Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Informação deve ter preço

O bom jornalismo precisa de boas notícias. Parece o óbvio, mas não é. Existe uma corrente empresarial que defende o jornalismo como entretenimento, espetáculo. Então, o conteúdo não é o mais importante, mas a forma com que se apresenta. Tempo das imagens: contar que a polícia prendeu um ladrão é uma coisa, mostrar a polícia perseguindo-o de carro na ruas é outra. A perseguição é a ‘notícia’, isto é, o espetáculo.

Outra coisa, e aí vamos chegando ao tema deste artigo, a informação, mesmo sendo espetáculo, tem preço. E custa caro. Quanto custa o segundo publicitário nos jornais de maior audiência? Quanto custa o espaço mais lido nos jornais mais lidos? Não é pouco.

Que se pague

Agora, vamos imaginar um caso. O navio afunda no mar com 200 pessoas e apenas uma escapa. Um náufrago tem a informação e a entrega à imprensa. Será matéria nos principais jornais. Os jornais vão vender mais, os anunciantes da TV vão ficar satisfeitos porque a audiência será maior. Todo mundo ganha. E o náufrago? Quanto ele ganhou neste comércio da notícia? Nada? Ora, eis aqui a proposta: os informantes devem ser pagos pela informação. Se os jornais vão ganhar mais dinheiro, as rádios vão faturar, os boletins na internet vão ser procurados, as TVs vão lucrar mais, por que não pagar a quem foi responsável por isso?

Sim, é chegada a hora de o capital encarar a verdade. Se ele fez da informação um produto, então que pague pela matéria-prima. Cadê a tabela? Não é difícil imaginar uma. Talvez considerar preços equivalentes aos segundos na TV e aos espaços nos jornais impressos ou eletrônicos… Ou, com base no tempo disponibilizado ao veículo pelo entrevistado. Mas que se pague.

A matéria-prima jornalística está, muitas vezes, nas periferias das cidades, em espaços marginalizados, onde mora gente de poucos recursos. A televisão mostra o lugar, entrevista moradores, bota no ar conforme seus interesses (a edição é sujeita a normas de cada emissora), dá audiência, fatura mais… e a comunidade nada ganha com isso. Pois que se pague.

O ensino da dignidade

Talvez para um jornalismo sem este teor sensacionalista e de fundo mercadológico se mantenham as regras antigas. Mas o que predomina hoje é o jornalismo-espetáculo. E ele explora a miséria alheia. Um dia desses uma emissora de TV de Brasília, no jornal local, resolver fazer matéria sobre os males da fumaça do fogão a lenha sobre as pessoas. Pois conseguiu localizar uma mulher, pobre, que vivia com dois filhos num barraco caindo aos pedaços. E a sorridente repórter perguntou: ‘A senhora sabia que esta fumaça contém gases tóxicos que podem causar até câncer?’ Que se pague a mulher por este constrangimento, e pelo ridículo da matéria, inclusive.

Não. Cobrar pela entrevista não vai ensinar ao repórter o que é dignidade. O ensino de dignidade vem de sua sensibilidade ou não para o que ocorre à sua volta. Por exemplo, um dia desses li de um velho repórter que cobre polícia, que o caso da Escola Base de São Paulo – quando a imprensa grossa e violenta liquidou com uma escola infantil devido a uma denúncia falsa – ensinou exatamente isso: a lidar com respeito às pessoas, não fazer pré-julgamentos, jamais condenar alguém, pois isso é papel da justiça.

Só aparece se pagar

O pagamento por entrevista ainda não avançou no mundo porque a imprensa apresenta isso como uma aberração, uma coisa antiética. No entanto, se vivemos num sistema capitalista, nada mais lógico do que cobrar por um produto (a informação) que a empresa (de comunicação) vai processar e revender como um produto.

