A Fifa esperava uma audiência de 700 milhões, mas calcula que a final Espanha x Holanda teria sido assistida por cerca de 1 bilhão de telespectadores, um sexto da população mundial.
O maior espetáculo sobre a terra é uma façanha desportiva ou midiática?
Uma partida menos ou mais aguerrida não alteraria o número de assistentes. Final de Copa é final de Copa, não importa a imagem do técnico, a escalação, o esquema tático, a retranca, a posse de bola, as finalizações a gol, o número de cartões, escanteios etc. Mas se os times fossem outros – EUA x China, por exemplo – este bilhão poderia ser facilmente acrescido de algumas centenas de milhões. Graças à telona da TV e não à telinha da web, independente da garra ou talento dos jogadores.
Descuido, rotina
Este observador jamais esqueceu o 6 a 5 sobre Polônia em 1938, com três gols de Leônidas da Silva (um deles descalço), narrado por Gagliano Netto, da Rádio Clube do Brasil – a primeira transmissão internacional do rádio brasileiro. Jogo sensacional aliado a uma nova tecnologia de transmissão, as demais partidas caíram no esquecimento. A imagem do receptor Phillips com o seu ‘olho mágico’ verde juntou-se para sempre às radiofotos publicadas no dia seguinte em O Jornal, do Rio.
Para muitos americanos a Segunda Guerra Mundial confunde-se com a banda sonora do jornal cinematográfico Fox Movietone, para outros a Guerra do Vietnã associa-se ao noticiário de TV na hora do jantar. A mensagem é o meio que a transmite. O que nos permite dizer que a história dos Mundiais de Futebol é também a história dos meios de comunicação. Poucos têm o discernimento para entendê-los, raros são os que sabem tirar proveito disso.
Causa espanto o comportamento descuidado, sem inspiração, rotineiro, dos grandes grupos de comunicação quando começam a discutir a cobertura da Copa seguinte. O empenho resume-se à exclusividade de retransmissão, o resto é o resto. Resultado: mesmice, repetição.
Carga penosa
Qual foi a grande novidade introduzida na cobertura das últimas duas ou três Copas? A internet – ou pelo menos a internet brasileira – não conta, ela oferece ferramentas, facilita o trabalho de quem trabalha, finge que introduz novidades na esfera da interatividade, mas não influi decisivamente no teor ou qualidade da cobertura.
O fato de um twiteiro mandar um pergunta lá do meio da floresta amazônica para o comentarista ou narrador tiritando de frio num estádio na África do Sul não chega a constituir um efetivo avanço jornalístico. As atrações oferecidas aos leitores nesta Copa foram exatamente as mesmas das Copas anteriores, geralmente na linha da velha Rádio Nacional e seus programas de auditório.
O leitor hoje quer mais e melhores informações, quer contextos, quer o jogo e muito além do jogo. Quer situar-se no mundo e não apenas no que ocorre no gramado – ou melhor, quer o gramado no mundo. Como disse Paulo Roberto Falcão, o Rei de Roma e hoje comentarista da Globo: com a ajuda das novas tecnologias é possível analisar razoavelmente uma partida de futebol a 15 mil quilômetros de distância. Sem os desgastes dos deslocamentos de uma cidade para a outra e, sobretudo, sem a penosa carga de tarefas suplementares que recai sobre os privilegiados que foram escalados para a cobertura (blogs em qualquer hora, twitter, flashes para rádio e TV etc., etc.).
Boa razão
Aquilo que a empresa jornalística brasileira chama de ‘desempenho multimídia’ é um sistema falsamente meritocrata (na realidade escravocrata) no qual alguns ganham muito bem, em compensação são sugados até a medula dos ossos e impedidos de usufruir do sublime prazer de esmerar-se na apuração e na escrita.
O resultado é aquilo que os espanhóis designam como espejismo, espelhamento: você abre o caderno da Copa de 2010 e parece que está lendo o de 2006 ou 2002.
Esta Copa foi fascinante – inclusive para os brasileiros – como todas foram e como todas serão. Mas a cobertura foi quadrada, pífia, não acendeu fogueiras, só foguinhos.
Razões? Uma: os donos do espetáculo – a Fifa, seus prepostos e parceiros na mídia – gostam de outras coisas.