‘O caso de camionistas portugueses não é o caso dos camionistas portugueses.
Com base num estudo da Faculdade de Motricidade Humana, abrangendo 78 motoristas, a jornalista Sofia Rodrigues escreveu, em 19 de Abril, uma notícia que começa assim: ‘ a maioria dos camionistas portugueses trabalha, em média, 10 horas por dia, cinco a seis das quais são passadas a conduzir. Alguns admitem cumprir 18 a 19 horas de jornada. Reconhecem descansar pouco e expressam sinais de fadiga e ‘stress’. Grande parte consome café, associado ou não a álcool e tabaco’.
Em e-mail dirigido a esta coluna, José Domingos Carvalhais – um dos autores do estudo – diz que a informação contida naquele parágrafo ‘é falsa quando generalizada à maioria dos camionistas portugueses. Ela é verdadeira apenas no contexto dos 78 motoristas entrevistados’ no estudo.
José Domingos Carvalhais acrescenta que ‘dependendo do tipo de transporte (curta, média ou longa distância) os valores serão diferentes para os milhares de motoristas portugueses e, em muitos casos, talvez os valores até sejam superiores’.
Embora argumente que a notícia situa, devidamente, as circunstâncias e o âmbito do estudo (78 motoristas) e note que ‘os próprios autores reconhecem no relatório que a realidade pode ser mais surpreendente no que diz respeito ao número de horas de trabalho’, a jornalista reconhece: ‘o texto ficaria mais preciso se no ‘lead’ tivesse escrito ‘a maioria dos camionistas portugueses inquiridos num estudo’, em vez do que foi publicado’.
Para justificar a sua escolha, Sofia Rodrigues alega que ‘quando um jornalista é confrontado com um estudo ou uma sondagem tende a generalizar os seus resultados para a realidade do país’.
A verdade é que não é rigoroso atribuir dimensão total àquilo que é apenas parcial. A menos que essa parcela represente o necessário para uma amostragem científica do todo, o que não é o caso.
Dito isto, pode-se perguntar para que serve um estudo sobre 78 camionistas se dele nada se puder extrapolar para o universo geral, ou: em que medida é que se pode extrapolar e o quê? Portanto, perguntar se é correcto generalizar, antes de ceder à tentação de o fazer.
Ora estas perguntas justificariam um contacto da jornalista com os autores do estudo (o que José D. Carvalhais lamenta não ter sido feito e Sofia Rodrigues responde não caber na opção editorial que fez), de modo a poder procurar respostas mais rigorosas.
Não sendo exacto, o que foi publicado deveria ter sido objecto de uma rectificação no jornal.
O caso da notícia onde o leitor viu a opinião do jornalista.
A Isabel Braga coube reportar o comício-festa que assinalou o 83º aniversário do PCP. O texto esgota-se no relato do discurso de Carlos Carvalhas, secretário-geral do partido. À excepção do último período, onde se lê que a comemoração decorreu em ‘ambiente caloroso mas deixou a nu uma verdade amarga: o partido está reduzido a realizar comícios de aniversário, em Lisboa, na mesma sala onde o Bloco de Esquerda faz os seus’.
Foi este excerto da prosa de Isabel Braga que o leitor João Pereira visou, em e-mail dirigido ao provedor: ‘da leitura do texto não consigo inferir como a jornalista retira esta conclusão’. E pergunta: ‘não será que a jornalista devia partilhar com os leitores as razões que a levam àquela conclusão?’ O leitor lembra a ‘Festa do Avante que pelos vistos mais nenhum partido consegue organizar’ e considera que Isabel Braga ‘não primou pela independência’.
Certamente para prevenir que algum pressuposto viesse desvalorizar-lhe a crítica, João Pereira afirma não pertencer ‘à área política comunista’.
