A pequena igreja de Nossa Senhora das Necessidades, erguida por volta de 1750, é uma das atrações turísticas de Santo Antônio de Lisboa, núcleo açoriano colonial que fica a cerca de 20 quilômetros do centro de Florianópolis. O que o visitante talvez não saiba é que ali, no salão paroquial, integrantes da pequena comunidade local de pescadores se reúnem para discutir a mídia e quem comparece ainda doa 1 quilo de alimento para a ação social da igreja. No sábado (26/1), haverá a exibição do filme Tropa de Elite seguida de debate com a presença do comandante do 4º Batalhão da PM, de um tenente do BOPE de Santa Catarina, do padre e do promotor de Justiça da Infância e da Juventude.
Este é apenas mais um exemplo que ilustra o que já não é mais novidade: a formidável capilaridade social do debate sobre a mídia (e a violência…) no Brasil.
Tenho fundado receio de que o observador sistemático da grande mídia – sobretudo impressa – corre o sério risco de desconectar-se, ele próprio, do Brasil real.
Temática local
Acabo de percorrer um pouco mais de 5.000 quilômetros atravessando transversalmente, além do Distrito Federal, os estados de Goiás, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, por caminhos diferentes na ida e na volta.
A primeira surpresa é sobre a condição das estradas, federais e estaduais, ‘pedagiadas’ ou não. Repletas de carros – resultado do espantoso crescimento da indústria automobilística – elas não são mais o conjunto de buracos que a grande mídia insiste em dizer que são. A exceção de um trecho da BR-050, entre Cristalina e a divisa de Goiás com Minas Gerais, e outro pequeno da BR-282, perto de Florianópolis, no geral o estado das pistas é bom. O que muitas vezes ocorre é que as estradas são ruins ou difíceis porque foram mal projetadas ou as condições geográficas tornam inescapáveis as montanhas e as curvas.
Outra constatação – que não é novidade para ninguém – é o reduzido alcance da grande mídia impressa de referência nacional, tanto dos jornais como das revistas. No melhor hotel de cidades importantes do interior do Rio Grande do Sul, Paraná ou Santa Catarina, não se encontram os diários do Rio e de São Paulo que muitas vezes teimamos em acreditar que são lidos no país todo. Imagine, então, o alcance de alguns colunistas dos jornalões da grande mídia que se consideram formadores da opinião pública nacional. O que importa quem são eles e o que pensam?
Por outro lado, lá está absoluta a telinha da TV. É difícil escapar dela, nos hotéis, nas casas, nos restaurantes e bares das estradas e das cidades. A novidade é que os aparelhos já não estão sintonizados em apenas um canal, como até há pouco tempo. Não é mais surpresa ver a Rede Record – que se torna presente como os templos da Igreja Universal do Reino de Deus, isto é, espalhados por todo o país.
Nada é mais importante para o cidadão comum do que aquilo que ocorre ao seu lado, com o seu vizinho; e que pode, portanto, acontecer com ele próprio. A sociabilidade é construída a partir dos temas locais e regionais. Isto potencializa o papel da rádio comunitária, da FM e dos jornais locais e regionais (quando existem). A agenda midiática nacional de entretenimento ou jornalismo (televisiva, sobretudo) interage com a temática local, mas ocupa um indisfarçável segundo plano.
Lições antigas
Um viajante interessado pode constatar novamente a verdade dessas pequenas lições já sabidas mas nem sempre lembradas. Percorrer o interior deste país sempre surpreende pela sua riqueza e diversidade. Os temas que povoam as preocupações de observadores profissionais da mídia muitas vezes não são sequer conhecidos neste vasto território nacional (não posso omitir um exemplo: a nova televisão pública, a TV Brasil).
Talvez precisemos mesmo de uma imersão periódica fora do eixo Rio-São Paulo-Brasília para rever velhas lições e compreender melhor o que vem ocorrendo em relação à grande mídia e seus formadores de opinião.
O Brasil real não é necessariamente o Brasil representado na grande mídia.
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PS: Afirmação do ex-ministro chefe da Casa Civil, José Dirceu, na matéria da revista Piauí nº 16, de janeiro/2008 (pág. 27):
‘Ninguém segura estes senadores, não. Eles fazem tudo por uma rádio. Todos têm rádio. Têm sócios ocultos, laranjas. Nem se dão ao trabalho de colocar um pequeno empresário na frente do negócio, nada. Esse Garibaldi [Alves Filho, presidente do Senado] tem duas rádios. Registradas na Anatel e no TSE. E fica por isso mesmo!’
Considerando a posição que ocupou, José Dirceu certamente sabe o que está falando.
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Pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor/organizador, entre outros, de A mídia nas eleições de 2006 (Editora Fundação Perseu Abramo, 2007)