Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Jornalismo e censura no Oriente Médio

Conheci Gideon Levy há cinco anos em Hebron, onde ambos tínhamos ido pelo mesmo motivo – descobrir por que algumas famílias árabes estavam sendo perturbadas por colonos israelenses. Ele é um jornalista engajado e, em seus artigos, reportagens e colunas expõe suas opiniões – normalmente críticas às autoridades e ao governo – com clareza, honestidade, talento e coragem. Eu gostaria que Gideon me ajudasse a compreender a mais contraditória e fascinante paixão do mundo atual – a sociedade israelense.


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Você acha que apesar de suas opiniões serem em geral contra o atual status quo, ainda assim você pode se expressar livremente, enquanto jornalista, em Israel?


Gideon Levy – Com certeza que sim. Não quero cometer exageros porque o fato de me poder manifestar livremente deveria ser uma questão de princípio. Não deveria ser uma coisa do outro mundo porque nós reivindicamos ser uma democracia. Mas deve se reconhecer que, no que me diz respeito, penso que a liberdade de expressão é total para quase todos os cidadãos judeus. Muitas vezes, costumo explicar, aqui como no exterior, que a minha voz também é importante para mostrar que existem vozes alternativas em Israel. E que, enfim, os israelenses não têm uma voz unívoca, única, e que após toda essa conversa de eu provocar danos a Israel, o que é muito comum no país – o grande inimigo do povo –, esquecem-se de uma coisa: que um dia de bombardeio pesado em Gaza causa muito mais prejuízos do que todos os Gideon Levys juntos. Mas, sim, sinto-me à vontade para escrever e para expressar qualquer coisa que aconteça.


Mídia desumaniza e demoniza os palestinos


Então, você diria que em Israel existe uma total liberdade de expressão e que a mídia reflete diariamente o que se passa, sem qualquer tipo de censura?


G.L. – Nenhum. A mídia é o melhor colaborador. A maioria dos veículos, em Israel, colabora com a ocupação. Não há censura em Israel. Praticamente nenhuma. Há algo que é muito pior que a censura: a autocensura, pois na autocensura nunca há resistência. Se houvesse censura por parte do governo, haveria resistência, mas o que existe é autocensura. Trata-se de uma tirania de opções. A tirania daqueles que querem agradar aos leitores, a tirania de vender jornais e a tirania de não querer importunar os leitores com coisas que eles não querem ler. Muitos jornalistas e muitos jornais em Israel esqueceram, ou nunca souberam, qual é o papel do jornalista. Não é apenas o de agradar aos leitores. Portanto, neste sentido, penso que se um dia um historiador pesquisar os arquivos e ler a mídia israelense, por exemplo, sobre a ocupação como um todo, ele não irá compreender. Ele não irá compreender o que aconteceu aqui porque verá que um cachorro – um cachorro israelense – que foi morto em Cast Lead ocupa matéria da primeira página do jornal mais popular de Israel, enquanto precisamente no mesmo dia a notícia sobre a morte de dezenas de palestinos ocupa duas linhas da página 16. E isso é sistemático: a mídia israelense desumaniza e demoniza os palestinos e ao fazê-lo se transforma no maior colaborador com a ocupação.


‘Dezenas de anos de lavagem cerebral’


Acho que o que você está dizendo não só é válido para Israel como provavelmente para todas as modernas democracias ocidentais – a banalização e trivialização da mídia. Assim como vejo isso acontecer diariamente em Israel, de todas as possíveis maneiras, também o vejo nos Estados Unidos, na França, na Grã-Bretanha e na Espanha. Curiosamente, talvez os países do Terceiro Mundo sejam mais sérios, menos suscetíveis de entreter os leitores, ao invés de oferecer uma descrição objetiva. Mas acho que talvez seja mais crítico no caso de Israel, pois o que está em jogo é muito mais crucial para o futuro. Se a mídia, na Suécia…


G.L. – Uma questão mais genérica…


De um ponto de vista sócio-econômico, Israel significa uma conquista importante. Há 60 anos, não havia nada aqui e agora você tem uma cultura moderna, rica, próspera e que funciona. Apesar das guerras e de todos os problemas sociais, Israel cresceu e se aperfeiçoou de uma forma extraordinária. Integrou pessoas do mundo inteiro numa sociedade complexa e diversificada. Mas a mesma sociedade que produziu esse milagre é incapaz de resolver o problema palestino. Isso é o maior mistério.


G.L. – Tanto talento, tantas conquistas, tanta coragem, eu diria. E, no entanto, quando se trata da religião oficial de Israel – a segurança –, somos todos prisioneiros de uma consciência que na realidade nunca examinamos. Talvez devêssemos começar por aí… Não é mais o caso de construir um Estado, e sim de torná-lo mais justo… Agora, não se trata de existência, mas de justiça. E esse fosso não foi superado. Ainda pensamos estar construindo aqueles bastiões do início do sionismo.


Por que você acha que a sociedade israelense vem evoluindo – ou regredindo, se você preferir, para a direita, enquanto a esquerda vem sistematicamente encolhendo nos últimos 10, 15 anos?


G.L. – Em primeiro lugar, acho que é revelador da solidez que a esquerda tinha anteriormente – da forma como desmoronaria tão facilmente. Portanto, não acho que houvesse muito de esquerda mesmo dez anos atrás. A eleição era muito fácil quando havia o acordo de Oslo, quando existiam todas aquelas promessas românticas. E minha opinião, vejo duas razões para o desmoronamento da esquerda: (1) Ehud Barak conseguiu disseminar a mentira de que não existia um parceiro palestino; e (2) a explosão de ônibus e suicidas em 2002 e 2003.


Terrorismo.


G.L. – Terrorismo. Aniquilou com a esquerda. Em seu primeiro teste concreto, a esquerda falhou completamente.


Entre todos os problemas e desafios que Israel enfrenta atualmente, qual você diria que é o pior, ou o mais difícil de resolver?


G.L. – Mudar a mentalidade das pessoas, fazê-las compreender que os palestinos são seres humanos como nós. Até que isso aconteça, nada irá mudar e isso é o mais difícil porque nós enfrentamos 40, senão 60 ou 100 anos de lavagem cerebral, de desumanização, de demonização. Isso é a coisa mais difícil de fazer.’


Então, uma última pergunta.


G.L. – Sim.


Descreva, por favor, o Israel que você gostaria de ver dentro de 20 anos.


G.L. – (Risos) Eu como primeiro-ministro e você como presidente do Peru, encontrando-nos na Suíça e discutindo literatura. Haveria algo melhor que isso?


Não.


G.L. – Então, vamos em frente.


Vamos nessa.


G.L. – Está combinado.

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Escritor peruano, autor de dúzias de livros, entre os quais El viaje a la ficción, publicado em espanhol em 2009