À interpelação do leitor, a jornalista responde que escreveu o que observou ‘sem preconceitos, pelo menos conscientes’ e que aquilo que observou foi ‘um comício caloroso, numa Aula Magna cheia’. Acrescenta que entendeu dever ‘situar essa observação’ nas suas ‘memórias dos comícios do PCP em tempos passados, comícios que começaram por encher o Campo Pequeno, que depois foram transferidos para sítios de dimensões mais reduzidas como o Pavilhão Carlos Lopes, que também começou a ser grande demais e foi preciso tapar as bancadas vazias com panos pretos. Agora’ – acrescenta – ‘foi na Aula Magna e lembro-me também de ir lá assistir a um comício do Bloco de Esquerda, que também encheu a sala’. E, questionando-se, face à argumentação do leitor: ‘Será que devo deixar de situar as minhas observações num contexto, fazendo tábua rasa daquilo que observo na minha vida profissional ?’
Duas notas: na notícia, Isabel Braga não informa que a Aula Magna estava cheia; o leitor acha que a comemoração do Bloco de Esquerda decorreu ‘na cantina ( bastante mais pequena ) da Aula Magna’.
Quanto ao fundo da questão: a notícia ocupa-se do discurso de Carlos Carvalhas, não reportando o ambiente do comício. O leitor estranha que um texto daquela natureza culmine com um considerando que ele achou desgarrado e, talvez, opinativo. Provavelmente, o evidente interesse da observação que a jornalista faz não teria sido contestado se incluído num outro tipo de relato onde surgia, naturalmente, justificado. Ou se escrito no contexto de um comentário separado onde Isabel Braga enquadrasse o comício com, por exemplo, os elementos que cita como resultantes daquilo que observou na sua ‘vida profissional’.
O caso da opinião em verso e da opinião inversa.
‘Ora aqui está uma questão para o provedor dos leitores analisar’ – afirma Paulo Gorjão, a terminar o seu curto e-mail constituído por duas perguntas: ‘ A que propósito é que o jornal Público inclui na sua edição de hoje [23 de Abril] um poema de Manuel Alegre sobre o 25 de Abril? Ainda por cima fora da sua secção de opinião?’
As perguntas foram endossadas à editora da secção Nacional: a editoria ‘achou curioso que o poeta Manuel Alegre, personalidade política relevante, histórico militante do PS e vice-presidente da Assembleia da República, tivesse escrito um poema sobre o 25 de Abril em que abertamente contesta o ‘slogan’ escolhido pelo Governo para as comemorações do 25 de Abril, a ‘evolução’. Ana Sá Lopes junta outro argumento: ‘o poema, em si, é uma notícia’ e, portanto, poderia ‘ter relatado ‘Manuel Alegre fez um poema tal e tal…’ ou optar, simplesmente, por publicá-lo na íntegra’. A editora considera ‘perfeitamente natural’ a escolha da segunda alternativa, face às características da coluna de abertura de cada secção do jornal: ‘um espaço maleável, que habitualmente é utilizado para difundir notícias ‘cruas’, mas pode ser utilizado para publicar frases, por exemplo, ou números, pequenos ‘fait-divers’ ou notas de agendas’.
Achar ‘curioso’ é apenas uma razão para considerar publicável. A forma de publicar é que está em apreciação. Um poema, em si, pode ser notícia se for tratado como tal. No fundo, o que o leitor questiona é se um poema deve surgir paginado naquele lugar, sem enquadramento jornalístico e não sinalizado como opinião. É verdade que, sendo opinião (‘mais opinião’ ainda, se considerarmos que é parte de uma polémica em curso), é, no entanto, uma opinião imediatamente ‘localizada’ politicamente, através do nome do autor, conhecida figura partidária.
Por outro lado, a explicitação da natureza ‘livre’ do espaço onde se publicou o poema ‘Abril com ‘R’, não é um argumento irrelevante.
Embora, em rigor, os mais puristas possam, ainda assim, questionar a opção, os menos reduzirão o caso a uma liberdade… poética.’