O período eleitoral costuma ser emblemático – a natureza do jogo político tem muito de ‘simulante’ e ‘dissimulante’, em campanhas marcadas por estratégias marqueteiras e embates discursivos no campo midiático, que não é menos significativo e revelador das escolhas (nem sempre claras e explicitadas) dos meios de comunicação.
Talvez esse não-explicitamento da orientação política de tais veículos represente – se não é forçoso imaginar – o recorte jornalístico, a escolha das pautas de tais veículos – e seja responsável, por exemplo, pelo destaque dado no Jornal Nacional nos dias 24, 25 e 26/10 à mudança na forma de se vender (antes por unidade, agora por quilo) o pão francês – mudança que representou, segundo as informações, um aumento no preço do produto.
É de se conjeturar que às vésperas do segundo turno presidencial se produzam matérias como a referida – o que não chega a ser exclusividade ‘global’. Quem as assistiu, no entanto, talvez tenha tido a impressão de que se queria dizer mais do que realmente se disse – algo como um recado dissimulado, ainda mais num contexto corroborado por matérias na mesma linha editorial (sobre os problemas com o gás boliviano, a alta dos preços dos produtos da cesta básica etc.). A esta altura talvez não caibam suposições manipulatórias, mas a um (e)leitor mais atento também não passam despercebidas tais sutilezas da configuração do discurso jornalístico.
O homem privado
Ao que parece apela-se (uma vez mais) para o medo – terreno do imaginário social, sempre propício a semeaduras dessa natureza quando se deseja criar um clima de tensão ou instabilidade político-econômica.
Todavia é sintomático de um jornalismo que se tem praticado atualmente, com reportagens aparentemente ingênuas (como no caso dos pãezinhos) ou similares, de pouco aprofundamento. Distribui-se, dessa forma, a ração diária de notícias, num fluxo contínuo e acachapante (embora muitas vezes com caráter de amenidades) mas nada inocente.
Não se pode discordar nesse ponto de Anatol Rosenfeld (pensador, ensaísta, crítico de literatura e de teatro, conferencista, intelectual europeu que adotou a terra brasileira e produziu vasto conhecimento cultural) quando diz que ‘a constante inundação das consciências com atualidade priva o homem moderno de toda memória e conseqüentemente de todo verdadeiro juízo’ [Texto/Contexto II – A crise da democracia, p.212]. Vende-se, afinal, o pãozinho (midiático) a um preço bastante alto e indigesto.
******
Funcionário público, Jaú, SP