Assisto no Observatório da Imprensa a uma verdadeira encenação sobre a investigação que o Ministério Público de Minas Gerais faz sobre o Novojornal e seu diretor, Marco Aurélio Flores Carone. O debate sobre a legitimidade ou não do que seria o ‘empastelamento’ de um site jornalístico é, na verdade, uma cortina de fumaça para esconder as reais atividades deste senhor numa fictícia redação de jornalistas.
Pesam sobre Carone acusações de calúnia e difamação, mas o principal são as suspeitas que merecem investigação da polícia de que ele teria se utilizado do site para achacar pessoas e empresas e obter vantagens pessoais. Vamos aos fatos.
Cópias de documentos distribuídos esta semana nas redações de jornais de Belo Horizonte revelam que, no dia 22 de março de 2007, às 14h08, o Novojornal publicou com destaque a seguinte notícia: ‘Construtora reinicia `Modelo Encol´’, afirmando que ‘sem fiscalização Patrimar inicia venda de apartamento ‘a preço de custo’, o que já lesou milhares de investidores da Encol’.
Nada era verdade
E, mais grave ainda, em outra reportagem publicada no dia 4 de maio de 2007, às 17h10, Carone voltou à carga, desta vez com a manchete ‘Construtora pode prejudicar compradores’. E apontou que a ‘decisão do TRF em Brasília no processo da Patrimar poderá significar a anulação da escritura de 1.000 imóveis’.
Com afirmações fortes e em tom de denúncia, Carone atacou violentamente a empresa e seus diretores, os quais, segundo ele, vendiam apartamentos de forma irregular e possuíam dívidas milionárias com o INSS que colocavam em risco os investimentos dos proprietários dos imóveis vendidos pela construtora.
Não é preciso ser um especialista em crise de imagem para ter uma boa idéia do efeito danoso destas afirmações e das graves conseqüências que o caso poderia acarretar para a empresa. No entanto, surpreendentemente, no dia 11 de maio de 2007, às 9H04, ele publicou um anúncio revelador: sob o título de ‘Erramos’, Carone informou que ‘a apresentação de novos documentos comprovam que a construtora está regular com a Prefeitura de Belo Horizonte e com o INSS’.
Isto é, afirmou agora que nada do que publicou era verdade!
Homologação feita de imediato
Reconhecer o próprio erro e se retratar até seriam atitudes nobres, não fosse por um detalhe que, convenientemente, Carone omitiu de seus leitores: enquanto denunciava a Patrimar Engenharia de dar prejuízos milionários aos seus investidores: sua filha, Nysia Christina Victor Carone, respondia a uma ação judicial de rescisão contratual, na 1ª Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte (Processo nº 002404358753-4) proposta pela construtora, em 26/05/2004.
As reportagens mais virulentas contra a Patrimar foram publicadas justamente no clímax do processo, em fase de recursos na 2ª instância. Vale notar que, em despachos do escrivão do cartório da 11ª Câmara Cível/Unidade Francisco Sales do TJMG, entre os dias 19 e 30 de março de 2007, o advogado que representa a filha do Carone foi, reiteradas vezes, advertido para que devolvesse o processo que mantinha em seu poder, fora dos prazos legais, inclusive ‘sob pena de busca e apreensão’.
Surpreendentemente, o resultado deste processo foi um acordo homologado judicialmente, no dia 02 de junho de 2007, portanto menos de um mês depois da publicação da retratação feita por Carone. Levando-se em conta a morosidade com que tramitam os processos no Judiciário brasileiro, pode-se dizer que a homologação do acordo foi feita imediatamente após a publicação no site da retratação.
Ação de reintegração de posse
Suspeita-se que as falsas matérias publicadas contra a empresa tenham sido uma forma clara de chantagem e que a Patrimar, com receio de ver a sua imagem atacada de forma irresponsável, tenha feito o que talvez muitas outras empresas fariam ou fizeram: cedem aos interesses (jornalísticos?) do sr. Carone.
Além deste caso da Patrimar, outros que também envolvem conhecidas empresas mineiras merecem a atenção da polícia. São casos relacionados às publicações de reportagens que tiveram como alvos, por exemplo, o San Francisco Flat e a rede de lojas Ricardo Eletro, revendedora de eletro-eletrônicos.
Com relação ao San Francisco Flat – local onde teria sido assassinada a modelo Cristina Aparecida Ferreira em 6 de agosto de 2000 – Carone chega a acusar os funcionários do Flat de cumplicidade no crime.
