É interessante notar a conversão do PT à religião. Não há nada de errado em ministros de várias religiões assumirem cargos no governo, algo interessante num país onde até pouco tempo se discriminavam os "crentes", mas realmente incomoda o fato de concessões públicas serem usadas para divulgar idéias de grupos religiosos em detrimento de outros grupos da sociedade brasileira. O governo devia estar preocupado com a qualidade da nossa mídia, que em regra é um excremento.
Garantir acesso de todos a mídia não é sair por aí distribuindo emissoras a "Deus e o mundo", aliás com relação ao mundo acho que o governo já deu espaço demais a Deus. O mundo também merece, presidente. Que tal uma concessão para o sindicato da prostitutas, uma para o grupo de casais gays brasileiros, outra pros maconheiros e usuários em geral? Ah, esqueci que esses grupos não têm espaço no nosso Estado laico, porque os políticos no Congresso, antes de serem representantes de um Estado democrático, são representantes de suas paróquias, e a falta de inteligência ou não do governo é interessante. Afinal, senhores políticos, daqui a um tempo se não rezarem vocês não poderão aparecer na telinha ou falar aos microfones sagrados.
Mas talvez até seja muita inteligência… um fanático vota em nome de Deu e não questiona contas. Ao que parece esse governo não improvisa só nos discursos. Parece que nunca foi feito um plano de governo depois que o vermelho desbotou, e a mídia vem sentando no próprio rabo. Mas nós entendemos, afinal a crise tá feia pra todo mundo.
Wakila Nieble Rodrigues de Mesquita, Goiânia
Luz no texto
Obrigado pela excelência do texto e a luz nele contida. Foi perfeito!
Paulo César da Rosa Romão, Florianópolis
Texto de referência
Amigos, agradeceria se fizessem chegar ao professor Ivo Lucchesi este pequeno artigo, escrito há uns três anos. Tem a ver com o conteúdo do belo texto que ele acaba de publicar no Observatório da Imprensa. Obrigado.
TELEJORNALISMO EM CLOSE 17 (21/11/1999)
O axé-gospel e a des-moralização da religião
Paulo José Cunha
A produção de megaeventos religiosos pelas grandes redes de televisão, com participação de estrelas do "god’s pop" como os bispos da Igreja Universal do Reino de Deus e o padre Marcelo Rossi revela um aspecto ainda pouco explorado pelos analistas sociais: as religiões cristãs estão se des-moralizando. Ou seja, abdicando do primado da ética que fundou a civilização religiosa e retornando (ou seria regredindo?) ao reino da magia que imperou nos primórdios do homo sapiens sobre a Terra, quando ele fazia sacrifícios ao deus do trovão.
Este retorno à magia, sem dúvida, tem origem na midiatização das religiões, que passaram a enfrentar o "mercado" dos fiéis com o uso agressivo das mais modernas armas do marketing de vendas, e que se inicia pela ocupação do maior espaço de mídia possível. O primeiro efeito visível dessa investida é a banalização da religião por conta da superexposição (é só ligar neste momento o rádio ou a televisão que algum pregador da Rede Vida ou da TV Record estará no ar). O segundo efeito é o relaxamento dos valores éticos e morais, que cedem cada vez mais espaço aos cultos embalados com ingredientes espetaculares de luz, cor e catarse coletiva, os quais lembram muito, em sua essência, as cerimônias religiosas dos povos primitivos.
Os conceitos acima foram inspirados pelo pensamento do sociólogo Antonio Flávio Pierucci, da USP, apresentado na mesa-redonda "A falência ética das religiões no Brasil de hoje", durante o IX Congresso Brasileiro de Sociologia, realizado na UFRGS em setembro passado. Segundo o professor, as religiões estão deixando de oferecer pautas de conduta, de dizer o que é certo e o que é errado, e oferecendo serviços mágicos, isto é, a solução de problemas imediatos como doença, desemprego, drogas etc. Para nossa análise, o ponto mais interessante do pensamento do professor Pierucci é a elevação da competitividade do mercado religioso no Brasil. As religiões estão se apresentando como muito dinâmicas porque estão em plena competição "comercial". O bispo Macedo sabe que o dízimo sobe na medida em que conquista mais audiência. Ou seja, fiéis. Ou seja, mercado. Líderes carismáticos como o Padre Marcelo sabem que a Igreja Católica (que não se move – ainda – em função do dízimo mas não quer abdicar da grossa fatia de poder que sempre gozou), precisa ocupar um espaço de mídia que até então recusou por não querer sucumbir à chamada religião-espetáculo. Já está sucumbindo. E gostando.
Nesta enxurrada embalada pela oscilação dos níveis do ibope, vão escorrendo ladeira abaixo ícones até então intocáveis, como a teologia (que o professor Pierucci lembra ser um produto custosíssimo, caríssimo. É só imaginar o custo para a formação de um sacerdote ou de um pastor, remuneração de professores, manutenção de seminários, etc. E pensar que, agora, um quadro de pastores da Igreja Universal do Reino de Deus pode ser treinado por videocassetes…) As pessoas buscam hoje na religião a experiência religiosa, o transe, o êxtase, e não a doutrina religiosa. "A teologia é algo racional, exige fôlego intelectual", acrescenta. Na era do clip, é besteira exigir que as pessoas pensem. É mais fácil pedir que dancem.
Se considerarmos que as concessões feitas pelos religiosos atendem às duas partes – mídia e religião – estamos entendidos. Caso contrário, não se justificaria o boato de que o Padre Marcelo, por baixo dos panos, teria sido contratado pela Rede Globo pela irrisória quantia de R$ 150.000,00 por mês.
Só para sintetizar: no mercado do vale-tudo comercial já podemos, finalmente, elevar preces aos céus, ao som de um axé-gospel e saudar a chegada do neo-liberalismo à atividade religiosa.
E Deus?
Ah, sim. Deus é apenas parte do negócio. A parte que atrapalha.
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A mídia e a expansão da fé – Ivo Lucchesi