A imprensa, em geral, não tem medido esforços ao cobrir o atual processo eleitoral. Entretanto faltam análises políticas mais profundas, sendo o noticiário mais focado em pessoas, denúncias de corrupção, escândalos e dossiês. Por outro lado, existem visões pautadas em uma grande luta entre a direita atrasada e o atual presidente encarnando a esquerda e o progresso social. Seria fundamental, por exemplo, definir a ‘esquerda’ e a ‘direita’ brasileira, senão, no fundo, a mídia está se igualando ao sanguinário personagem de João Ubaldo Ribeiro, em Sargento Getúlio, que tinha grande prazer em perseguir os ‘comunistas-udenistas’. Certamente grande parte de nossa população, acostumada a ver Aldo Rebelo do PCdoB, aliado de Lula e da direita predatória, terá dificuldades em entender as contradições de um ‘comunista-udenista’. Assim é a História. Este o esquecimento pelo qual pagamos.
No cipoal da mídia nas coberturas eleitorais ainda não vimos uma linha sequer sobre as origens, por exemplo, do PMDB e PSDB relacionadas ao antigo MDB. E o DEM relacionado com a antiga Arena, da época da ditadura, bem como o escamoteado PFL? De qualquer maneira, estes partidos têm posturas ‘bem comportadas’ do ponto de vista ideológico. O intrincado é entender partidos supostamente de esquerda, transitando sempre pela direita.
O movimento ‘verde’, que deu origem aos PVs europeus, nasceu na década de 1970, em plena guerra fria, quando tínhamos um mundo dividido entre o chamado ‘império do mal soviético’ e a bem aventurança do capitalismo, onde se supunha reinar a democracia e liberdade desde que com certa ‘compreensão’, de modo a acomodar ditaduras sanguinárias, mas boas aliadas, e as barbáries do colonialismo, principalmente em terras africanas.
A contaminação do PV
A Europa vivia asfixiada. Por um lado, pela ameaça da maré de tanques soviéticos que em algumas horas poderiam chegar ao Reno; por outro lado, os estrategistas da destruição pregavam que a única maneira da Otan deter os invasores seria o uso das bombas nucleares táticas, que sacrificaria uns poucos mas salvaria a maioria. O desespero era tão grande que alguns proclamavam o movimento ‘Best red than dead‘ (melhor vermelho do que morto).
Isto tudo se refletia nos parlamentos europeus, divididos entre uma esquerda inoperante e uma direita agressiva e irresponsável. O aparecimento dos ‘Verdes’ foi uma novidade recebida com simpatia e alívio, pois mesmo formando pequenos partidos atuavam como o fiel da balança nas disputas entre a esquerda e a direita e antecipavam as teses de defesa do meio ambiente mostrando a importância da natureza para a sobrevivência da Humanidade.
Aqui, por nossas bandas, o Partido Verde nasceu em parte como uma novidade importada nos tempos da abertura política e muito por aquelas razões bem discutidas no clássico Esquerdismo, uma Doença Infantil do Comunismo de Lenin. Ou seja, todos querem ter um grupelho próprio! Até aí, nada mal, afinal esta é a natureza humana. O pior é que os núcleos iniciais desta nova agremiação saíram do meio universitário e infelizmente esqueceram o melhor, que seria a excelência e a honestidade intelectual, e preservaram o pior: como o oportunismo, populismo, carreirismo, o assembleismo e, para falar claro economizando os ‘ismos’, aquela picaretagem que infelizmente existe em nosso meio acadêmico.
Portanto, podemos dizer que a atuação deste partido sofre uma contaminação que o impede de ter uma posição de independência e clareza em suas relações com o atual governo, sendo extremamente tolerante com sua desastrosa política de meio ambiente, funcionando no fundo como uma legenda de aluguel de modo a tirar uma vantagenzinha aqui, outra acolá, e assim vai vivendo.
A salada ideológica do PT
No passado, os partidos de esquerda sérios conviviam com organizações sem muita expressão, como por exemplo, a AP (Ação Popular) que era formada basicamente por jovens de classes sociais mais abastadas que consideravam in (usando a alienante linguagem atual) fazer política de esquerda, mas ficando ao largo daqueles tipos como Zé Sapateiro, João Capenga, Cachimbo e outros líderes populares com quem teriam que militar nos partidos de esquerda sérios. Com o tempo, os jovens da AP e outras organizações equivalentes acabaram seus cursos universitários, fizeram seus doutorados e transformaram-se em ricos empresários, profissionais liberais, professores etc., saindo em busca dos sonhos da juventude para formar um partido político clean, sem aqueles personagens indesejáveis que misturavam a pureza da teoria política com grosseiras reivindicações sociais prementes.
Para isto, deveriam ter um líder simbólico, uma espécie de rainha da Inglaterra com grande carisma, mas que pudesse ser manipulado. Lula foi a figura perfeita, pois era um sindicalista, daqueles de sindicato americano, que aplaude o capitalismo selvagem apenas negociando com os patrões uma maior participação nos lucros, o que funcionava bem na nossa indústria automobilística pois era uma das mais desenvolvidas, com seus operários elevados a padrões de classe média. Sindicatos pobres, por exemplo, de cortadores de cana ou agricultores bóia-frias que se danassem, pois esta era a essência do capitalismo: ‘No mundo, só podem existir vencedores e vencidos.’
Desta salada ideológica nasceu o nosso PT, apagando de nossa política qualquer outra organização de esquerda ou com visão social. Ser esquerda é ser petista! Nesta marcha, foram alavancados pela brutal repressão política da década de setenta que seletivamente eliminava as lideranças políticas mais sérias e, portanto, indesejáveis. Os exemplos estão aí: o PCdoB virou suporte para o poder das elites atrasadas; os líderes estudantis são assalariados e manipulados; sindicalistas, corrompidos, travestidos em ministros e colocados em conselhos de estatais com ganhos milionários; lideranças dos movimentos sociais cooptadas – e vamos por este descaminho afora.
Zerando a sociedade
O mais triste neste processo é a destruição de pessoas que já lutaram sinceramente por alguma causa. Muito me entristece quando vejo a ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, calada diante de tantos atentados ambientais, já que tudo deve ser perdoado para os aliados do governo. E os teólogos da Libertação, que defendiam que a Fé e uma opção racional a um sistema de dogmas, só considerando que um povo livre e alfabetizado poderia participar deste amor divino? Parece que hoje preferem uma Igreja medieval, fundamentalista, com o povo justificando o seu sofrimento com as clássicas palavras ‘Deus quis assim’. Será que Dorothy Stang e outros morreram em vão?
Logo, a questão que deveria ser tratada não é em quem votar, e sim, como votar para zerar a nossa sociedade destas farsas e começar tudo de novo. Neste processo, a imprensa poderia desempenhar um grande papel, esclarecendo a população, a origem dos partidos, não em função das disputas pelo poder e seus milhares de cargos públicos, e sim, em função de análises de cunho histórico e ideológico.
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Físico e escritor, Rio de Janeiro, RJ