‘Há um debate interno, para o qual chamarei os leitores à participação através da coluna de hoje, envolvendo um assunto que muitas vezes não merece de nós a relevância que, imagino, deveria ter. Até porque, faz parte do nosso cotidiano de uma maneira que nem sempre conseguimos dimensionar convenientemente. Para efeito de ilustração, farei uso do exemplo mais recorrente nos comentários diários que encaminho à redação, considerando um problema que se repete e, sempre que isso acontece, registro como erro e chamo atenção para necessidade de corrigi-lo. É que o nome da deputada estadual Iris Tavares, conforme está nos seus documentos, deve ser grafado sem acento agudo no primeiro ‘i’ de Iris. Sempre que ele aparece acentuado faço a ressalva de que necessitamos respeitar a maneira original, entendendo ser esta uma informação e que, como tal, deve ser passada da maneira mais correta ao leitor. O editor de Opinião, Plínio Bortolotti, incomodado com a discussão e minha insistência no assunto, decidiu manifestar sua absoluta oposição à tese que teimo em defender. Segundo ele, quando se trata de nome próprio o correto é escrever da maneira como a gramática determina e não pela forma como o escrivão do cartório decidiu que seria.
A informação é o foco prioritário
Plínio, um jornalista sempre atento aos bons debates na área de Comunicação, reclama dos excessos cometidos em nome do respeito àquilo que o documento determina, mesmo que em desrespeito ao que impõe a melhor regra gramatical. Cita absurdos, na sua concepção, como representaria escrever Ticiana com ‘y’ substituindo a letra ‘i’, ou Ana com um ‘n’ a mais, ou Micheli, com dois ‘l’ e ‘y’, enfim, concordo com ele, não faltariam exemplos de abusos que, hoje, derivam de qualquer razão. Pode ser charme, pode ser numerologia, enfim, qualquer ‘mandinga’ atualmente serve para desconfiguração gratuita de um nome. Não há porque discordar, nem discordarei, da idéia de que existem abusos que nos cabe, sem qualquer problema, evitar nos textos jornalísticos. Minha tese, porém, é outra, não diz respeito aos abusos. O que acho é que o nome faz parte da informação e, como tal, precisa ser apresentado de maneira correta. A menos que os documentos sejam alterados, pra ficar no exemplo que mais tem sido utilizado, o Iris da deputada deve ser grafado sem acento. Não porque eu quero, mas porque assim é o certo, sob o ponto de vista da informação que está sendo passada. É a informação que assim determina, não o nome, caso pareça possível fazer uma separação com tal nível de simplismo.
O problema começa lá e terminaria lá
Na defesa do seu pensamento, ainda, o editor Plínio Bortolotti diz que ‘acentuar os nomes próprios – os apelidos nem se fala – seria extremamente educativo, um serviço que O Povo prestaria aos leitores’. Integrando-se ao bizantino, segundo sua análise, debate sobre o caso da deputada do PT, ele apela a um caso fictício que consideraria assemelhado para mostrar o erro de se defender, como eu faço, a grafia do Iris da parlamentar sem o acento que a regra pede. ‘Imagine se isso fosse levado ao pé da letra e o pai que registrasse o filho como ‘José’, pedisse para não botar o acento, o pobre do menino trocaria de sexo, pois passaria a se chamar ‘Jose’. É um argumento forte, o exemplo comparativo é bom, mas não diz respeito àquilo que penso sobre o assunto e o que cobro nos comentários. Tal como Plínio, também acho que os cartórios deveriam estar melhor preparados, não apenas para registrar os nomes de maneira gramaticalmente correta, como também para resistir a pais que gostam de ser diferentes e buscam nomes inadequados para os filhos. A partir de quando está no documento, porém, passa a ser válido, mesmo que errado, esdrúxulo, inoportuno ou o que seja. Portanto, pra efeito de texto jornalístico, é como deve ser levado às matérias. Tenho uma proposta para o caráter educativo que o Plinio advoga que o jornal deva ter em tais momentos: que se crie um procedimento ressaltando qual seria a grafia correta e explicando porque está posta de maneira diferente no texto.
