Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Grande imprensa não investiga grupos regionais

A propósito do artigo ‘Coro patronal contra o terror não colou‘, de Alberto Dines, nenhuma ação pirotécnica cola, essa é a verdade. Mas um comentário do jornalista Mário Quevedo, sobre o comprometimento da imprensa de Rondônia com a gangue que foi alvo da Operação Dominó, toca num ponto sensível: as mídias regionais ainda não foram olhadas pela grande imprensa. Vá saber as razões.

Vejamos o caso da Operação Sanguessuga: sete parlamentares federais de Mato Grosso estão envolvidos nas denúncias da famiglia Vedoin. Todos negam. Os três que cito a seguir estão na lista de 57 que tiveram abertura de investigação determinada pelo titular da 2ª Vara Federal de Mato Grosso, Jeferson Schneider. Um deles, apontado como um dos maiores beneficiários do esquema, era apresentador do programa Cadeia Neles (TV Gazeta/Record) [ver remissão abaixo]. Chama-se Lino Rossi (PP) e também apresentou o Cidade Alerta, que se dedica diariamente a vociferar contra o crime. Outro é Pedro Henry (PP), que chegou a ser cotado para ministro de Lula. Henry teve sua absolvição recomendada pelo Conselho de Ética no escândalo do mensalão. É ligado à TV Descalvados, retransmissora do SBT em Cáceres. O dono da TV é seu irmão, Ricardo Henry, atual prefeito da cidade.

Há ainda um outro, Wellington Fagundes, do PL, ligado à TV Cidade (retransmissora SBT) em Rondonópolis, sua base eleitoral. Também está ligado a outra RTV, em Barra do Garças, principal pólo do leste mato-grossense, na divisa com Goiás.

Não é só o escândalo sanguessuga. Há ainda um caso muito mais rumoroso, envolvendo João Arcanjo Ribeiro, que ficou conhecido quando matou o proprietário do jornal Folha do Estado, Sávio Brandão. Comendador, para quem não sabe, não é alcunha de capo mafioso, é título outorgado pelo parlamento cuiabano. Ele foi preso na Operação Arca de Noé (alusão ao jogo do bicho) e foi apontado como chefe do crime organizado em MT. Foi condenado por lavagem de dinheiro, evasão de divisas e outros crimes, em primeiro grau, pelo juiz Julier Sebastião da Silva, da 1ª Vara Federal de MT. Estão, entre os documentos apreendidos pela Polícia Federal nas factorings do comendador, cheques do PSDB de MT e também da Assembléia Legislativa de MT.

Fora da ordem

Detalhe: há ainda depósitos comprometedores na conta do então titular da Secretaria da Segurança Pública durante a gestão de Dante de Oliveira. O ex-secretário chama-se Hilário Mozer. O senador tucano Antero Paes de Barros e a ex-primeira-dama, Thelma de Oliveira, atualmente deputada federal, estão indiciados. Os tucanos negam qualquer envolvimento. Dizem que os negócios mantidos com o comendador foram firmados quando não havia qualquer suspeita sobre eventuais atividades ilícitas de Arcanjo. Já os processos contra os deputados estaduais que assinam cheques do Legislativo estadual, José Riva (PP) e Humberto Bosaipo (PFL), não tiveram prosseguimento: imunidade parlamentar.

Riva sempre esteve na Mesa Diretora da Assembléia de MT. Ora é presidente, ora é primeiro-secretário. O que os cheques da Assembléia Legislativa faziam em factorings de Arcanjo? Os cheques do PSDB, bem ou mal, são de um partido político que estava em campanha e fazia caixa 2 como qualquer outro, presume-se. Mas o poder público negociar com Arcanjo? E ainda impedir o seguimento do processo pela imunidade parlamentar? Um dos ‘fornecedores’ indicados pela Assembléia Legislativa é o endereço de uma fábrica de calcinhas. Calcinhas!

Na repercussão do depoimento do juiz Julier Sebastião da Silva na CPI dos Bingos, o presidente da seccional da OAB/MT, Franciso Faiad, escreveu artigo intitulado ‘Tchau, Julier’. Foi publicado por toda a imprensa cuiabana. É isso mesmo: o presidente da OAB/MT manda um juiz julgar em outra freguesia. Alguma coisa está fora da ordem.