Mais uma vez, no entanto, ele não revela os bastidores de uma ação judicial que ele manteve com a empresa administradora do Flat (Processo nº 002403991063-3 – 13ª Vara Cível) por mais de três anos. A Belo Horizonte Flat Service Administração Participação Ltda. foi à justiça com ação de reintegração de posse, com causa no valor de mais de 30 mil reais contra Carone.
Nem anunciantes, nem patrimônio
Hoje, ele responde a mais de 30 processos na Justiça Federal, a maioria deles por crimes fiscais e tributários (Fazenda Nacional/IPRJ, INSS, Caixa Econômica Federal/FGTS, União Federal. Para checar todos os processos por crimes de calúnia e difamação, clique aqui e digite o nome completo do pesquisado: Marco Aurélio Flores Carone.
Responde, ainda, a 16 processos e inquéritos na 1ª Instância de Minas, por diversos crimes, entre eles execução fiscal – sonegação de impostos –, crime contra a administração pública e, obviamente, por queixa-crime. Para consultar os processos contra Carone, basta acessar o site do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, na seção de consulta de processos, na comarca de Belo Horizonte (024).
No artigo publicado neste Observatório [ver ‘Um esqueleto no armário‘ ], ele diz que morou por algum tempo em Visconde do Rio Branco, interior de Minas. Isto é verdade, mas os poucos meses em que morou naquela cidade foram suficientes para deixar para trás uma coleção de novos seis processos naquela comarca. Isso sem falar dos processo que correm na Justiça do Trabalho.
Pois bem, caberá à Justiça identificar quem e com que interesses mantêm no ar o Novojornal. O sr. Carone diz que sempre manteve o seu site com anúncios da iniciativa privada. Não é verdade. O site não tem anunciantes reais. Marcas importantes são apenas estampadas com o objetivo de tentar dar alguma credibilidade ao pretenso noticiário. Durante meses, o site estampou as marcas da Volkswagen e da TAM. As duas empresas nunca patrocinaram o Novojornal.
O sr. Carone não tem emprego, nem renda. Os anunciantes inexistem. Não tem patrimônio algum para pagar aquilo que deve e foi determinado pela justiça em dezenas de ações. Durante todo esse tempo, quem paga as suas despesas pessoais? Quem paga o aluguel, telefone, condomínio, IPTU, luz da ‘redação’ que ele diz dirigir? Quem paga o salário dos quatro funcionários que ele diz ter?
A pergunta que não quer calar: o que, realmente, está por trás do site Novojornal e de seu diretor? Obviamente não pode ser chamado de jornalismo.
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Marco Aurélio Carone responde
Embora o José Luiz Ferreira Fernandes informe que baseia-se em ‘cópias de documentos distribuídos nas redações de jornais de Belo Horizonte’ – e, desta forma, não seriam fruto de pesquisa sua –, acredito que não por outro motivo o articulista não fez constar de seus relatos fatos que meus detratores não diriam, pois desmontariam suas acusações.
No texto de Fernandes, embora acusatório, demonstrado está que não apenas defendo a liberdade de imprensa como a pratico. Esta liberdade que defendo assegura o direito à crítica, assim como o direito de resposta e esclarecimento quando queira exercê-lo o criticado. Seja um cidadão comum como eu, seja uma autoridade, que a meu ver obrigatoriamente deveria fazê-lo por ocupar um cargo público. Não é por outro motivo que em momento algum o Novojornal recusou-se a oferecer o direito de resposta a quem quer que seja. Prova disso é o noticiado na matéria que analiso.
Em relação à Patrimar, realmente depois de denúncias que chegaram à nossa redação, por dever de oficio publicamos duas matérias a respeito da empresa. Porém, ao contrário do que informa o jornalista, a publicação do ‘Erramos’ não ocorreu para viabilizar um acordo celebrado com a Patrimar na ação que a mesma movia contra minha filha. A publicação do ‘Erramos’, no mesmo local que havia sido publicado a matéria sobre a construtora, ocorreu em função da Interpelação Judicial nº. 0024.07.508.205-7, ajuizada pela Patrimar na Justiça mineira contra o Novojornal. Nesta, ela comprovava o equivoco da matéria de Novojornal.