O professor ao lado da gramática
Vale reproduzir, como meio de enriquecimento da discussão e para mostrar que o problema é mais comum do que costumamos supor, texto encaminhado pelo próprio Plinio Bortolotti, extraído do site www.sualingua.com.br, onde o professor Cláudio Moreno responde a uma internauta que se identifica como Vanessa e que pergunta, exatamente, sobre a obrigação de acentuar nomes próprios. Ela, assim como eu, Plínio e tantos outros, manifesta-se incomodada com o pouco respeito à regra gramatical. Eis o principal da resposta: ‘minha cara Vanessa: os nomes próprios estão sujeitos às mesmas regras de acentuação que os nomes comuns. Cláudio, Sérgio, Flávio, César, Aníbal, Félix, Dóris, Zilá, André – todos são acentuados. Ocorre que a lei permite ao cidadão portar (se ele quiser – e se ele agüentar!) o nome da maneira como foi registrado. Ora, como a Lei Ortográfica vigente é de 1943, muitos Claudios, Sergios etc, nascidos antes dessa data, escrevem lá à sua maneira – da mesma forma que também se vê a grafia Cezar, Luiz, Suzana, que hoje se escrevem com ‘S’. A alteração do nome para a forma correta pode ser requerida ao Judiciário, num processo relativamente simples. Esse recurso não me parece necessário se o problema for simplesmente o acento: quem foi registrado sem o acento devido, ou com um acento desnecessário, pode corrigir por conta própria a grafia de seu nome, que isso não é um detalhe que prejudique a sua identificação civil em documentos. O acento não é levado em conta na caracterização do nome do indivíduo; por isso, o melhor é sempre acentuar de acordo com a regra de acentuação que estiver vigorando, independente do registro civil’.
É um bom reforço àquilo que pensa o Plínio Bortolotti sobre o assunto. De outra parte, serve para demonstrar que a insistência com que chamo atenção para o problema, sempre que detectado, não parece algo assim tão bizantino. Está entre as preocupações de gramáticos, linguistas e, por necessidade natural, de jornalistas. Defendo, enquanto o debate acadêmico avança com toda a paixão que lhe parece comum, que no jornalismo façamos prevalecer as regras do jornalismo. Ou seja, que a informação passada ao público seja a mais fiel que se possa obter, começando pela grafia do nome dos sujeitos da notícia da maneira como ela é. Não, muitas vezes, da maneira como deveria ser. O mundo que relatamos é o real, não o ideal, pra tristeza de todos nós.
Já que acabou, que acabe
Para quem pensa que o caso Larry Rother acabou, recomenda-se ficar atento porque os bastidores pegam fogo. O correspondente do New York Times no Brasil está tendo o comportamento jornalístico de duas décadas na América Latina investigado e seu nome corre na rede mundial de computadores como envolvido em vários episódios anteriores de desmoralização de figuras latino-americanas, como o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, e a líder indígena guatemalteca Rigoberta Menchu – ex-Nobel da Paz – , vítimas, ambas, de matérias do NYT, assinadas por ele, que o antiamericanismo diz terem sido encomendadas pela Casa Branca. A intriga, que o jornalista Cláudio Humberto informa ter nascido nos computadores do Palácio do Planalto – santa ingenuidade petista –, dá mais combustível à tese que defendo desde o começo, e continuo defendendo, de que Rother deveria ter recebido a punição máxima que o caso requeria, a partir de uma decisão de Estado: a expulsão do País. Ficar, agora, tentando desmoralizar o jornalista, seja a ação do Governo, do PT, de ambos ou de admiradores de ambos, apenas servirá para nos prejudicar ainda mais aos olhos do mundo. O Estado precisa atuar, agora, para que o episódio, como erroneamente quis o presidente Lula, seja dado por encerrado. Definitivamente.’