‘Desde criança’

A imprensa de Mato Grosso é silente quando o assunto envolve a Assembléia Legislativa. Nos desdobramentos da Operação Arca de Noé, o assunto chegou a ser perigosamente pautado na mídia de Mato Grosso. No dia 29 de novembro de 2005, a TV Centro América (Globo/Cuiabá) exibiu reportagem assinada por Fábio Menegatti, na qual o juiz Julier Sebastião da Silva anunciava abertura de investigação contra o dono do poderoso proprietário do Grupo Gazeta de Comunicação, João Dorileo Leal. O grupo envolve TV, rádios e jornal. A reação veio no dia seguinte. Em manchete garrafal no dia 30, o jornal A Gazeta afirmava que ‘Juiz monta farsa para defender Alexandre’.

Alexandre é Alexandre Cesar, do PT. Foi candidato derrotado à Prefeitura de Cuiabá em 2004. Assinou confissão de dívidas não-declaradas ao TRE. Indiciado pela omissão contábil, alegou que a dívida de cerca de 3,5 milhões não se refere à sua campanha eleitoral, mas institucionais do PT, que ele também presidia em âmbito regional. O Grupo Gazeta de Comunicação nega veementemente qualquer envolvimento com a máfia do comendador. Insinuou ainda que o Grupo Zahran, detentor da concessão da TV Centro América, vendeu a concessão da Rádio Club FM a… João Arcanjo Ribeiro!

A relação de Arcanjo com a imprensa, do ponto de vista midiático, morreu no dia 1º de dezembro de 2005. Na CPI dos Bingos, o juiz Julier Sebastião da Silva foi ouvido. Na verdade, ouviu mais do que falou: foi tratado como bandido. Ou, pior ainda, como petista. Em altos decibéis, o senador Antero Paes de Barros – o magistrado já o classificou como ‘senador do Arcanjo’ na condução dos trabalhos da CPI do Banestado (que acabou em pizza) –, amparado por Álvaro Dias e Arthur Virgílio, foi para a ofensiva. Apresentaram um ‘dossiê’ contra o juiz. Ao ser perguntado quando foi que ficou sabendo que Arcanjo estava envolvido com ilicitudes, o juiz respondeu: ‘Desde criança’.

Ameaça à democracia

Por isso, foi acolhida representação de suspeição contra o magistrado, conforme pedido da defesa da máfia do comendador. Aliás, curiosidade: Julier determinou que uma aeronave de Arcanjo fosse usada pela Polícia Federal. Sua decisão foi modificada pelo TRF. Esse avião, meses depois, fez a revista Veja envolver Garotinho com João Arcanjo Ribeiro. Trata-se de uma história muito mal contada pela Veja, que não menciona os tucanos naquela matéria. Nem em outra, sobre o doleiro Toninho da Barcelona, que centrava fogo no petista José Mentor.

Surpreendentemente, na sessão em que a CPI do Bingos ouvia o magistrado sobre a contravenção e o crime organizado, o senador petista Tião Viana pediu o encerramento dos trabalhos. Motivo? O clima estava muito tenso. Muito tenso! O que havia durante o depoimento dos irmãos de Celso Daniel? E do assessor Gilberto Carvalho? E do amigo Paulo Okamotto? Após o pedido do petista acreano, o procurador da República Pedro Taques, que ofereceu a denúncia contra Arcanjo (prisão decretada por Julier), não foi ouvido pela CPI dos Bingos. Ele estava na platéia, louco para falar. Mas os integrantes da CPI não quiseram ouvir nada do integrante do Ministério Público Federal que, certamente, reúne muita informação sobre o crime organizado. Pedro Taques jamais foi chamado novamente. A grande imprensa publicou isso com o destaque de uma nota de pé de página. Sem qualquer importância.

Ou seja, a imprensa pode estar envolvida com crime organizado. Há empresários de comunicação poderosos que tiveram contra si investigação determinada pela Justiça – mas o juiz foi desqualificado, em retórica, como petista. A imprensa não se envolve com seqüestro de repórter, obviamente, isso é coisa de terroristas do PCC. Mas a imprensa pode estar envolvida com crime organizado que lava dinheiro, que evade divisas, que trafica influência, que tem contas em paraísos fiscais e outros crimes. Não são violência em estado puro, mas são uma verdadeira ameaça à democracia.

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Jornalista, Porto Alegre