Agora é oficial: os jornais desta sexta-feira, dia 13, consideram encerrado o caso Demóstenes-Cachoeira. Para quem está habituado a ler nas entrelinhas, o contexto é relativamente fácil de entender. Após a notícia da cassação do senador, o assunto literalmente desaparece das primeiras páginas ou passa a segundo plano.
Em seu lugar, escândalos de reserva, como a denúncia contra empreiteiros que atuaram em obras do ex-prefeito Paulo Maluf, em São Paulo, no começo dos anos 1990, ou a requentada história das propinas pagas aos ex-dirigentes da Fifa e da CBF João Havelange e Ricardo Teixeira.
Para que não se diga que a imprensa abandonou rapidamente o caso assim que saiu de cena o incômodo ex-aliado, restam ainda algumas reportagens confirmando que Demóstenes Torres reassumiu o cargo de procurador da Justiça em Goiás e que seu sucessor, Wilder Morais, suplente indicado pelo bicheiro Carlos Cachoeira, será chamado a dar explicações ao seu partido, o Democratas. Outro envolvido no esquema montado pelo bicheiro, o deputado Carlos Alberto Leréia, cuja cassação foi recomendada pela Corregedoria da Câmara, será julgado pela comissão de ética de seu partido, o PSDB.
Em editorial, o Estado de S. Paulo alerta para o fato de Carlos Cachoeira manter alguma influência no Senado, embora considere improvável que Morais venha a assumir o papel de “despachante de luxo” do bicheiro em lugar de Demóstenes.
Mas tudo indica que o fogo vai ser reduzido e o suplente vai virar senador.
A Folha de S. Paulo assume, em editorial e em reportagem, que a CPI Demóstenes-Cachoeira está em refluxo. Citando o episódio que virou anedota na internet, quando o site do Senado noticiou a cassação de Demóstenes Torres ainda antes da votação, o jornal sugere que o portal da Câmara já pode preparar a manchete: “CPI do caso Cachoeira dá em nada”. Na reportagem, a Folha reafirma que, com a cassação de Demóstenes, o recesso parlamentar e a proximidade das eleições municipais, a tendência é o arrefecimento do ímpeto investigatório.
Outra razão é o fato de que não têm aparecido novas gravações de conversas comprometedoras de Carlos Cachoeira com outros políticos. Como se sabe, o poder de investigação da imprensa se limita quase exclusivamente à reprodução de gravações.
O próximo escândalo
Claro que ainda falta muito a esclarecer nas relações do bicheiro com a empreiteira Delta, principalmente para explicar o fenomenal desempenho da empresa em obras públicas pelo Brasil afora, tanto por meio de contratos com o governo federal quanto em iniciativas de estados e prefeituras. Mas não parece haver força política interessada em levar adiante tal investigação.
Assim, consolida-se como fato corriqueiro o misterioso processo pelo qual a corrupção só acontece no lado dos representantes do poder público, mas nunca aparece o dono do dinheiro que corrompe. No caso Demóstenes-Cachoeira, ficou claro que os recursos do jogo clandestino e de outras origens ainda não reveladas eram lavados em doações para campanhas eleitorais, com o compromisso de retribuição sob a forma de obras e serviços superfaturados.
Mas ainda que as evidências dessa triangulação Demóstenes-Cachoeira-Delta sejam explícitas até mesmo para um distraído leitor de jornais, não parece haver muita curiosidade entre os parlamentares e na própria imprensa em ver esclarecido esse enredo. Mesmo porque a proximidade de novas eleições deveria estar estimulando os jornalistas a tentar identificar nas campanhas em curso o vírus do financiamento irregular, que pode vir a gerar novos escândalos amanhã ou depois.
Sem essa vontade de investigar, não há como conter o incessante ingresso de bandidos na vida pública – por causa das restrições impostas pela lei da Ficha Limpa, pode estar acontecendo até mesmo uma renovação nas quadrilhas já estabelecidas, com o lançamento de futuros Demóstenes na carreira parlamentar. Assim, esta sexta-feira, 13, tem todos os ingredientes para prenunciar dias ainda mais obscuros para a política.
Registre-se que, com todas as evidências de que os esquemas seguem atuantes nas campanhas eleitorais, não há como fugir à constatação de que os jornais não estão realmente interessados em denunciar o sistema. As redações parecem aliviadas por ver fora de cena o ex-senador que um dia foi sua principal fonte de informações, especulações, suspeitas e denúncias contra desafetos políticos da própria imprensa.
Agora é esperar o próximo escândalo.
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