Saturday, 30 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

Julian Assange e Rupert Murdoch

Tanto o fundador do WikiLeaks, Julian Assange, quanto o barão da mídia Rupert Murdoch ficaram na linha de fogo, vinculados a escândalos de pirataria. Avaliados em conjunto, esses incidentes levantam perguntas interessantes sobre o que constitui o conhecimento público e se a liberdade de expressão pode ser levada longe demais.

O WikiLeaks já divulgava documentos confidenciais e era ameaçado com ações judiciais muito antes de se tornar conhecido por ter publicado informações militares sigilosas relacionadas à intervenção dos Estados Unidos no Iraque e no Afeganistão. De acordo com o WikiLeaks, esses documentos foram obtidos através do soldado norte-americano Bradley Manning, que ainda não foi formalmente acusado e está preso há 14 meses. Embora Julian Assange não tenha pirateado a informação nem mesmo soubesse de onde ela vinha, a divulgação dos documentos é considerada um crime devido à sua natureza. Muitos dos documentos nunca foram utilizados pela mídia norte-americana. Mas alguns documentos relacionados a questões de segurança nacional foram revelados por importantes organizações jornalísticas, como o New York Times, o Guardian e o semanário Der Spiegel. O New York Times explicou a razão pela qual publicou documentos como os despachos do Afeganistão dizendo que “não havia dúvidas de que […] os despachos do Afeganistão eram genuínos”.

Aqui, o conhecimento público prevaleceu sobre questões de ética relacionadas aos métodos utilizados para a obtenção da informação.

A informação sobre pirataria de 2005

Após a publicação dos documentos, a Casa Branca determinou que as agências governamentais fossem mais rigorosas com os procedimentos referentes a informações sigilosas, reconhecendo, dessa forma, que haverá um “antes” e um “depois” do WikiLeaks. O Departamento de Gerenciamento e Orçamento disse que pretendia garantir que “os usuários não tivessem um acesso mais amplo do que aquele necessário a desempenharem suas tarefas satisfatoriamente”. O WikiLeaks trará consequências ao trabalho dos repórteres. Por exemplo, Kevin Smith, da Sociedade dos Jornalistas Profissionais, disse: “Aqui, há um fator de culpa-por-conhecimento”, desacelerando de maneira dramática a aprovação de uma lei federal relativa à proteção de fontes dos jornalistas norte-americanos. Mas a notícia boa é que esse incidente torna ainda mais evidente que a “mídia tradicional” e as “novas mídias” podem cooperar na divulgação da informação.

E, de repente, este mês surgiram revelações de que o jornal inglês News of the World (NOTW) se envolveu mais uma vez em casos de escutas telefônicas, fazendo crescer a saga que teve origem em 2005. Alguns membros da equipe do NOTW recorreram à violação de um sistema telefônico – inclusive, apagando algumas mensagens, em um dos casos.

Segundo Ian Walden, convocado em 2009, na qualidade de perito, pela Comissão de Queixas da Imprensa britânica [Press Complaints Commission – PCC] para investigar a responsabilidade do News of the World na pirataria telefônica e no impacto desses comportamentos no caso de 2005, “ocorreram provas de comportamento inadequado”. No entanto, “todas as pessoas envolvidas nessas atividades foram presas”, disse Walden numa entrevista. De acordo com ele, o fundamental nesses casos é mais a falha da polícia do que o comportamento dos repórteres. “Em 2005, a polícia recebeu informação sobre pirataria em escutas telefônicas relacionadas à família real. Prenderam um jornalista e um detetive particular e encontraram, com este último, a prova essencial detalhando todas as outras vítimas. No entanto, ao invés de prosseguirem com essa investigação, eles basicamente a encerraram por completo e disseram a todo mundo, inclusive à PCC, que não havia coisa alguma a ser examinada.”

Seis repórteres já foram detidos

O escândalo de pirataria original surgiu a partir de suspeitas de que o príncipe William tivesse machucado o joelho. Não, isso não tem a mesma importância dos telegramas vazados sobre o Afeganistão. Porém, enquanto repórteres para o tabloide de maior tiragem da Inglaterra (NOTW), os jornalistas sabiam o que seu público queria. As matérias não eram mentirosas, mas foram obtidas de maneira ilegal. Assim, também os documentos divulgados pelo WikiLeaks e publicados pelo New York Times e por outros jornais não eram falsos, mas também haviam sido obtidos de maneira ilegal. Como podemos decidir o que o público tem direito a conhecer? Se o NOTW tivesse revelado matérias de “maior impacto”, teria sua ação sido condenada de forma tão rigorosa?

Agora, seis anos depois, novas reportagens trouxeram à luz pirataria pelo News of the World. Autoridades disseram que jornalistas do NOTW possivelmente violaram a caixa de mensagens da adolescente Milly Dowler, então desaparecida, para conseguir mais espaço. Isso, aparentemente, levou seus pais a acreditarem, erroneamente, que ela estava viva.

No dia 11 de julho, o ex-primeiro-ministro britânico Gordon Brown acusou jornalistas da News International, do grupo de mídia de Rupert Murdoch, de tentarem, por mais de 10 anos, obter ilegalmente informações particulares a partir de seu telefone e de suas contas financeiras. E no domingo (17/7), Rebekah Brooks, ex-editora-chefe, foi detida e interrogada durante 12 horas. Desde o dia 23 de junho, seis repórteres foram detidos por conta do escândalo das escutas clandestinas. Um deles nem constava da folha de pagamento do grupo da News Corp.

A credibilidade dos repórteres

Não, o bom do conhecimento público não basta para justificar o comportamento inaceitável de apagar mensagens e, assim, obstruir a justiça. Na realidade, muitas empresas de telecomunicações mudaram suas políticas de armazenamento de dados para oferecer mais segurança a seus clientes justamente por causa disso.

Os jornalistas enfrentam questões de ética a cada dia e todos os dias. Alguns deles tentam legitimar seus esforços em nome do conhecimento público – e, às vezes, fazer a opção menos ética leva a mudanças significativas na política adotada ou nas lideranças. Entretanto, às vezes fazer a opção menos ética poderá significar o enfraquecimento da confiança do público naquele jornal. O NOTW parou de circular porque perdeu a confiança de seus anunciantes. Deu um tiro no pé e esperemos que as lições sejam aprendidas e os erros publicados.

Mas nesse caso, o prejuízo também poderá ser maior. Embora Repórteres Sem Fronteiras defenda a liberdade de expressão sem endossar algumas práticas – como, por exemplo, por pessoas em perigo, como o WikiLeaks fez inicialmente, ou espionando pessoas, como fizeram jornalistas do NOTW –, lamentamos que bons jornalistas possam ser associados a tais práticas. As consequências estarão na confiança que o leitor irá depositar na mídia. Cada vez mais, a vigilância será necessária quando se abrir um jornal, ligar a televisão ou escutar o rádio. Mas como poderemos ajudar e defender a credibilidade de repórteres se o público não confia mais neles?

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[Jean-François Julliard é jornalista e secretário-geral de Repórteres Sem Fronteiras]