A TV tem um jeito singular de abordar a informação quando se trata do setor empresarial. Por exemplo, se a política de governo faz determinado setor crescer, o empresário dá a entrevista, mas a emissora faz malabarismos para não mostrar qual a sua empresa. Existe a desculpa de que assim o jornalismo não se confunde com publicidade. Bobagem. Enrolação. Muita coisa a imprensa vende como notícia, quando é publicidade. Esta enrolação ela já pratica diariamente.

Na verdade há uma sonegação de informação ao telespectador: a primeira pergunta de quem assiste é, ‘Qual é a empresa desse cara?’ A legenda mostra o nome do cara e a profissão – ‘empresário’ –, como se fosse de alguma instituição extraterrestre. Em contrapartida, se a empresa ou empresário comete um crime, imediatamente a empresa e o empresário são citados na reportagem. Em resumo: a TV só mostra a empresa quando ela paga para aparecer (publicidade) ou quando ela está envolvida num crime. Ou melhor: sua empresa – mesmo fazendo um trabalho decente, honesto e importante para o país – só vai aparecer se pagar.

Coletivas e exclusivas

Tudo isso é muito cruel para os empresários. E eu nem sei como eles se submetem a isso. Talvez pela vaidade de aparecer dois segundos no jornal, mesmo sabendo que sua empresa e seu trabalho serão censurados.

No esporte ocorre algo similar. Como os jogadores e os clubes são financiados pelas empresas, é natural que levem a logomarca nas camisetas, nos bonés, no fundo diante do qual dão a entrevista. Para evitar que a marca apareça, algumas emissoras estão cada vez mais fechando em closes. Em alguns casos, o close é tão radical que a gente só vê o buraco do nariz, ou o olho do entrevistado. Se é assim, se a emissora vai censurar seu patrocinador, por que o atleta não estabelece logo taxas para entrevista? Algo assim: mostrar somente os olhos custa tanto (mais caro), mostrar um plano fechado, normal, com o boné, a camiseta, o custo é tanto (menor).

O correto seria estabelecer regras bem claras sobre o pagamento pelo fornecimento de matéria-prima jornalística. Por exemplo, o primeiro escalão do governo, cobraria uma taxa elevada para falar ao setor empresarial da comunicação e com dois preços: um para coletivas, outro para exclusivas. De uma forma geral, as autoridades públicas, estas pessoas obrigadas a prestarem contas de suas atividades, deveriam ir regularmente às emissoras estatais, mas sem cobrar por isso. Do mesmo modo, não se cobraria por entrevista dada às emissoras educativas e às comunitárias, rádios e televisões. Na verdade, uma lei proibiria todos (autoridades e cidadãos comuns) de cobrarem por dar entrevista a estas emissoras.

Em nome do mercado

O problema é o capital. E é preciso se precaver com relação a isso. Por exemplo, se for adotada a regra da cobrança pela entrevista, não espantaria se rapidamente as empresas de comunicação mais poderosas fizessem contrato de exclusividade com determinadas pessoas e comunidades. E assim, aquela comunidade onde a violência é muito grande, ou aquela outra onde uma doença rara está aniquilando as pessoas, ou aquela onde os jovens estudam música clássica (TV adora mostrar pobre aprendendo música erudita como exemplo de avanço na escala social)… só pode falar para a tal TV. Exagero? Nada. Hoje, um grupo é dono da grande diversão do brasileiro: detém a exclusividade na exibição do carnaval carioca e paulistano, os principais torneios de futebol nacionais, os campeonatos regionais e a Copa do Mundo.

Pois bem, fica lançado o desafio: que os entrevistados cobrem pelas entrevistas. Se o mercado é o mercado, as empresas são mercado, a política é mercado, que a informação, enquanto matéria-prima do jornalismo, seja tratado como produto de mercado e, portanto, que se pague por ela. Em nome do mercado, levanto esta bandeira e conto com as entidades empresariais da comunicação para defendê-la contra os comunistas, socialistas e nacionalistas que erguerão barreiras contra esta modernidade.

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Jornalista, autor do livro Trilha apaixonada das rádios comunitárias e diretor do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do DF