Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Há mais atenção aos vilões do que às causas

A inflação furou o teto de 6,5% fixado pelo governo. Não houve surpresa, mas o tema seria manchete obrigatória nos jornais de sábado (7/5). Era o assunto mais importante da sexta-feira, assim como havia sido, na véspera, o reconhecimento da chamada união homoafetiva estável pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A diferença estava nos sinais. Enquanto a decisão do STF era saudada como um avanço, a disparada dos preços evocava, para as pessoas informadas, um passado de instabilidade, insegurança e sacrifício para os pobres – normalmente os mais afetados pela alta do custo de vida.


A inflação acumulada em 12 meses continuará muito elevada ainda por algum tempo, perto do teto ou talvez acima, informaram os jornais. Mas as taxas mensais deverão recuar a partir de maio, insistiu o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e a variação anual tenderá a aproximar-se do centro da meta, 4,5%, até o fim do próximo ano. Os jornais também citaram essa previsão. A cobertura foi em geral equilibrada e nenhum palpite relevante foi omitido. Nenhum ministro da área econômica pode alegar qualquer motivo para reclamar da imprensa. Mas pelo menos alguns leitores podem ter ficado um tanto insatisfeitos.


Os jornais se dedicaram, como sempre, a esmiuçar os índices mensal e anual para mostrar os chamados vilões dos preços (até quando essa imagem será usada?). Em abril, o índice foi puxado pelos preços de combustíveis, transportes e alguns serviços. No ano passado, o peso dos alimentos havia sido maior. E daí? Esta pergunta parece ocorrer muito raramente aos autores das matérias. Gráficos e tabelas para mostrar a evolução dos vários preços e para destacar as maiores altas e maiores baixas podem ser interessantes, mas são insuficientes para contar a história.


Importância relativa


Esse mesmo tipo de material foi rotineiro nos piores tempos da inflação, no Brasil. Em cada entrevista coletiva o coordenadores das pesquisas desmontavam os índices, para mostrar a importância relativa de cada componente na formação do número global. Num mês os vilões eram o feijão e o tomate. No mês seguinte, a cebola, a gasolina e o vestuário. No outro, o material escolar, o transporte público e os serviços médicos. A mera variação dos vilões deveria acender uma luz mesmo nas cabecinhas menos atentas: as variações de preços deste ou daquele bem ou serviço não causam inflação. Ao contrário: sobem porque há um processo inflacionário. Nesse processo, as pressões se propagam e seus efeitos podem aparecer com maior ou menor força, em cada momento, neste ou naquele item.


O problema, portanto, é a propagação, e só por isso o presidente do Banco Central (BC), Alexandre Tombini, recomendou aos consumidores conter os gastos e poupar mais. Essa recomeñdação apareceu nas primeiras páginas do Estado de S. Paulo e da Folha de S. Paulo no dia 6/5, sexta-feira. Se os consumidores seguirão o conselho é outra história. A notícia foi relevante por outro ponto: mostrou a preocupação do presidente do BC com a demanda. Ele até pode ter mencionado, em algum momento, o choque de oferta de um ou de outro produto, mas conhece bem o outro lado da questão. Os aumentos só se espalham e só se prolongam no tempo quando os consumidores e as empresas sancionam esse movimento.


No fim de semana anterior a Folha de S. Paulo havia chamado a atenção, em manchete, para um dado muito importante: categorias profissionais poderosas negociarão aumentos salariais no terceiro trimestre, quando estará muito alta a inflação acumulada em 12 meses. O assunto foi retomado por outros jornais, durante a semana, mas talvez sem a ênfase necessária. Reajustes salariais podem repor temporariamente o poder de compra dos trabalhadores. Se for acrescentado algum aumento real, melhor para eles. Mas nenhum aumento garante proteção duradoura, quando as empresas conseguem repassar os custos por meio dos preços. Nesse caso, acelera-se a bem conhecida espiral inflacionária, alimentada por mudanças cada vez mais frequentes de preços e de salários. O resultado também é muito conhecido: os assalariados perdem o jogo.


Exercício de adivinhação


A questão, portanto, é saber se os freios da política monetária estarão funcionando com a força necessária, no segundo semestre, para impedir a intensificação da corrida entre preços e salários. Todo o exercício de adivinhação descrito pelos jornais é irrelevante, sem esse detalhe. Não basta mencionar o otimismo ou pessimismo do economista Fulano de Tal quanto à evolução dos preços nos próximos meses ou até no próximo ano. A informação só será completa se incluir a sua avaliação da política de juros e das demais medidas tomadas pelas autoridades monetárias. A combinação das políticas será suficiente para deter a propagação dos aumentos e para levar a inflação ao centro da meta no fim do próximo ano. Ou as políticas serão ainda muito frouxas?


Na primeira semana de maio algumas autoridades tentaram responder a essa dúvida e recorreram a jornais para isso. Segundo matérias publicadas ao longo da semana, a ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) indicou uma alteração de rumo, com maior ênfase, a partir de agora, na política de juros. A ata não é tão clara em relação a esse ponto: aponta um longo período de elevação de juros, mas não indica se os aumentos serão maiores que o decidido em abril. De toda forma, autoridades julgaram necessário passar esse recado e acentuar a ideia de uma alteração da política. O Valor foi além e atribuiu à presidente Dilma Rouseff uma correção de rumos da política econômica. Com essa correção, a enxurrada de capitais estrangeiros e a valorização do real deixam de ser questões prioritárias. Agora, a tarefa mais urgente é combater a inflação e para isso já estão sendo usados, segundo a matéria, instrumentos fiscais (adiamento ou corte de despesas) e a política monetária. Em outras palavras: algum ser pensante, no governo, mostra-se preocupado com as condições propícias à inflação – e isso inclui o gasto público – e não com o aumento deste ou daquele preço. É este o ponto. O resto é complemento.

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Jornalista