Quem é o lendário crítico de literatura que confessou observar por um telescópio, do alto de um edifício do Greenwich Village, uma conhecida acadêmica e autora trocando de roupa?
Quem é o acadêmico estrela que engravidou uma jovem aluna e, para distrair a atenção do escândalo potencial, trocou de universidade, fingindo indignação contra o cerceamento acadêmico?
Quem é o grande, repito, grande romancista que transou com a muito mais jovem e premiada atriz do filme baseado no seu livro? Tal como o sujeito da velha piada, preso numa ilha deserta com a Sharon Stone, que recusa a oferta de sexo com ela porque não vai poder contar para os outros quando voltar para o continente, o dito homem das letras, ficou ansioso para clamar o troféu sexual. Não percebeu que estava contando a história para o homônimo secretário de seu agente literário, que atendeu o telefone do chefe.
Quem é o autor que, depois de publicada sua entrevista neste diário aproveitou-se da viagem da mulher para convidar esta repórter para ‘um dia de relaxamento no campo’, no Estado onde mora? Ensaísta brilhante, paquerador medíocre.
Quem é o superpoderoso rapper e empresário musical que, ao lado da estrelíssima esposa, incluiu na mesa de um jantar em setembro a pós-adolescente brasileira que faz biscate na sua cama?
Pelo telefone
O que as histórias acima têm em comum?
1.
Foram verificadas pela colunista.2.
Não vazaram pelo Twitter, Facebook ou blogs.No caso do rapper, a corte sexual à brasileira foi lenta exatamente para testá-la contra a fofoca que, se divulgada online, pode lhe custar dezenas de milhões de dólares em divórcio. A estupidez do gajo, considerado um gênio pela indústria da música, é não levar em conta que a menina não vai ficar calada. Como não sou habitualmente encontrada na mesa de rappers às 4 da manhã, o fato de que conheço detalhes do caso sugere a fragilidade do segredo.
A lista de indiscrições compiladas acima é apenas um exemplo do seu potencial como arma contra os envolvidos, caso se tornem virais. E se eu comentar alguma dessas histórias sem perceber que estou ao alcance do ouvido de algum empreendedor membro do Facebook? Em 24 horas, pode aparecer um item na ‘Page Six’, do New York Post, a mais famosa página de fofocas do país. Está armada a quizumba.
Um professor de jornalismo da Web na Universidade da Califórnia adverte seus colegas de que acabou a fronteira entre o pessoal e o público na mídia social. Ele está certo. Não espere colocar no Facebook sua foto tomando cerveja com amigos de uma milícia racista em Michigan e manter seu emprego como jornalista político de um grande jornal. Quem vai acreditar que o que você compartilha com o público na vida ‘civil’ não vai afetar seus critérios como repórter? Minha família sabe que, além de não ter página no Facebook, não quero frequentar as dos parentes.
Censura? Não, compostura.
Simplesmente acredito que não posso dizer em qualquer mídia social o que não poderia escrever como profissional, nas mídias para as quais trabalho e prefiro me censurar. Sim, pratico autocensura nos e-mails para amigos, baseada no fato de que recebo dos mesmos amigos inúmeras cópias de manifestos, abaixo-assinados, divagações políticas. Copiar e colar virou um tique nervoso. Em pouco tempo, estranhos me incluem nas suas listas e haja filtro de spam para separar o joio parasita do trigo profissional.
Quando tenho que dizer algo que causaria desconforto a mim ou aos outros, cada vez mais, recorro à invenção do Graham Bell.
Equilíbrio alterado
No ano passado, as principais redações americanas impuseram limites ao uso de mídias sociais aos jornalistas. Examinando algumas listas de regras, fiquei surpreendida com a necessidade de chamar atenção de veteranos sobre normas de comportamento baseadas no mais simples bom senso.
Um incidente ocorrido em 2009 é um ótimo exemplo. Bill Keller, editor chefe do New York Times, reuniu a redação para discutir o futuro do jornal online e as opções de cobrança por conteúdo. Vários jornalistas presentes twitaram as conversas, outros sites reproduziram os twits, linha por linha e, numa reunião seguinte, Keller argumentou, com razão, que os colegas iam pensar duas vezes antes de abrir a boca em grupos.
O que parece escapar aos acalorados defensores do vale-tudo digital é que não lhes ocorreria interromper uma conversa privada, e dizer ‘com licença, vou fazer uma conference call para revelar o que você está me dizendo’. Cometer uma indiscrição online é pior porque não se pode voltar atrás, apagar o que está lá.
O outro fato raramente admitido é que o jornalista não revela tudo o que sabe ao leitor. Por instinto protetor, medo de ações legais ou puro autointeresse, somos portadores de informações privilegiadas que decidimos omitir.
A liberdade de expressão costuma ser atacada de fora, por interesses organizados.
A era digital mudou o equilíbrio de forças. É bom fazer uma pausa para lembrar quanto pode ser irresistível redefinir esta liberdade com base na rapidez e na onipresença do conteúdo digital.
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Jornalista