Um seminário, realizado quinta-feira, 23 de fevereiro, no auditório da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo, apresentou a executivos, consultores e empresários uma versão preliminar das futuras diretrizes internacionais para a elaboração de relatórios de sustentabilidade. O interesse da imprensa em geral foi quase nulo. Entre outras raras manifestações, a colunista Sonia Racy, do Estado de S. Paulo, fez um registro correto, comentando que o novo cenário do mundo dos negócios está tornando cada vez mais caro o capital para empreendimentos que não respeitam o meio ambiente, os direitos trabalhistas e os interesses da sociedade.
Nada grave, uma vez que a agenda dos jornalistas brasileiros, principalmente nos temas de economia e negócios, se complica progressivamente na medida em que o país se consolida como protagonista relevante no mercado global. Mas do episódio pode-se sacar uma observação valiosa para os estrategistas da imprensa: qual a utilidade real das notícias que selecionamos no dia-a-dia, entre os fatos de política, economia e negócios? Será que estamos usando a motivação correta para essas escolhas?
Para os participantes do seminário, profissionais habituados a lidar com o complexo jogo das informações que definem o valor de empresas e produtos, é fato concreto que a correção dos dados sobre desempenho financeiro, associada à comunicação transparente de riscos e oportunidades presentes no negócio, não deve ocorrer simplesmente como desejo de correção por parte de gestores esclarecidos. Sabem esses profissionais que a informação se transformou em ativo imprescindível para a definição de estratégias e, como conseqüência, para melhorar as chances de permanência do empreendimento.
Balanços maquiados, declarações fantasiosas sobre intenções de investimento e relatórios sociais que fariam inveja a madre Teresa de Calcutá são tão facilmente desmascarados pelos analistas que chegam a causar constrangimento em quem os lê. Empresas respeitáveis ainda caem no conto do relatório bonitinho, cheio de imagens de mico-leão-dourado e cenas de creche com criancinhas negras, asiáticas e louras usando o aventalzinho enfeitado pelo logotipo da organização. O jornalista Pedro Cadina é autor de um ensaio criterioso – que esperamos ver publicado em breve – no qual analisa as informações liberadas por empresas, e assumidas pela imprensa, e alerta para o risco de seleções tendenciosas entre o que se quer revelar e o que se tenta ocultar da opinião pública. O noticiário sobre negócios, infelizmente, ainda tem como heróis os fazedores de grandes lucros, em detrimento daqueles administradores que buscam resultados mais sustentáveis a longo prazo.
Comunistas disfarçados
Na política ocorre o mesmo. A imprensa mistura política com políticas públicas, ou melhor, coloca no mesmo saco a dinâmica das relações políticas e os processos de constituição e evolução das políticas públicas. E basta o olho nu para se constatar que, na disputa pelas manchetes, ganha sempre a política, expressa nas declarações de opinião ou de intenção, no confronto com o fato relacionado à estratégia e às ações de governo. Não apenas neste governo, mas em todos os governos recentes nos últimos 20 anos, o declaracionismo tem predominado sobre o fato, assim como as intenções se sobrepõem aos atos administrativos reais que fazem andar o mundo dos negócios. Por essa razão a imprensa pareceu escandalizada quando o atual presidente disse que os homens públicos fazem campanha o tempo todo. Pelo mesmo motivo, armou-se um circo quando o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, irritado com a pergunta de um repórter motivada por um artigo publicado na Folha de S. Paulo, recomendou que esquecêssemos o que havia escrito como sociólogo.
Afora a maldade de seus inimigos, segundo a qual lhe falou completar – ‘esqueçam, porque eu já esqueci’ –, o que o ex-presidente expressou naquela ocasião foi a constatação de que a imprensa estava misturando alhos com bagulhos, política com políticas públicas, teoria e vida real, especulação intelectual com administração.
Dessa deficiência talvez se possa retirar uma explicação para certas incompatibilidades que notamos no noticiário e nos editoriais, quando ficamos balançando entre celebrar os anunciados sucessos da economia nacional e condenar o crescimento do lucro das instituições financeiras. Ou seja, vemos indicadores otimistas, mas somos levados a entender que o governo está entregando o ouro aos banqueiros. Aconteceu o mesmo no governo anterior, quando o bombardeio ao Proer, programa concebido para dar mais vigor ao sistema financeiro, impediu a opinião pública de entender a relação entre bancos saudáveis e crescimento da economia, e nos privou de discutir se cabe ou não ao Estado privilegiar o setor financeiro vis-a-vis os demais setores da economia. Se ficarmos um pouco distraídos, esse ambiente de desinformação ainda nos leva a acreditar que a conservadora imprensa brasileira é contra o lucro, e que os donos dos jornais são comunistas disfarçados.
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Jornalista