Leia abaixo a seleção de sexta-feira para a seção Entre Aspas.
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Folha de S. Paulo
Sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008
LEI DE IMPRENSA
Ministro do STF suspende parte da Lei de Imprensa
‘O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Carlos Ayres Britto concedeu no início da noite de ontem liminar determinando a juízes e tribunais de todo o país a suspensão imediata de processos e ‘efeitos de decisões judiciais’ que tenham relação com 20 dos 77 artigos da Lei de Imprensa.
A liminar -decisão provisória, válida (caso não seja cassada) até o julgamento do mérito da ação- suspende, entre outras coisas, a possibilidade de jornalistas condenados por crime contra a honra serem punidos de forma mais severa do que pessoas condenadas pelos mesmos crimes, só que com base no Código Penal.
A Lei de Imprensa, sancionada em fevereiro de 1967 por Castello Branco, o primeiro general-presidente do regime militar (1964-1985), foi alvo de ação movida pelo PDT, por meio do deputado Miro Teixeira (RJ), que pede ao STF a sua total extinção sob o argumento de ela ‘é incompatível com os tempos democráticos’.
Na ação, o PDT pediu liminar para suspender os processos que tivessem relação com a lei de imprensa e, para tentar provar a urgência da medida, anexou cópia de reportagens e editoriais acerca das ações por danos morais movidas por fiéis da Igreja Universal do Reino de Deus contra órgãos de imprensa, entre eles a Folha.
‘Ao meu sentir, esses requisitos foram devidamente comprovados [‘extrema urgência ou perigo de lesão grave’] pelo argüente [PDT] a partir dos documentos acostados à inicial’, diz Britto. Ele próprio manifestou dúvida sobre se sua decisão alcança o ponto da Lei de Imprensa que trata de pedidos de indenização por danos morais, que é o artigo 49. ‘Pode ser que por arrastamento o artigo 49 também seja suspendido.’
A liminar também suspende processos e decisões judiciais que tenham relação com artigo da lei que exige de órgãos de comunicação e jornalistas o depósito em juízo do valor da indenização caso pretendam recorrer das condenações.
‘A imprensa e a democracia, na vigente ordem constitucional brasileira, são irmãs siamesas. (…) Não se pode perder uma só oportunidade de impedir que eventual aplicação da lei em causa, de nítido viés autoritário, abalroe esses tão superlativos quanto geminados valores constitucionais da democracia e da liberdade de imprensa’, disse Ayres Britto na sustentação de sua decisão.
Em entrevista, Ayres Britto disse que ‘a imprensa não é para ser cerceada, embaraçada. É para ser facilitada, agilizada.’
Boa parte da liminar abrange artigos da Lei de Imprensa que, em regra, já eram letra morta devido a jurisprudência firmada pelos tribunais superiores nos anos que se seguiram à Constituição de 1988.
Entre eles, estão os que 1) permitem censura a espetáculos e diversões, 2) vedam aos jornalistas a possibilidade de provar que publicaram a verdade caso os atingidos fossem altas autoridades da República, 3) permitem apreensão e fechamento de empresas de comunicação por mero ato do Executivo, sob o argumento de ‘subversão da ordem política e social’, e 4) impõem limites à indenização por dano moral.
Não há prazo para julgamento do mérito do pedido do PDT, o que deve ser feito pelo plenário do STF. Agora, Ayres Britto abrirá prazo para a AGU (Advocacia Geral da União) apresentar defesa da norma legal e para o Ministério Público Federal se manifestar.
Os processos cuja suspensão foi determinada são aqueles que tenham relação com os seguintes artigos da lei (5.250/ 67): 1º (só a parte inicial do 2º parágrafo), 2º (só o parágrafo 2º), 3º, 4º, 5º, 6º, 20º, 21º, 22º, 23º, 51º, 52º, 56º (a parte final), 57º (só os parágrafos 3º e 6º), 60º (parágrafos 1º e 2º), 61º, 62º, 63º, 64º, e 65º.
Consulte a íntegra da Lei de Imprensa www.folha.com.br/080523′
Serra diz que Lei de Imprensa é ‘produto genuíno da ditadura’
‘O governador de São Paulo, José Serra (PSDB), defendeu ontem a revogação da Lei de Imprensa, ‘um produto genuíno da época da ditadura’.
‘A ditadura não tinha a menor simpatia pela imprensa livre e tratou de combatê-la e inibi-la com os meios à sua disposição. Um deles foi, exatamente, a Lei de Imprensa, nascida para cercear a informação e a crítica. É contrária ao espírito libertário da Constituição de 1988, que estimula e garante a liberdade de informação.’
O governador lembra que vários de seus dispositivos já não são aplicados porque foram revogados pela Constituição: ‘Ela se tornou, assim, especialmente confusa, sem que tenha perdido seu espírito autoritário’.
‘Não há razão para um tratamento discriminatório dos jornalistas. Eventuais crimes que pratiquem ou danos morais que cometam devem ser julgados, como acontece com qualquer pessoa, com a aplicação do Código Penal e do Código Civil e de modo proporcional ao dano realmente causado’, disse.
Sobre as ações de fiéis da Igreja Universal contra jornais, incluindo a Folha, Serra disse: ‘Sou a favor, e não poderia ser de outra forma, de que todas as pessoas e instituições possam se defender na Justiça, mas não aceito a criação de obstáculos artificiais ao exercício da defesa, com a pulverização de processos em dezenas de comarcas em diferentes Estados, caracterizando um abuso do direito de ação, uma espécie de litigância de má-fé’. De manhã, ele evitou opinar sobre o caso: ‘Não me sinto em condições de opinar sem ter mais detalhes a respeito do assunto. Acompanhei superficialmente’.’
