Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

A intelectualidade sob pressão

A tentativa de aniquilar o Ministério da Cultura, os expurgos na Empresa Brasil de Comunicação e as intervenções do governo interino em órgãos científicos são reflexos administrativos de um fenômeno mais amplo. Seja por ações judiciais, seja em textos na mídia tradicional e na internet, multiplicam-se investidas cerceadoras ou difamatórias contra acadêmicos, artistas e jornalistas considerados “de esquerda”.

O problema não tem nada a ver com os méritos da isenção fiscal à Cultura e outras pautas oportunistas. Argumentos grotescos do tipo “mamar nas tetas do Estado” servem apenas para destilar o pseudoliberalismo de botequim que embala o orgulho reacionário. Na época da Guerra Fria falava-se em estar “a soldo de Moscou”.

A fobia anti-intelectual é velha como o fascismo. Ela nasce na aversão à criatividade e ao espírito crítico, valores provocativos e libertários por natureza. A arte, o humor e a análise ofendem o autoritarismo porque atuam em esferas nas quais a força coercitiva, econômica ou física, não possui eficácia total.

E existe o perigo da visibilidade. Uma pessoa famosa denunciando o golpe diante da imprensa mundial destrói meses de propaganda partidária do jornalismo brasileiro. Não há manipulação que sobreviva ao apelo emocional de um ídolo gestado no próprio sistema de legitimação do veículo manipulador.

O veneno contra o antídoto

Daí o esforço de neutralizar essas personalidades com ilações sobre o uso de recursos estatais ou afinidades partidárias. A exigência de uma isenção impossível, desprezada em todos os campos de estudo, serve para desautorizar justamente as pessoas que combatem a mentira do apartidarismo no Judiciário e na imprensa. Maliciosa inversão: usa-se o veneno para destruir seu antídoto.

O espírito vingativo e intolerante fornece um amálgama ideológico para as diversas facções institucionais envolvidas no impeachment de Dilma Rousseff. Mas seria ingênuo ver aí apenas um subproduto espontâneo do antipetismo histérico. O fenômeno ganhou tamanha ressonância que pode se transformar em instrumento coercitivo.

Os ataques a intelectuais visam impedi-los de participar na construção das narrativas históricas sobre este momento do país. Silenciando as versões antagônicas, a direita pretende institucionalizar sua memória salvacionista, usando o discurso homogêneo do noticiário como legado de uma falsa unanimidade em torno das disputas políticas.

E é exatamente porque a moda obscurantista vincula-se a um projeto de poder que os intelectuais não podem cair na armadilha da despolitização legitimadora. Quanto mais agressivos forem os adeptos do discurso único, maior o estímulo para combatê-los com a afronta da resistência militante.

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Guilherme Scalzilli é historiador e escrito, mestre em Divulgação Científica e Cultural.