Thursday, 14 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Grampos são feitos para vazar

Os ‘grampos da Abin’ – ou que nome o caso venha a tomar nos próximos dias – fazem parte da edição mais recente do velho, surrado e suspeito ‘Jornalismo Fiteiro’.


Mais uma vez a imprensa, no caso o semanário Veja, serviu como veiculadora de uma denúncia que recebeu pronta, no colo, talvez até entregue na redação por um motoboy. Desta vez não foi uma fita, vídeo ou dossiê, mas a transcrição de uma rápida e aparentemente inofensiva conversa do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes com o senador oposicionista Demóstenes Torres (DEM-GO).


O gentil doador do documento que, segundo a Veja, era funcionário da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), não estava interessado em divulgar alguma conversa comprometedora do chefe do Poder Judiciário. Nunca se saberá se é efetivamente funcionário, se procurou os repórteres da revista movido por um dever cívico-moral ou se está a serviço de alguém – dentro ou fora da Abin – interessado em atingir a sua direção ou mesmo as esferas superiores.


O presidente do STF, Gilmar Mendes, já reclamou várias vezes – inclusive por via judicial – contra gravações clandestinas nos seus telefones. Em maio deste ano, este Observatório publicou um voto de Mendes que foi acompanhado por decisão da Segunda Turma do STF em favor da concessão de habeas corpus a um deputado distrital envolvido nas investigações da Operação Navalha, da Polícia Federal, que investigava fraudes em licitações públicas comandadas pela Construtora Gautama. Em seu voto, Mendes protestou contra o vazamento de fatos sigilosos da operação para a imprensa, contra o monitoramento de conversas telefônicas suas com o procurador-geral da República, e queixou-se do envolvimento indevido do seu nome entre os beneficiários de ‘mimos e brindes’ distribuídos pela construtora [ver ‘Ministro do STF reclama de vazamentos‘]. Ninguém deu atenção ao caso, apesar de surpreendente e inédito.


Armas solertes


Os arapongas que realizaram o grampo e liberaram o seu conteúdo determinaram o timing e a repercussão da denúncia. Pretendiam fazer barulho e obrigar o governo a agir em determinada direção. A ‘crise institucional’ armada no último fim de semana – e aparentemente desarmada pelo governo na tarde da segunda-feira (1/9) – não pode ser atribuída à rivalidade entre o ministro Tarso Genro e o ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu. Transcende aos meandros da Operação Satiagraha, mas não pode ser desligada do grampo que vazou para a imprensa com a complicada conversa do ex-deputado Luiz Eduardo Greenlagh, advogado de Daniel Dantas, e o chefe-de-gabinete do presidente Lula, Gilberto Carvalho. A Abin fez parte desta conversa.


É importante verificar que o atual surto de grampos atingiu a Suprema Corte no exato momento em que ela se impõe como a referência visível do Estado brasileiro. Com o chefe do Executivo praticando o seu esporte preferido nos palanques eleitorais e o chefe do Legislativo evaporado porque simplesmente não temos algo que se pareça com um Legislativo, a atuação competente, soberana e, sobretudo, confiável da instância máxima do Judiciário faz dela um alvo preferencial para os interessados em desmontar a sua credibilidade.


O STF examina neste momento dois casos com alto teor explosivo. A demarcação da reserva indígena Raposa/Serra do Sol – e a possibilidade concreta de mantê-la como área contínua junto à fronteira – preocupa importantes setores militares. No campo oposto, petistas e aliados estão excitados com o desenrolar do julgamento da organização criminosa que operou o ‘mensalão’.


Convém lembrar que no mesmo fim de semana em que se revelava a escuta clandestina nos telefones do ministro Gilmar Mendes, o presidente Lula, em comícios com candidatos a prefeitos do PT na Grande São Paulo, investia furiosamente contra aqueles que ‘crucificaram nossos companheiros’ – que, por coincidência, são réus no gigantesco processo que corre no STF.


Vazamentos são armas traiçoeiras, solertes. Raramente consegue-se detectar seus reais objetivos porque os verdadeiros beneficiários ficarão sempre protegidos pelo anonimato.


No dia em que a imprensa perceber que os grampos são feitos para serem vazados vai nos livrar de duas pragas: um e outro.