Em época de debate selvagem sobre a credibilidade e futuro do jornalismo, em torno do qual pelejam visões sobre regulamentações e auto-regulamentações, acaba de ser publicado um mais que valioso estudo, verdadeiro manual de sobrevivência para empresas, jornalistas e para todo cidadão que – por não abrir mão de informação de qualidade – quer compreender o complexo universo da produção da notícia.
O estudo, brasileiro, está composto por quatro livros que contribuem a um debate ainda incipiente no pais. Sim, ‘o estudo mesmo indica que no setor da produção jornalística ainda não foi efetivamente incorporada uma cultura de avaliação de qualidade como já existe em outras áreas, tanto do universo industrial como de comércio e serviços’.
Pesquisas e textos finais foram desenvolvidos pela Rede Nacional de Observatórios de Imprensa (Renoi) em parceria com a Unesco sob o título geral ‘Indicadores da Qualidade da Informação Jornalística’.
Foram inspirados por outra publicação, de 2008, da mesma Unesco – ‘Indicadores de Desenvolvimento da Mídia’. Tais indicadores já propunham cinco categorias para a análise do desenvolvimento da mídia em todo o mundo: (1) Sistema regulatório favorável à liberdade de expressão, ao pluralismo e à diversidade da mídia; (2) Pluralidade e diversidade da mídia, com igualdade de condições no plano econômico e transparência da propriedade; (3) Mídia como uma plataforma para o discurso democrático; (4) Capacitação profissional e apoio às instituições que embasam a liberdade de expressão, o pluralismo e a diversidade; e, (5) A capacidade infraestrutural que sustenta uma mídia independente e pluralista.
As quatro novas publicações:
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‘Indicadores da Qualidade no Jornalismo: políticas, padrões e preocupações de jornais e revistas brasileiros‘ – Rogério Christofoletti**
‘Jornalistas e suas visões sobre qualidade: teoria e pesquisa no contexto dos Indicadores de Desenvolvimento da Mídia da UNESCO‘ – Danilo Rothberg**
‘Sistema de gestão da qualidade aplicado ao jornalismo: uma abordagem inicial‘ –Josenildo Luiz Guerra**
‘Qualidade jornalística: ensaio para uma matriz de indicadores‘ – de Luiz Egypto de CerqueiraSão obras que complementam-se na composição de um retrato do ‘estado atual da indústria jornalística nacional no que tange seus esforços para a busca da excelência técnica e a qualidade de seus serviços e produtos’.
A pesquisa teve três momentos: (a) levantamento das visões dos jornalistas profissionais sobre qualidade; (b) sistematização das posições dos gestores das empresas do setor sobre qualidade; (c) reflexão, discussão e concepção de uma matriz de indicadores para aferir a qualidade jornalística.
Unesco e Renoi pretendem que esta matriz funcione ‘como marco organizativo inicial, passível de aportes adicionais que advirão dos testes práticos e das contribuições do setor jornalístico, da academia e, sobretudo, do mercado’.
Os resultados apontam para um perfil do setor no país, e a matriz de indicadores de qualidade pode ser adaptada para outros segmentos da indústria (o estudo concentrou-se em revistas e jornais).
Políticas e padrões
No primeiro volume, abordam-se duas vertentes em busca de padrões mínimos de qualidade na oferta dos serviços.
Numa delas (a que diz respeito aos esforços internos ao ambiente jornalístico e ao fazer jornalístico propriamente dito), são observadas iniciativas como criação de cargos de ombudsman; manuais de redação; conselho de leitores; prêmios para incentivar a competitividade interna; profissionalização da gestão; políticas editorias; reformas internas nos produtos; adoção de processos de normatização e gerenciamento; busca de excelência técnica e inovação tecnológica; fortalecimento e organização empresarial, por meio de entidades associativas; ações para a expansão de negócios pela via da diversificação mercadológica.
A outra vertente – aquela que diz respeito aos movimentos pela qualidade da imprensa que vêm de governos, organizações não-governamentais, igrejas, associações classistas, academia e outras instituições e atores influentes – tem como exemplos os observatórios de mídia; iniciativas de análise e crítica de mídia; códigos de ética; projetos de qualidade no ensino de graduação ou formação profissional; esforços para a regulamentação estatal do mercado; premiações ou distinções exteriores às empresas do ramo; eventos de discussão sobre as rotinas produtivas e por aí afora.
A visão das redações
O segundo volume verifica a visão que os jornalistas nutrem sobre a qualidade de seu trabalho, já que suas próprias expectativas serão delineadas pelas obrigações que eles acreditam possuir.
Gestão da qualidade
O estudo tem como hipótese que a definição de Indicadores de Qualidade Jornalística, aplicados dentro de um Sistema de Gestão da Qualidade, ‘pode ajudar tanto os grupos que monitoram organizações jornalísticas quanto a estas próprias a identificar com maior precisão quais são os atributos de qualidade desejáveis e quais são os vícios a serem evitados nos produtos e serviços jornalísticos’.
O desafio da qualidade no jornalismo articula duas grandes dimensões do problema: (1) a existência de ambientes sociais, culturais, políticos, econômicos, que sejam voltados para a qualidade; e (2) a existência de organizações que se comprometam e desenvolvam know howsuficiente para alcançar padrões de desempenho definidos e aferidos por meios públicos, os quais podem ser afirmados então como ‘padrões de qualidade’.
No terceiro volume, são analisadas algumas experiências de avaliação de qualidade para o jornalismo, classificando-as em três categorias: (1) ‘Parâmetros de avaliação de conteúdo’; (2)’Parâmetros de avaliação de procedimentos’; e, (3) ‘Parâmetros de avaliação de sistemas de gestão’.
Aqui, define-se qualidade no jornalismo como ‘o grau de conformidade entre as notícias publicadas e as expectativas da audiência, consideradas as expectativas da audiência em duas dimensões: (a) dimensão privada, relativas a seus gostos, preferências e interesses pessoais; e, (b) dimensão pública, relativas ao interesse público como Valor-Notícia de Referência Universal.
Matriz de indicadores
No quarto volume, defende o autor que ‘… a exposição à crítica, para além de uma manifestação de transparência editorial, tende a igualmente funcionar como instrumento de apoio a programas de qualidade em organizações preocupadas com o fortalecimento de sua reputação corporativa, com aumento de sua participação no mercado e, em última análise, com a rentabilidade garantidora de sua independência editorial’.
A obra apresenta então proposta de matriz com indicadores de qualidade.
Na opinião do coordenador da área de Comunicação e Informação da Unesco no Brasil, Guilherme Canela, em press-release de lançamento das obras, ‘…os Indicadores de Desenvolvimento da Mídia deixam absolutamente claro que quando se trata de conteúdo jornalístico, o melhor caminho para a prestação de contas é a auto-regulação. Isso, entretanto, requer um forte senso de qualidade e ferramentas objetivas para o acompanhamento das audiências, e isso é o que a pesquisa oferece para o debate’.
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Jornalista