Um drama que só tende a crescer porque os meios de comunicação não estão interessados em largar o osso. Perceberam o manancial inesgotável de que dispõem e vão em frente. Mesmo arriscando a vida e a felicidade de Sean Bianchi Goldman.
Hoje, quando se fala em mídia, impossível estabelecer distinções: a mídia americana e a mídia brasileira – pelo menos no caso Sean – exibem as mesmas distorções e leviandades. Como se a yellow press anglo-saxônica e a nativa imprensa marrom fossem a mesma coisa. São a mesma coisa (as origens é que variam).
É aterradora a façanha ‘jornalística’ da rede de televisão NBC ao oferecer um jato para levar David Goldman e seu filho para os EUA. Não foi um ato generoso para garantir a privacidade do menino. Foi uma monstruosa exploração, autêntica cafetinagem jornalística.
David Goldman, modelo profissional, será atração da NBC por muito tempo. E David Goldman só existe na medida em que fala do filho. Mesmo sem o exibir, apenas referindo-se a ele, está criando um clima que tornará impossível uma existência normal para o garoto.
Sem discrição
Sem qualquer escrúpulo ou disfarce, a NBC fez o seu exercício de checkbook journalism, jornalismo com talão de cheque, que em situações normais seria condenado pelos media-watchers, observadores da mídia, se neste momento os media-watchers americanos não estivessem concentrados na discussão sobre os modelos de negócios da indústria esquecidos do conteúdo do produto que esta indústria está oferecendo.
A família brasileira de Sean também se envolveu com a mídia. E como sempre acontece em nossas plagas, pelo viés autoritário. O celebrado clã de causídicos ao qual pertence João Paulo Lins e Silva, pai adotivo de Sean, a pretexto de proteger a criança, preferiu a estratégia da mordaça, a censura judicial: embargou o noticiário sobre o caso. Burrada: este tipo de silêncio não se sustenta, basta ver o que aconteceu com os poderosos Sarney.
A Folha de S.Paulo tentou derrubar o embargo, não conseguiu; meses depois a revista piauí contou a história toda (ver aqui) sem colocar em risco a privacidade de Sean e de sua família brasileira. Ao contrário, desvendava-se pela primeira vez a extensão de um drama que a superexposição só poderia agravar.
Censura nunca foi recurso inteligente, mais apropriado seria contrabalançar a xenófoba cruzada iniciada pela mídia americana clamando por respeito à intimidade de Sean.
A entrega no consulado do Rio foi evidentemente midiatizada pela família brasileira. Seu pai adotivo e seus avós maternos poderiam ter procurado as autoridades consulares para acertar procedimentos mais discretos. Aliás, prometeram que a ‘transição’ não seria traumática. David não se oporia, tanto ele como os seus sponsors da NBC não estavam interessados em badalações no Brasil, queriam faturar a chegada nos EUA.
Espetáculo canibal
A idéia de vestir o garoto com a camisa da seleção de futebol é prova cabal de um marketing emocional inadmissível. Aberrante. Sean foi preparado para ser fotografado e esta fotografia deveria tocar a alma brasileira: isto só acontece por meio do futebol em anos de Copa do Mundo.
Sean só poderá ser protegido se a parte sadia da imprensa americana (cada vez menor e menos atuante) criar uma onda para preservar sua privacidade. A mídia americana mais sensível – ou talvez a parte menos paranóica da blogosfera – tem condições para forçar David Goldman a controlar o seu narcisismo e também a sua ambição (desvendada pelo negócio com a NBC), obrigando-o a manter-se longe dos holofotes e dos flashes.
A sociedade americana e o judiciário americano têm condições de evitar este espetáculo sacrificial, esta canibalização emocional de uma criança. Alguém precisa acioná-los. Só a imprensa pode fazê-lo.
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PS: Algumas estrelas do nosso jornalismo reclamam quando se fala em mídia como fenômeno ou como indústria. Não gostam da generalização, é compreensível: esmeram-se, transpiram, buscam ângulos, desenvolvem estilos personalizados, oferecem seus nomes e suas marcas. Não obstante, a generalização hoje é compulsória, inevitável. Articulistas diferenciam-se, mas as empresas de mídia abdicaram da sua vantagem patrimonial – a individualidade. Preferem homogeneizar-se. Ao invés da diferenciação, a mimetização.
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