Admitir que erramos é um procedimento adotado por toda imprensa séria e visa demonstrar ao leitor que nosso compromisso é com a verdade. Quando erramos, reconhecemos nossos erros e publicamos a informação correta. Neste caso, também estávamos evitando ser processados por publicar uma matéria que continha informações erradas. Inclusive a nota de retificação publicada foi apresentada pela empresa ao jornalista Renato Cunha, a quem dei orientação de contatar a empresa.
Quanto ao acordo judicial de um desentendimento comercial entre minha filha e a construtora, segundo consta dos autos, foi sanado por meio do pagamento da dívida.
Interesses contrariados
Realmente os fatos narrados ocorreram, só que por motivos e de forma diferente da informada por José Luiz Ferreira Fernandes. Ele afirma: ‘Suspeita-se que as falsas matérias publicadas contra empresas tenha sido uma forma clara de chantagear…’. Eu gostaria que o nobre jornalista citasse a que matérias se refere para que eu pudesse esclarecer ou ser ‘desmascarado’, como afirma.
Em relação a Ricardo Eletro, creio que Fernandes o citou apenas por ser um grande anunciante. Porém, para que nada fique sem resposta, cabe esclarecer que jamais tive qualquer envolvimento com essa loja – embora, confesso, gostaria de ter tido, pois é um dos grandes anunciantes mineiros.
Em relação ao San Francisco Flat, gostaria de corrigir o jornalista no que julgo ser fundamental para o exercício de sua profissão: escrever com clareza. Fernandes afirma que neste flat uma jovem modelo ‘teria’ sido assassinada. O certo seria dizer ‘onde a modelo foi assassinada’. Jamais existiu qualquer dúvida a respeito deste fato, seu corpo foi encontrado ali. A dúvida existente é sobre quem a assassinou. Dúvida que talvez perdure, pois, quando do interrogatório de um dos suspeitos, surgiu como que do nada na sede da Procuradoria Geral do Ministério Público estadual, em Belo Horizonte, o ex-procurador geral da República, Aristides Junqueira, apresentando-se como advogado de Walfrido dos Mares Guia e impedindo seu depoimento. Depois disso, o inquérito adormeceu e a única coisa que se sabe é que laudos, fotos, depoimentos e outras provas desapareceram.
As matérias do Novojornal diziam respeito a esse fato e ao inexplicável comportamento da Cemig, ainda hoje maior usuária do San Francisco Flat, para o qual paga uma conta mensal aproximada de 500 mil reais. Jamais acusamos qualquer funcionário da Cemig de participação no crime, mas sim de terem modificado a cena do crime.
Quanto a meu débito com o San Francisco Flat, ele só existiu devido minha independência. Na campanha para o governador de Minas Gerais, em 2002, um grupo de empresários doara-me a hospedagem para que lá eu montasse uma estrutura capaz de atender a imprensa – algo comum em todas as campanhas políticas. Como, no andamento da campanha, minhas declarações contrariaram os interesses desses empresários, eles se vingaram não pagando as despesas, conforme o combinado. Não houve, portanto, ‘chantagem’ pois a dívida ainda existe, assim como o processo.
Jornalistas prejudicados
Cabe, porém esclarecer o porquê de uma enormidade de execução fiscal contra um empresário na justiça federal mineira? Vamos à resposta.
Em 1989, depois de uma difícil luta contra forças dos três poderes instalados no estado de Minas Gerais, a falência do Jornal de Minas foi decretada devido a uma dívida já paga de pouco mais 10 dólares – hoje equivalente a mais ou menos 16 reais. Esta foi a maneira encontrada na época para silenciar um jornal que estava incomodando. Tratava-se de um jornal e de uma empresa com mais de 50 anos de atividade. A situação de crise vinha se arrastando havia quase um ano, com freqüentes atrasos da folha de pagamento e nos compromissos com fornecedores.
Em Minas, como permanece até hoje, o principal anunciante é o governo do estado – que havia suspendido o pagamento de seus débitos, assim como deixara de autorizar novas inserções no Jornal de Minas.
Ainda na direção do Jornal de Minas, contrariei interesses ligados ao então procurador chefe da Procuradoria Regional da República de Minas Gerais, que determinou à Polícia Federal a abertura de um inquérito contra mim fundamentado em uma denúncia que sequer estava assinada. Não deu outra: comprei a briga e provei que a denúncia era ilegal e nela não existia qualquer verdade. A verdade é que ao ser decretada a falência de S.A Jornal de Minas, o Ministério Público estadual e federal caíram feito leão sobre a contabilidade da empresa e meus bens particulares. Viraram-me do avesso e nada encontraram.
