S.Paulo]