Ele é criticado pelos erros de concordância, fraseado tosco, abuso de bordões e outras questões vernáculas de maior ou menor relevância. Desta vez, no discurso de lançamento oficial da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer, o presidente Lula foi preciso em matéria semântica: ‘É importante a gente começar a ficar esperto…’ (O Globo, 14/6, pág. 4). Esperto, como apontam os melhores dicionaristas, é o mesmo que desperto, atento, vigilante. E completou: ‘…[começar] a olhar e começar a ver qual o tratamento que vai ser dado’.
O presidente, desta vez, pediu neutralidade ou igualdade de tratamento. Na frase anterior dissera ter assistido na véspera a um telejornal onde a sua candidata ‘deve ter aparecido uns 30 segundos e o adversário seis vezes em quase seis minutos’.
Como não indicou o nome do canal nem o horário em que a notícia foi veiculada, supõe-se que o presidente Lula esteja certo. A reclamação procede, não é descabida: pedir tratamento igual equivale a recorrer aos manuais de bom jornalismo.
Ao sugerir que os veículos mantenham-se equidistantes ou assumam abertamente suas preferências, Lula segue os paradigmas da melhor imprensa americana, considerada nesta questão a mais correta de todas.
Escolhas do ‘aquário’
Completado o ritual, lançadas oficialmente as três principais candidaturas, pode-se repetir o refrão dos antigos locutores do turfe: ‘Foi dada a largada’. O páreo será muito disputado, renhido, evidentemente tenso. Esta convocação do supremo magistrado para um mínimo de equilíbrio na cobertura eleitoral faz todo o sentido.
O mesmo não se pode dizer da estratégia de converter este pleito num racha, plebiscito extremado, radical, violento. Pior é uma certa imprudência na delimitação do que um governante pode ou não pode fazer em benefício do seu candidato.
O recorde de multas impostas pela Justiça Eleitoral a um presidente da República pouco antes de entregar o cargo não deveria ser motivo de piada nem servir de galardão. É punição e punição não respeitada, ridicularizada, degrada e deslegitimiza todo o sistema de valores. Poderia ter sido evitada, sobretudo para tirar da mídia qualquer justificativa e pretexto para eventuais malfeitorias, perversidades e/ou desatenções.
Na verdade, o presidente Lula pedia um comportamento de alto nível indistintamente. Caberá à oposição julgar se a proposta merece recíproca. Mas a imprensa não tem o que pensar: é sua obrigação inata e orgânica manter o processo eleitoral num elevado padrão. Não apenas em seu benefício, mas em benefício do processo democrático da qual é a principal beneficiária.
A publicação do ‘Estatuto das eleições’ de 2010 pelos veículos que compõem o Infoglobo é extremamente animador [ver aqui]. É, essencialmente, um código de comportamento para repórteres. Mas poderia servir também para colunistas e opinionistas, regulares e avulsos, tanto do sistema Infoglobo como alhures. E inspirar os procedimentos nas portarias das Redações de todo o país. Nestes compartimentos envidraçados nem sempre transparentes materializa-se o ‘alto nível’ – através dos destaques, dimensões, omissões do material informativo (visual e verbal) e por meio da titulação.
Lula falou, está falado: esta é a hora de ficar esperto. Sem espertezas.