Depois de uma falência em que a falida perdeu todos os seus bens – que na época chegavam a mais de 1 milhão de dólares entre créditos com o estado, terreno de dois quarteirões na área central de Belo Horizonte, uma rotativa para impressão simultânea de 32 páginas e duas dobradeiras recém-reformadas, valendo por baixo 250 mil dólares –, a gestão da massa foi tão eficiente que chegou ao fim sem pagar um sequer de seus funcionários. Desnecessário informar que, após a decretação de uma falência, os administradores da empresa são afastados e substituídos por um síndico nomeado pelo juiz.
Para evitar ‘atrapalhar’ a tramitação da falência, nenhum débito fiscal foi habilitado na massa falida, optando-se pela execução fiscal contra o sócio. Tudo feito para acusar-me de apropriação indébita e me pôr na cadeia.
O processo existiu e, por meio dele, o Procurador Geral executou sua vingança. Porém, mesmo na oposição e com meu segundo jornal, o Diário de Minas, fechado pela mesma juíza da falência do S.A Jornal de Minas, hoje desembargadora, comprovei que não contribuira assim como não houvera qualquer crime na falência. Fui absolvido em primeira e segunda instância da Justiça Federal da acusação de crime de apropriação indevida, processo original nº. 930009833-0/MG, Apelação Criminal nº. 1998.01.00.034144-5. Muitos jornalistas e funcionários, alguns com mais de 30 anos de serviços prestados ao S.A Jornal de Minas, foram prejudicados. A mim foi atribuída toda culpa desse fato – que algum dia, independente da vontade do Palácio da Liberdade, será esclarecido.
Neste momento, não existe veículo melhor que o Observatório da Imprensa para eu lançar o seguinte desafio: que o Sindicato dos Jornalistas de Minas Gerais promova um seminário sobre o fechamento do Diário de Minas e do Jornal de Minas, convocando-me a prestar os esclarecimentos necessários para que sejam tomadas medidas na defesa dos jornalistas prejudicados. Prestarei esses esclarecimentos na condição de colaborador, pois na condição de réu e em tribunais onde eu era persona non grata, fui absolvido.
Mais esqueletos
Embora corra em segredo de justiça o inquérito que apura denúncias do Ministério Público mineiro sobre o Novojornal, na condição de parte tive acesso ao seu teor. Coincidentemente, as acusações são as mesmas feitas pelo jornalista José Luiz Ferreira Fernandes. Por isso, cabe-me parabenizar ao autor do dossiê distribuído nas redações dos jornais da capital mineira pela ótima fonte que tem junto à Procuradoria Geral de Justiça de Minas Gerais.
Imagino que minhas respostas já satisfizeram grande parte das dúvidas do procurador Jarbas Soares. Informo ainda, que o portal jornalístico Novojornal pertence à pessoa jurídica de minha propriedade que possui CNPJ, inscrição municipal e alvará de localização, como todas obrigadas por lei a apresentar declarações de receitas e despesas, além de manter sua contabilidade em dia.
Por esse motivo soa como brincadeira a acusação de que não se sabe a origem dos recursos que mantêm o Novojornal. Novamente, e para não deixar uma indagação sem resposta, informo que esses recursos, quando não oriundos do arrecadado com publicidade, fazem parte de meu patrimônio pessoal e estão todos contabilizados e à disposição do Procurador Geral.
A peça acusatória diz que me dedico à administração do Novojornal e, desta forma, sou empresário. Mas em seguida afirma que não tenho emprego nem renda…
No período do golpe de 1964, o sindicalista mineiro Dazinho, ao ser interrogado em um IPM sobre quem pagava suas despesas pessoais, respondeu ao seu inquisitor: ‘Tenente pode ficar tranqüilo, não é vossa progenitora’. Parafraseando Dazinho, presto este esclarecimento a quem formulou indagações como esta que, segundo o jornalista José Luiz Ferreira Fernandes, ‘foram distribuídas nas redações’.
Quando montei o Novojornal, tinha ampla experiência em lidar com o Palácio da Liberdade, que adota o seguinte critério: os que não compram, quebram. Já estava suficientemente prevenido quanto a isso.
Como no artigo anterior que publiquei neste Observatório, penso que o momento é mais que oportuno para a retirada dos esqueletos do Diário de Minas e Jornal de Minas do armário. (M.A.C.)
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Jornalista, Belo Horizonte, MG