Uma das reportagens do noticioso SPTV, da TV Globo, transmitido por volta do meio-dia da terça-feira (18/10), tratava de um treinamento de policiais militares paulistas para enfrentar situações críticas. Na cena mostrada, policiais interagiam com atores fazendo o papel de criminoso e vítima, e um deles submetia o outro com um revólver.
A cena se desenrola rapidamente: o suposto sequestrador libera a vítima, que se aproxima dos policiais enquanto o “marginal” é dominado.
Na passagem diante da câmera, o detalhe que chama atenção: o ator que faz o papel de vítima tem a pele mais clara e veste uma camiseta do São Paulo Futebol Clube; o outro, no papel do bandido, é mais moreno e usa uma camiseta do Sport Club Corinthians Paulista.
A cena se passa rapidamente, mas é suficientemente clara para ver o escudo do clube nas costas do personagem.
Algumas questões podem se colocadas aqui. Uma delas: quem produz tais cenas para treinamento dos policiais sabe que está reforçando um preconceito que irá definir a ação dos agentes de segurança na vida real?
Outra questão: o jornalista encarregado de cobrir o evento deveria ter notado o detalhe e, tendo percebido, fazer a observação ao oficial encarregado do treinamento?
A terceira: tendo visto a cena, o editor que preparou o material para ser levado ao ar deveria ter acrescentado um comentário ou cortado a cena?
Último ponto: nada disso tem importância e o observador está procurando pelo em ovo?
Ora, até os últimos paralelepípedos da cidade sabem que a ação da polícia é contaminada por preconceitos contra os mais pobres, contra negros, mulatos, jovens malvestidos e outros cidadãos socialmente vulneráveis.
Entre esses preconceitos persiste a discriminação entre torcedores de clubes de futebol, sob a suposição de que há clubes “de elite” e clubes “populares”.
Mesmo que a história do futebol no Brasil mostre que a diversidade entre os torcedores desqualifica esse tipo de classificação, até o linguajar dos narradores e comentaristas esportivos eventualmente reforça esses preconceitos.
Agora, colocar um torcedor do Corinthians no papel de bandido para ensinar policiais militares como agir na repressão ao crime é mais do que preconceito: é um acinte contra milhões de cidadãos e um estímulo à violência policial discriminatória.
Governo versus Fifa
Ainda sobre esporte, mas falando de outras delinquências, o noticiário sobre as acusações contra o ministro Orlando Silva começa a resvalar no planejamento da Copa do Mundo de 2014.
Segundo os jornais de quarta-feira (19/10), dirigentes da Fifa – Federação Internacional de Futebol – começam a pressionar para que uma eventual mudança no ministério não venha a afetar seus planos econômicos para a Copa no Brasil.
A notícia de que o ministro foi afastado das tratativas sobre o evento parece estar preocupando os dirigentes da entidade.
Segundo o Estado de S.Paulo, a presidente Dilma Rousseff vai assumir pessoalmente, com a ajuda da ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, o planejamento do Mundial e as negociações em torno da Lei Geral da Copa.
Como se sabe, há uma série de divergências entre o governo e a Fifa sobre questões como o direito a meia entrada para estudantes e aposentados.
A presidente havia declarado, durante sua recente viagem à África, que não pretende suprimir da legislação os benefícios referentes ao acesso a todo tipo de espetáculo para criar exceções de interesse da Fifa.
Com o agravamento do estado de saúde do presidente da CBF, Ricardo Teixeira, esse personagem polêmico saiu temporariamente de cena, mas ele continua sendo um ponto obscuro nesse imbroglio.
A imprensa observa que a queda de braço poderá chegar à cerimônia de anúncio do calendário da Copa do Mundo, marcada para quinta-feira (20) em Zurique, na Suíça.
O Estadão relata que, durante o primeiro encontro oficial realizado no escritório da Fifa para encaminhar a organização do Mundial de 2014, dirigentes da entidade criticaram o governo brasileiro pela demora em “adaptar” a legislação nacional para receber a Copa.
De modo geral, a imprensa reproduz as declarações de parte a parte mas não analisa o problema central: uma entidade civil privada, como é a Fifa, pode impor restrições a direitos nacionais, como condicionante para a realização de um torneio?
A Constituição brasileira permite a suspensão de direitos, por irrelevantes que sejam considerados, em função de interesses privados?
Se houver um impasse, de que lado vai ficar a imprensa?