A mídia brasileira, talvez sem perceber, está ajudando o Vaticano a acionar uma ofensiva sem precedentes. A discussão sobre o aborto é apenas um pretexto: a visita do papa Bento XVI foi montada para exibir a ancestral capacidade mobilizadora da Igreja depois de uma longa letargia ante o avanço das crenças protestantes e da descrença racionalista.
O espetáculo da fé iniciado ontem a partir de São Paulo para todo o país é parte de um espetáculo político, minuciosamente planejado.
É legítimo: o Vaticano é um Estado, tem interesses ideológicos e interesses políticos. A mídia é que não deveria ignorá-los. Ou, pelo menos, não deveria esquecer que as comoventes exibições de devoção religiosa são a face visível de um projeto de poder que em determinados momentos deixa de lado a espiritualidade para recorrer a claras ameaças aos políticos que favorecerem a legalização do aborto.
Essas coisas escapam à mídia eletrônica que há muito abdicou de qualquer exercício crítico. O que chama a atenção é que a mídia impressa, sempre mais comprometida com o debate e a autonomia, parece seguir na mesma linha. Pelo menos até quarta-feira (9/5).