Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

João Goulart e a imprensa

Estamos no ano de 1961. João Goulart assume a presidência após a renúncia de Jânio Quadros. Jango não é bem aceito pelos militares e por núcleos da imprensa. O ápice das críticas foi quando concedeu a Che Guevara a medalha da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul. Três veículos de comunicação, O Globo, o Jornal do Brasil e O Jornal, uniram-se contra o governo de Jango, acusando suas propostas políticas de comunistas. Além disso, publicavam denúncias contra o governo, além de manipularem a opinião pública.

De acordo com o professor Aloysio Castelo de Carvalho, doutor em História Social e autor do livro A Rede de Democracia: O Globo, o Jornal e o Jornal do Brasil na queda do governo Goulart (1961-64), ‘a Rede da Democracia era um programa radiofônico que criticava as concepções nacionalistas e reformistas, bem como as decisões do governo Goulart. A Rede da Democracia reagiu às forças que incentivavam a maior participação popular na vida política e, sobretudo, amadureceu mudanças que deveriam ser efetivadas na natureza do regime democrático’.

‘O governo não era comunista’

O que foi a Rede da Democracia?

Aloysio Castelo de Carvalho – A Rede da Democracia foi idealizada por João Calmon, deputado do Partido Social Democrático (PSD) e vice-presidente dos Diários Associados. Criada no Rio de Janeiro em outubro de 1963, era um programa radiofônico comandado pelas rádios Tupi, Globo e Jornal do Brasil. Ia ao ar quase todos os dias e repercutia pelo país através de outras centenas de emissoras afiliadas. Os pronunciamentos difundidos pelas emissoras eram posteriormente publicados nos respectivos jornais: O Globo, Jornal do Brasil e, sobretudo, O Jornal. Era um vasto sistema de comunicação organizado por todo o país e comprometido com a propaganda política anticomunista. A Rede sinalizou, no campo discursivo, a existência de uma coalizão conservadora, disposta a lutar pela preservação da ordem social dominante e conter as investidas do Executivo contra os princípios que regem a propriedade privada.

De fato, podemos definir o governo de Jango como comunista?

A.C.C. – Não. O governo não era comunista, era trabalhista embora tivesse apoio de diversos setores da esquerda. Defendia as reformas de base, especialmente a reforma agrária.

‘A imprensa deve ser livre e ter autonomia’

Pode-se afirmar que estes veículos estavam em conluio com os militares?

A.C.C. – No plano discursivo, é possível essa afirmação. As matérias publicadas pelos jornais sobre a Rede da Democracia são uma evidência de que os jornais pediam a intervenção das Forças Armadas no governo.

O livro narra o período entre 1961 a 64. Seguindo um pouco adiante, percebe-se nos textos de Assis Chateuabriand a mudança, rapidamente, no conceito do jornalista com os militares. Em pouco tempo, Chatô do elogio à Castelo Branco vai às ofensas. Já em 68, ocorre a censura total aos veículos. O que ocorreu para estremecer essa relação destes veículos com os militares?

A.C.C. – Assim como Chateaubriand, outros setores da sociedade se tornaram oposição à continuidade do regime militar. Acreditavam que a tomada do poder pelos militares não deveria se estender no tempo.

Muito se fala, do ponto de vista ideológico, que o jornal O Globo era o porta-voz do regime militar. Trata-se de uma lenda ou de uma constatação?

A.C.C. – Não diria que O Globo era porta-voz do regime. Mas foi um dos jornais que mais legitimou a continuidade dos militares no poder, mesmo quando teve início a liberalização em 1974.

O senhor acha saudável para a democracia que imprensa e governo caminhem lado a lado?

A.C.C. – Não. É fundamental para a democracia que a imprensa deva ser livre e ter autonomia em relação ao governo para criticá-lo sem medo de ameaças. Mas pode também apoiar projetos do governo que promovam melhorias na sociedade.

Comentário

Segue um comentário sobre a matéria do dia da criação da Rede da Democracia, que focou os pronunciamentos de João Calmon, Roberto Marinho e Nascimento Brito.

A criação da Rede da Democracia significou uma aproximação entre as linhas editoriais de O Jornal, O Globo e Jornal do Brasil, voltados para a articulação de uma comunicação oposicionista que conferia funções políticas à imprensa, num ambiente em que os militares estavam sendo chamados a intervir no Estado. Os discursos apresentados pelos seus proprietários e representantes, no dia da inauguração, em 25 de outubro 1963, deixam claro que o eixo central se deu em torno do combate ao comunismo, considerada uma ideologia totalitária que visava à desestruturação do regime representativo, com o fim dos mecanismos jurídicos que garantiam os direitos individuais, em especial os relacionados à liberdade e à propriedade. O termo ‘comunismo’ apareceu associado à revolução, em contraposição à ideia reformista aceita pelos jornais, que percebiam no governo omissão no combate a essa ideologia, colocando-se, desse modo, em confronto com a legalidade constitucional e com os tradicionais valores de liberdade da sociedade brasileira. De fato, Nascimento Brito prognosticou que forças políticas tentariam obter ‘o consentimento popular para fazerem do Brasil a experiência infeliz que o nazismo, o fascismo e o comunismo impuseram a outros povos’. Nessa linha discursiva, também se expressou Roberto Marinho, para quem os brasileiros estavam sendo ‘vítimas de uma deformação, intencional por parte de uma minoria de demagogos e de comunistas empenhados em envenenar as nossas relações com os países do mundo ocidental’. E João Calmon, representando Assis Chateaubriand, proprietário dos Diários Associados, viu no rádio o instrumento político contra o comunismo para ganhar ‘a batalha da propaganda, que é o episódio mais importante da Guerra Fria’.

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Jornalista, Rio de Janeiro, RJ