…para se dar como encerrado o reinado de Xuxa. Acabar, não acabou ainda! Mas há tanto tempo vem agonizando publicamente que o final vergonhoso de sua última aventura, ou desventura, diária soou como um inevitável tiro de misericórdia. E muitos respiraram aliviados, até que a Rede Globo, embarcando em mais uma tentativa de reviver os tempos de glória de Xuxa, abriu espaço para a apresentadora nas manhãs de sábado (TV Xuxa/ Rede Globo) em um ‘novo’ programa, voltado para toda família. Para infelicidade daqueles que acreditavam ter testemunhado o final definitivo da era Xuxa na televisão brasileira.
Depois de uma estréia morna, no início de maio, o ‘novo’ programa de Xuxa já experimentava um esfriamento no interesse por parte do público ao ser retirado da grade de programação. Está fora do ar há quase dois meses, por causa das transmissões das provas de stock car e dos Jogos Olímpicos, segundo a Rede Globo. Voltará no começo de setembro, assim que termine a Olimpíada, mas até quando? Para quem, gostando ou não, testemunhou o período em que Xuxa materializou, indiscutivelmente, o maior fenômeno da televisão brasileira, ter de acompanhar as sucessivas tentativas de retorno a um patamar que já faz parte da historia da televisão, e que não se repetirá novamente, é, no mínimo, constrangedor.
O término da parceria
Alguns números do que significa, ou significou, o reinado de Xuxa: 22 anos de carreira, fortuna estimada de US$ 100 milhões (revista Veja/2002), mais de 30 milhões de cópias vendidas (LPs, CDs e K7s) – que lhe renderam 200 discos de ouro, 14 filmes – cujo público estimado é de 26 milhões de pessoas, 36 paquitas (assistentes de palco) – dentre elas, apenas seis souberam aproveitar a alavanca de ter começado com a Xuxa, cerca de oito cópias ‘oficiais’ – dessas, somente duas conseguiram se livrar da imagem de apresentadora infantil e dar seguimento à suas carreiras (fonte: internet).
Foi a partir de Xuxa que começamos a nos preocupar com temas como erotização precoce, consumo infantil, a quantidade e qualidade do tempo que nossas crianças passavam vendo televisão e foi neste período que começou a supervalorização das loiras, naturais ou não, conferindo à cor dos cabelos grau de superioridade dentro do imaginário coletivo nacional. Mas foi com Xuxa, também, que os programas infantis alçaram status que nunca haviam tido antes, mobilizando público, a mídia e uma quantidade enorme de anunciantes ávidos por pegar carona no fascínio que Xuxa exercia em seu público.
Fascínio que, para alguns, era fruto de uma das parcerias mais bem sucedidas da televisão brasileira – que durou quase vinte anos – e chegou ao final em 2002, quando Xuxa resolveu criar asas, colocando fim ao vínculo profissional e afetivo que matinha com a diretora de televisão Marlene Mattos. Provavelmente, acreditando ser verdadeiro tudo o que foi construindo em torno de sua imagem, por sua ex-diretora e grande amiga. A diretora saiu de cena, passou de gênio da televisão brasileira ao ostracismo. E para a felicidade de muitos, hoje, se confirma que muito do que foi o fenômeno Xuxa era parte de um grande show de ventriloquismo, onde uma hábil manipuladora fazia com que a boneca em suas mãos parecesse ter vida e vontade próprias. Seis anos depois do término da parceria, depois de tantos fracassos de ambas – mesmo sendo inegável o carisma da ‘rainha’ – fica óbvio que o pilar do reinado de Xuxa era Marlene e que a genialidade de Marlene tinha como centro Xuxa. Uma não conseguiu seguir sem a outra.
Apenas uma senhora
Entretanto, a maior amostra do que foi o reinado de Xuxa está no público que a seguia. Homens e mulheres – a grande maioria, mulheres, na faixa etária que gira em torno dos 15 aos 35 anos, que se reconhecem como ex-baixinhos. Uma geração inteira que tem como principal referência de infância as manhãs com a ‘rainha’. Manhãs de músicas açucaradas, coreografias bem ensaiadas, figurinos inéditos, mensagens de auto-ajuda. Baixinhos que eram estimulados a lutar pelos seus sonhos – ‘querer, poder e conseguir’! Contudo, desde que estes sonhos estivessem relacionados à carreira artística. Uma geração inteira de loucos pela fama, pelo estrelato; consumidores da indústria de celebridades, cuja grande frustração é de não ter sido paquita.
O tempo passou, mas a ‘rainha’, simplesmente, não se dá conta de que seria necessário mudar demais para continuar agradando. Não é fácil para ninguém se adaptar às mudanças duramente impostas pelo tempo. Xuxa perde espaço – e perderá mais – por não conseguir entender que foi o ícone de uma época. Época em que havia espaço para o que significava ser apresentadora infantil: mitos massificantes, pouco preocupados com o real significado de infância. A geração atual de crianças, fruto da geração de Xuxa, vive no tempo da diversidade, da rapidez de informação, sem tempo a perder em um único canal, com um único ídolo e para a qual Xuxa não passa de uma senhora que faz parte da infância de seus pais.
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Crítica de TV, Brasília, DF