A TV Globo não poderia encerrar as duas semanas prefaciadoras da Copa do Mundo de forma mais exemplar do que a encenação protagonizada por Zagallo na edição de segunda (12/6) do Jornal Nacional.
Grande parte da população televisiva certamente chorou com o veterano jogador-treinador quando tirou do bolso a imagem de Santo Antônio e abriu o berreiro. Outra parte, infelizmente a menor, achou o espetáculo ridículo. Ou, na melhor das hipóteses, deprimente.
Enquanto The Economist afirma em editorial que a única superpotência futebolística mundial é o Brasil, preferimos capitular à superstição – que está mais para ópio do povo do que para religião.
Futebol se ganha no gramado, com talento, garra, táticas, preparo físico e psicológico. Devoção ou fé são energias íntimas, secretas. Quando escancaradas ao longo dos longos segundos como aconteceu no Jornal Nacional, funcionam ao revés, estiolam-se, perdem-se no espaço.
Culto aos presságios
Em 1998, a mesma TV Globo e o mesmo repórter, na mesma Europa brincaram com o hino nacional, agora divertem-se com a espiritualidade. Em três semanas de Alemanha aprenderam a pronunciar com alguma correção o nome da localidade ‘Kênigshtain’ (Königstein), mas não conseguiram alcançar o sentido de uma palavra mais curta e mais simples – Geist, espírito.
Não entenderam a cultura alheia e avacalharam a nossa. Aquela entrevista foi gravada, portanto podia ser editada não apenas para poupar Zagallo, mas para evitar que as multidões de Simpsons nacionais ficassem mais Simpsons.
Trinidad-Tobago, Costa do Marfim, Gana, Togo, Angola ou Costa Rica são igualmente países ‘em desenvolvimento’, pobres, incultos; o Irã é uma teocracia medieval; mas em nenhuma dessas comunidades ocorreria um culto aberto aos presságios como o da segunda-feira à noite, numa das redes de televisão mais importantes do mundo. Os evangélicos da Record seriam mais reservados.
Vexame da véspera
De cada 100 palavras impressas ou transmitidas nessas duas semanas, 90 eram perfeitamente descartáveis. Senso crítico trancado nas malas dos enviados especiais e nas gavetas das redações, imperou a babaquice – pujante, irrefreável, total.
Quando os jornalistas começaram a entrevistar os jornalistas por absoluta falta de assunto e de padrões de exigência mais rigorosos, ficou claro que o jornalismo esportivo brasileiro não merecia este vexame na véspera de sua hora estelar.
Enfim, o futebol. Mais um dia de abobrinhas & moranguinhos e os contratos de publicidade seriam sumariamente revogados.