A mídia mais séria parece ter caído numa arapuca que a condena a desfigurar a cobertura das eleições para as Câmaras de Vereadores e, involuntariamente, fazer-se veículo de um poder econômico incontrastado. Os jornais, por exemplo, para evitar favorecimentos, limitam ao mínimo, ou simplesmente suprimem, a presença de candidatos no noticiário. Mas eles poderão aparecer em páginas que têm centenas de milhares de leitores –
como no caso dos maiores diários do país –
se dispuserem de recursos para publicar matérias pagas às vésperas da eleição.
Quem constata esse paradoxo é o vereador Carlos Neder, do PT paulistano, em campanha pela reeleição. Neder chamou a atenção, em recente debate na Câmara Americana de Comércio de São Paulo (http://www.amcham.com.br/update/update2004-09-03f_dtml), com uma revelação amarga: um importante integrante da administração Marta Suplicy lhe teria dito que, ao exercer o mandato com convicções, ele ‘incomoda o governo do PT’.
O desconhecimento do que se passa na Câmara Municipal de São Paulo é de tal ordem que esse tipo de crítica não aparece na imprensa. E seria um ‘prato feito’ em época de campanha.
Lista secreta
O Estado de S. Paulo começou a publicar no domingo (12/9) uma lista de minibiografias de vereadores. Segue a ordem de um ranking dos melhores elaborado pelo Movimento Voto Consciente, que o próprio jornal não publicou quando foi divulgado (o Jornal da Tarde publicou, em 25/8, dando destaque aos piores). O Estado não dá essa informação ao distinto leitor. O ranking certamente não é perfeito, mas é um esforço para avaliar desempenhos.
Mesmo que às vésperas da eleição venha a ser publicado um caderno especial, a forma de divulgação é precária. Leitor gosta de ler… notícia, e não textos formais. A atividade de Neder e de outros vereadores (abaixo, a lista dos dez melhores de São Paulo segundo o Movimento Voto Consciente) suscita, sem qualquer dificuldade, boas pautas. Mas os veículos, refletindo uma mentalidade muito arraigada das elites paulistana e carioca, não dão bola para a política municipal. Só tomam conhecimento das confusões quando o teto começa a desabar em cima de suas cabeças.
Submissão a outros poderes
Carlos Neder constata mudança acentuada do perfil dos jornalistas que cobrem a Câmara Municipal. ‘Mudou muito desde a cobertura da CPI da Máfia dos Fiscais, liderada pelo vereador José Eduardo Martins Cardozo’, diz. ‘Hoje, com uma ou outra exceção, os jornalistas têm menos experiência, menor capacidade de entender os subtextos.’
‘Os meios de comunicação perderam um pouco o interesse, talvez aceitando sem criticar uma imagem negativa que já está fixada’, afirma Neder. ‘Assim, deixam de ver o que é positivo.’
O vereador acha que falta sobretudo cobertura que informe sobre o processo legislativo. ‘O atual processo legislativo atende à Lei Orgânica do Município, mas mata o debate, igualando vereadores ao privilegiar um instituto que nem existe na lei, que é o colégio de líderes’, diz. A matéria-prima dos líderes é a demanda do governo e o senso comum. Como as votações se dão sempre em torno dos líderes, as idéias não são confrontadas.
Os cidadãos, propõe Neder, precisam conhecer melhor esse sistema, que leva o Legislativo municipal a se confundir com os interesses do Executivo. ‘O Legislativo deveria ter agenda própria e fiscalizar o Executivo; mas não tem meios, não tem autonomia para isso, porque se submete ou ao Executivo ou aos que financiam as campanhas eleitorais’, lamenta o vereador.
Neder não é o único vereador lúcido da Câmara paulistana. No mesmo debate realizado pela Câmara Americana, o vereador Gilberto Natalini (PSDB) disse para a platéia de empresários e jornalistas: ‘Podem acreditar que em todos os partidos existem vereadores sérios que procuram se unir para resistir’. Em seguida, denunciou, com indignação, um fenômeno que dias depois iria aflorar no noticiário: o rolo compressor de ‘visitadores’ profissionais montado pelo PT em bairros pobres.
A lista dos melhores vereadores de São Paulo segundo o Movimento Voto Consciente, divulgada em agosto de 2004, é a seguinte: Carlos Neder (PT), Nabil Bonduki (PT), Claudio Fonseca (PC do B), Ricardo Montoro (PSDB), Gilberto Natalini (PSDB), Farhat (PTB), Beto Custódio (PT), Odilon Guedes (PT), Lucilia Pizzani (PT) e William Woo (PSDB).