A pendenga, ora navegando pela internet, entre o Google e os defensores da notícia on-line paga, ‘poderia’ ser explicada por dois aspectos despercebidos – pelo menos pesquisei e não encontrei uma só vírgula – pelos seguintes ângulos: o condicional e a contextualização.
Os textos jornalísticos nunca foram tão editados no condicional como atualmente. Desafio o leitor que encontrar um só texto em jornal impresso ou on-line (estes estão repletos) sem o verbo no futuro do pretérito, famoso artifício para não comprometer precariedades das redações, desde a falta de estofo de jornalistas (diplomados) imaturos, à pressa em publicar sem apuração, às verdadeiras necessidades. Ou seja, as notícias são rarefeitas, porosas, mornas no seu interior, quentes apenas na manchete de efeito, porque não informam com letras garrafais de cabo a rabo.
Por um lado, ‘poderia’ ser um reflexo da fragilidade moral globalizada vigente (ou desnudada, graças à liberdade de imprensa), posto que o delator de hoje pode ser o bandido condenado de amanhã, mas ‘poderia’ também ser um viés subutilizado para o aproveitamento do fenômeno Google, em vez da quebra de braço com esta ‘nova ferramenta de comunicação’.
Não faz muito tempo falava-se em hipertextos como se fosse uma coisa do outro mundo e era moda ativar certas palavras com códigos em HTML para levar o leitor mais exigente a textos mais aprofundados sobre o assunto, ou contextualizá-los – assunto e leitor. Mas esta prática nem bem chegou a ser apreendida nas redações de jornais. Chegou mesmo a ser rejeitada (por ignorância ou irreverência) e foi ultrapassada pelo avanço frenético do desenvolvimento de programas poderosos, em primeiro plano pelos motores de busca (search engines) e, em segundo, por esta espécie invasora de ambientes, as tags. Para programadores de certos ambientes, a palavra tag remete-os à codificação de parâmetros (conjunto de códigos de linguagem de programação de web sites); para outros, e para o público em geral um pouco versado na matéria, significa ‘palavrinha que remete o observador, leitor, viewer para onde quisermos que ele vá, ou que ele esbarre num determinado web site no imenso oceano em que se tornou a internet, pior ainda, palavrinha que registra as pegadas do leitor por onde quer que ele ande’.
Nuvens de tags e buscabilidade
Estamos vivendo o auge da verdadeira cibernética onde uma só pessoa tem, ao alcance do indicador sobre o mouse, vários timões e pode ir virtualmente para qualquer canto do mundo e do conhecimento humano, da notícia fresca ao mais recôndito lugar histórico de que se tem notícia.
Este texto, por exemplo, ‘poderia’ estar todo ‘teleguiado’ e ter buscado internautas interessados em uma infinidade de assuntos. Cito: ambiente marinho, ciência e tecnologia, comportamento, e-business, entretenimento, esportes, jornalismo, literatura, medicina e saúde, política, mundo e até sexo. Esticando um pouco mais a contextualização, uma vez aqui lendo sobre a pendenga do Google com os jornais que insistem em cobrar pela notícia lida on-line, o leitor ‘estaria’ convidado a fazer compras, informar-se sobre outras coisas e, inclusive, tornar-se fiel a este site.
O Google começou como um simples motor de busca concorrente de uma meia dúzia, cuja maioria ainda anda por aí arranhando as paredes desse segmento. Mas, como poucos produtos na internet, desenvolveu-se de tal modo que o atualmente buscar informação, responder à solicitação do internauta, é apenas um mal necessário (uma espécie de investimento no passado). O Google transformou-se no que os jornais ‘poderiam’ ter aproveitado e não aproveitaram (por ignorância ou falta de estofo no métier). Os jornais perdem a potencialidade da métrica na web, que é uma underline ligada à contextualização – aposto um livro da história da crônica com o recém-formado jornalista (feminino ou masculino), andando rápido para a obesidade e hipertensão dado à sua falta de cuidado com a saúde em função da pressa de concluir uma pauta, que me provar que entende e aplica web metrics em seus textos, ou que procura contextualizar suas matérias – e não adianta defender-se porque o seu chefe de redação não alcança isso também.
Algo que os jornais têm feito em termos de contextualização – que me parece a oportunidade espetacular que a internet nos possibilita hoje – são as nuvens de tags, de palavras mais buscadas, inferindo notícias mais lidas, de maior interesse. Uma coqueluche passageira, uma poluição visual, um convite à idiotia do tipo ‘você sabia que bla-bla-blá e ponto’.
O Google instalou-se na barra de ferramentas da maioria dos computadores no mundo, tornou-se sinônimo de dicionário onisciente, entrou para o vernáculo global como nenhum jornal jamais sequer sonhou chegar. A ponto que presta todo o seu mix original de graça, claro, aparentemente de graça, a busca para explicar qualquer coisa. Receita de bolo, por exemplo, você pode ter na língua que quiser, simplesmente digitando na barrinha de busca da ferramenta: receita de bolo. Depois disso, será difícil não ter sempre o Google perto do forno. Coisa que jornal nenhum jamais sonhou conquistar. Eu cheguei a dirigir uma campanha publicitária, para atualizar a imagem de O Dia, com o slogan ‘O Dia todo Mundo Lê’ (1990) e era a utopia da estratégia de marketing obter o hábito do leitor (alfabetizado, de qualquer classe) não sair de casa diariamente sem antes ler O Dia.
Recentemente fiz a cobertura independente de um evento do hard core da web metrics e do marketing on-line e maculei meu vocabulário com palavras tais como monetização, usabilidade e pseudo-neologismos do gênero e criei eu mesmo uma aberração cognitiva: ‘buscabilidade’. Definição: característica ativa ou passiva de buscar ou encontrar informação ou dado na internet. É isso que os jornais não estão percebendo, a sua matéria-prima está definitivamente dependente da ‘buscabilidade’ e, se não forem permeáveis a esta novidade, no mínimo (alguém lembra de ‘no mínimo?’) perderão leitores, que, como se sabe, não querem saber quem está com a razão, o Google ou os jornais. Uma coisa é certa, eles gostariam de ler notícias de graça. Aparentemente de graça, (caros jornais), pois pela contextualização no final das contas o ganho será exponencial.
O jornal que souber aproveitar, porque ainda há tempo, este viés disponível para a comunicação, que souber inserir (ou expandir) a informação no mais amplo espectro contextual, poderá não só despir-se daquele viscoso condicional nos textos, mas conquistar leitores fiéis como nenhum outro jornal jamais conseguiu. E o Google, ora, o google (a propósito, o corretor do Word insiste em corrigir para maiúscula) permanecerá o que ele é, apenas o Google.
******
Escritor e jornalista