Meio que por acaso, os Estados Unidos e o ocidente começam a vislumbrar uma luz no fim do túnel para o impasse egípcio. E ela atende pelo nome de Wael Ghonim, o jovem executivo do Google responsável pela área de marketing da empresa no norte da África e Oriente Médio. Se ainda há muitos temores quanto à liderança que vai emergir após este processo, o rapaz preenche todos os requisitos demandados por Washington e seus aliados. É claro que por ora é cedo para afirmar a centralidade de Ghonim no Egito pós-Mubarak, mas sua popularidade é real e coerente com este novo tempo.
Se o efeito cascata dos protestos fluiu por conta da liberdade intrínseca ao território virtual – potencializada pelas transmissões das manifestações na Tunísia –, nada mais natural que o líder adorado pelas massas seja fruto deste ambiente. Agora se sabe que Ghonim é o administrador por trás da página de Facebook em homenagem a Khalid Said, jovem egípcio morto pela polícia do país na cidade de Alexandria, em junho do ano passado.
Após 12 dias preso, Ghonim foi libertado e se transformou em fenômeno popular. Ou melhor, acabou por se concretizar nesta posição no meio real. Aclamado por milhares de pessoas na Praça Tahrir, simplesmente consumou o fato já existente no mundo virtual. E aí os protestos do Egito passam para a história como evento vanguardista devido à introdução de muitos elementos novos; inspirado pela TV, organizado pela internet e, finalmente, coroando na prática um rei até então restrito ao universo das redes sociais. Esta sequência de acontecimentos não pode ser ignorada.
Não é brincadeira
A revolta popular é também jovem. E os jovens deste mundo e deste tempo usam suas próprias ferramentas de comunicação – e a política não poderia ficar de fora disso. O Egito é, hoje, o primeiro palco mundial a aclamar um herói virtual. Se até há bem pouco tempo o Oriente Médio estava habituado a figuras autoritárias que, após ascensão ao poder, passam a controlar o acesso aos meios de comunicação, a juventude egípcia inverteu esta lógica. Ela deixa claro que a internet, em particular, não é apêndice de um movimento político, mas ambiente central da transformação viva do país.
A ‘eleição’ involuntária de Ghonim ao posto central desse processo é também uma extensão das reivindicações virtuais contra a velha ordem política. No lugar dos muitos representantes de distintos movimentos já atuantes na vida do país, um jovem profissional sem qualquer vínculo partidário.
Ghonim é a personificação da mensagem de rompimento protagonizada pelos manifestantes. E ele pareceu entender isso muito bem ao afirmar em entrevista ao canal privado Dream TV que os verdadeiros mártires estão acampados na Praça Tahrir. Mal comparando, como no filme A Vida de Brian (1979), a postura anti-heroica acaba por, involuntariamente, seduzir a multidão.
O processo de retroalimentação entre manifestantes, redes sociais e Wael Ghonim continua. Uma página do Facebook nomeando-o líder dos protestos alcançou a marca de 200 mil membros. E, como se sabe agora, nada disso se trata somente de uma grande brincadeira. Se o meio já foi encarado como trivial, os acontecimentos no Egito ensinam que é preciso rever conceitos. A mensagem é muito séria.
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Jornalista