Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Jornalões não querem acuar o Congresso. Deveriam

Qualquer que seja o significado que se atribua ao verbo acuar, uma coisa é certa: o Senado deveria estar sendo acuado pela imprensa para decidir em sessão aberta e voto aberto o futuro do senador Renan Calheiros. Se a tropa de choque do presidente do Congresso não se sentisse acuada ele não teria sido condenado de forma tão flagrante na Comissão de Ética. Se a imprensa não pressiona os poderes constituídos, quem o fará?


A sociedade brasileira só foi informada na segunda-feira (10/9) que há um ano está estacionada na Câmara a emenda constitucional que acaba com o voto secreto no Congresso. Foi aprovada em primeiro turno em 5/9/2006, por 383 a zero. Normalmente, o segundo turno costuma ser votado cerca de 30 dias depois, informou a Folha de S.Paulo, em matéria de Ranier Bragon e Fábio Zanini. Se a imprensa se movimentasse com a devida antecedência e a necessária energia, a burocracia da Câmara não teria engavetado o andamento da PEC durante um ano – e, na quarta-feira (12/9), Renan poderia ser julgado pelos pares sem voto secreto.


Fora de lugar


Acontece que a imprensa não se fascina com o trabalho escoteiro, de formiguinha, prefere as denúncias sensacionais ou as grandes especulações políticas – com as honrosas exceções de praxe. Basta ver o teor das matérias que produzem manchetes não apenas nas edições de domingo, mas nos dias úteis.


Na mesma segunda-feira (10), a manchete da Folha entusiasmava-se com a tecnologia e proclamava que ‘Ensino a distância se sai melhor em exame’. E daí? O que importa saber que os alunos de turismo (das universidades privadas, naturalmente) têm melhor desempenho em cursos não presenciais? Mais importante, decisivo para o futuro do país, seria converter em manchete a chamada de uma coluna no pé da primeira página (‘Emenda do fim do voto secreto pára na Câmara e ajuda Renan’). Por que razão não optou por uma manchete jornalística e cidadã?


Seria injusto dizer que este que se assume como ‘o jornal a serviço do Brasil’ está favorecendo Renan Calheiros, melhor imaginar que gosta de atender ao lobby do ensino privado.


Imprensa burocrática


O Estado de S.Paulo saiu-se ainda pior: a manchete de primeira página no mesmo dia foi nitidamente a favor do senador acusado de quebrar o decoro parlamentar e envergonhar o Legislativo: ‘Renan articula e lembra o rigor da pena – pode ficar 12 anos fora da política’. O próprio evangelizador do jornal (Carlos Alberto di Franco) espuma de raiva na página 2 por causa do congresso do PT realizado 10 dias antes e passa ao largo dos pecados capitais e veniais cometidos pelo chefe do Poder Legislativo.


Não fosse a manchete do Globo (‘Oposição quer sessão aberta para tentar cassar Renan’) seria possível montar uma teoria comprovando que os jornalões não querem acuar o presidente do Congresso (ao contrário de Veja e do Jornal Nacional).


A grande imprensa diária burocratiza-se visivelmente, perde o elã, cumpre esquemas e fórmulas concebidas pelos marqueteiros e estrategistas e manda às favas sua agilidade e seus compromissos públicos. Não apenas num caso aberrante como este em que um senador-réu tem o privilégio de presidir a sessão que deverá julgá-lo.


Baixa umidade


A cobertura simplista do debate sobre o futuro da CPMF é outro indício do ramerrame vigente. Entre o ‘sim à CPFM’ e o ‘não à CPFM’ existem inúmeras opções democráticas, criativas e modernas. Ao invés de reduzir a discussão sobre a continuação do tributo ao confronto Oposição vs. Governo desperdiça-se uma preciosa oportunidade para discutir a reforma tributária e simplificar o emaranhado de taxas que torna tão atraente a sonegação.


A entrevista publicada pela Folha na segunda-feira (10/9, pág. A-12) com o vice-presidente da Fundação Getúlio Vargas, Marcos Cintra, deve ser vista como uma pauta de reportagens para as próximas semanas. É, ao mesmo tempo, um puxão de orelhas pelas toneladas de papel gastas em esquentar e politizar um assunto imperiosamente técnico.


A baixa umidade e a falta chuvas tirou o fôlego dos jornalões. Renan Calheiros está adorando.