Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Jornalismo é conhecimento

Carlos Castilho propõe uma ‘pensata’ coletiva em seu texto ‘O jornalismo entre a notícia e o conhecimento‘. Penso que vale, no momento, alinhavar de forma sintética como o jornalismo como conhecimento tem sido pensado por aqueles que se debruçam no tema e mostrar como, ao que parece, temos novidades interessantes ao debate teórico sobre o assunto. Se Castilho tem o mérito de diagnosticar o fato de o jornalismo já estar operando uma transição no que ele chama de ‘função essencial’ rumo ao que caracteriza como ‘contextualização’ e ‘gestão do conhecimento’, vale observar que, nas reflexões teóricas, tal questão já vem se apresentando há alguns anos e parece trazer novidades, conforme este Observatório informa.

A concepção do jornalismo como uma forma de conhecimento aparece formulada já de forma estruturada na década de 1940, num texto que passou vários anos freqüentando algumas antologias da área – inclusive no Brasil –, mas sem ser visto com a importância que a formulação merecia.

O sociólogo americano Robert Ezra Park (1864-1944) escreveu A notícia como uma forma de conhecimento. De acordo com o autor, o jornalismo, por trabalhar com algum método e buscar superar as noções mais banais do senso comum, configuraria-se numa forma de conhecimento e se localizaria, grosso modo, entre o senso comum e o conhecimento científico. Isto é, o jornalismo chegaria a ultrapassar o senso comum; no entanto, não chegaria ao patamar no qual se poderia qualificar como ciência.

Obra de gênio

A rigor, a visão de Park permaneceu sem se constituir em referência significativa nas reflexões sobre o jornalismo até a década de 1980. Por um lado, alguns antropólogos formulam o que viria a ser chamada de teoria do newsmaking, quando em alguma medida concebem o jornalismo como conhecimento – na vertente fenomenológica de Alfred Schutz (1899-1959) que seria sistematizada por Luckmann e Berger no hoje clássico A construção social da realidade.

Não deixa de ser um passo adiante. Neste sentido, tais pesquisas, como observado por vários comentadores, têm o mérito de desideologizar os estudos em comunicação. Segundo eles, seriam a cultura profissional e as rotinas produtivas que determinariam, no geral, os critérios de noticiabilidade.

Mas será um brasileiro genial que irá revirar de ponta-cabeça todos os estudos sobre jornalismo e comunicação e formular ‘uma teoria marxista do jornalismo’, na segunda metade da década de 1980. Adelmo Genro Filho (1951-1988) encontra na obra de Robert Park a formulação de jornalismo como conhecimento que lhe permitirá construir uma originalíssima concepção do jornalismo, fundado sobretudo no pensamento marxista e em especial na obra de Georg Lukács (1885-1971).

Com o risco da imprecisão, podemos afirmar que Genro filho como que ‘fecha’ uma formulação de Lukács que via na ciência uma forma de conhecimento centrada no geral e na arte uma forma de conhecimento centrada no particular. Com uma sacada genial, Adelmo vai lá e afirma: ao centrar o foco nos acontecimentos do cotidiano, o jornalismo seria uma forma de conhecimento centrada no singular. Bingo!

Tanto que é o próprio Adelmo Genro Filho, que iria falecer precocemente pouco depois, quem afirma, no prefácio de seu hoje consagrado O segredo da pirâmide:

‘Trata-se a rigor de um ensaio que pretende fornecer elementos para uma teoria do jornalismo, entendido este como uma forma social de conhecimento, historicamente condicionada pelo desenvolvimento do capitalismo mas com potencialidades que ultrapassam a mera funcionalidade a este modo de produção’ (pág. 14)

Por alguns anos, lamentavelmente a obra de Genro foi solenemente ignorada pelo pensamento acadêmico brasileiro.

No decorrer da última década do século passado, com raras exceções, apenas os pesquisadores de Santa Catarina, onde Genro era professor e foi fundador do curso de Jornalismo da UFSC, trataram de manter aceso o debate sobre sua obra. Será o professor Eduardo Medistsch que, com seu livro O conhecimento do jornalismo, irá se tornar um difusor crítico, mas insistente e persistente, com apoio dos colegas de Santa Catarina e de alguns poucos pesquisadores do Brasil.

Hoje, mesmo com suas obras fora de catálogo, o trabalho de Genro é reconhecido e há um sítio na internet que oferece acesso a praticamente todos os textos que produziu.

Senso crítico

Curiosamente, no momento em que Carlos Castilho propõe uma ‘pensata’ coletiva, a pesquisadora Silvia Moretzsohn acaba de lançar um livro que parece oferecer reflexões que discutem a questão do jornalismo como conhecimento de uma forma não apenas mais atual, como também mais profunda, incorporando todo o pensamento acumulado sobre a questão até agora.

Em seu Pensando contra os fatos, Sylvia irá pensar um jornalismo onde a ultrapassagem do senso comum não seria no rumo do conhecimento científico como na formulação pioneira de Park, mas em direção ao senso crítico. Nesse sentido, ao jornalista não caberia apenas reportar os fatos como eles se apresentam, pois aí eles estariam reproduzindo o que noticiam apenas na sua aparência.

Em síntese, para Sylvia Moretzsohn o caminho do senso comum para o senso crítico passa sobretudo pela capacidade de compreender o fenômeno reportado e apresentá-lo, efetivamente, em sua essência.

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Jornalista, professor da Universidade Federal do Espírito Santo