IMPRENSA NA JUSTIÇA
Igreja pratica ‘assédio contra a mídia’, diz ONG
‘A ONG Repórteres sem Fronteiras, que desde 1985 atua internacionalmente em defesa da liberdade de imprensa, manifestou preocupação com o excesso de ações judiciais em nome de fiéis da Igreja Universal contra jornais brasileiros.
‘A liberdade de imprensa implica, evidentemente, dar a possibilidade a qualquer pessoa que se considere injuriada ou difamada de reclamar. Mas uma coisa é protestar, outra muito diferente é incorrer numa autêntica perseguição judicial. Por que razão a Igreja Universal do Reino de Deus não iniciou, como pessoa moral, processo único contra cada um dos diários?’, afirma a nota.
O texto diz ainda que a ‘multiplicação de ações individuais parece obedecer a uma verdadeira estratégia de assédio contra a mídia. O argumento religioso não tem nenhum valor no litígio que opõe a Iurd à Folha de S.Paulo. Expressamos todo o nosso apoio aos três jornais em causa [Folha, ‘A Tarde’ e ‘Extra’]’. A Folha é processada por 58 fiéis da igreja.
A Iurd entrou com ação contra o ‘Extra’ e a jornalista Gabriela Moreira pela divulgação de uma sentença da Justiça goiana condenando a igreja a devolver doação feita por uma fiel e a pagar R$ 10 mil em indenização.
A igreja considerou o conteúdo da matéria difamatório e pede uma indenização por danos morais. O ‘Extra’ noticiou o caso em que Gilmosa dos Santos doou um carro à igreja a pedido da filha, Edilene, que teria sido coagida a fazer a doação. Cabe recurso à decisão.’
FIDEL
O ‘cruel’, o ‘emotivo’, o ‘hábil’
‘BRASÍLIA – Em 1964, Mário Soares saiu de Lisboa, escapuliu para a então Tchecoslováquia, voou para o Canadá e depois de mil peripécias enfim chegou a Cuba, com nome e passaporte falsos. Comunista depois convertido ao socialismo, estava louco para conhecer Fidel Castro e o regime de Havana, um orgulho para a esquerda mundial.
Qual foi o resultado? ‘Fiquei decepcionado. Fidel era cruel, contra a liberdade, perseguia os adversários. Não era nada do que eu imaginava. Voltei triste para Portugal’, me contou Mário Soares anteontem. ‘E o regime [de 1959] ainda estava começando!’, acrescentou, agora com 83 anos.
Se ele considera Fidel Castro ‘cruel’, dedica adjetivos simpáticos ao maior aliado do ditador cubano na América Latina, Hugo Chávez: ‘Ao contrário do que dizem, o Chávez é um homem emotivo, que tem princípios democráticos e preocupação social. Foi uma pena ter insistido no referendo [para ter mandatos infinitos]’, disse o velho líder, um humanista que foi duas vezes primeiro-ministro e duas vezes presidente de Portugal.
Soares veio ao Brasil para entrevistas com Lula, com Serra e com Aécio quando a notícia da renúncia de Fidel explodiu. Na sua opinião, o governo Bush errou ao reagir com pedras na mão, anunciando que manteria o embargo e exigindo mudanças em Cuba, como se fossem donos da ilha.
Bem fez Lula, ‘hábil e sensato’, ao elogiar Fidel e dizer que o povo cubano é soberano para decidir o que é melhor para o país. Posicionou-se assim para ajudar na transição, analisou Mário Soares, que mantém um equilíbrio saudável que os próprios brasileiros não conseguem ter nas relações com tucanos, especialmente FHC, e com petistas, especialmente Lula.
Soares, aliás, estava impressionado com os 66,8% (CNT/Sensus) de aprovação de Lula. Ele acha que o Brasil vai de vento em popa.’
José Sarney
Cuba sem Fidel
‘FIDEL CASTRO, depois de 50 anos no comando de Cuba, anuncia que seu corpo não mais suporta a sua vontade, que seria de ficar no poder até ‘o desenlace adverso’ de que ele fala em sua carta de renúncia. Invocou o nosso glorificado Oscar Niemeyer para dizer que devemos perseverar até o fim.
Sua longa permanência no cargo se deve, em grande parte, aos acordos feitos por Kruschev com Kennedy. A então União Soviética, para retirar os foguetes com ogivas atômicas de Cuba, exigiu dos Estados Unidos a retirada de armas nucleares da Turquia e o compromisso de não invadir Cuba, o que era o maior objetivo e vontade do Tio Sam.
Com essa garantia, Fidel pôde tomar todas as atitudes de hostilidade que tomou contra os Estados Unidos, tentar exportar a revolução para o continente e também para a África, onde fez desembarcar tropas cubanas para ajudar o MPLA, movimento de independência de Angola.
A América Latina pagou um alto preço no contexto da Guerra Fria.
Montaram-se, para enfrentar e resistir ao avanço do comunismo, regimes militares que acabaram com instituições democráticas e levaram muitos países, inclusive o Brasil, a um período longo de autoritarismo. Também no rastilho dessa convulsão ideológica surgiram as guerrilhas que resultaram, no Peru, no Sendero Luminoso, no Uruguai, nos Tupamaros, na Argentina, nos Montoneros, na Colômbia, nas Farc etc., com ramificações que em cada país tiveram uma conotação diferente, mas sempre um chamamento aos ideais da Revolução Cubana, cujo marco romântico foi o martírio de Che Guevara na Bolívia.
Na América Central, com a crise da Nicarágua, chegou-se também à beira de uma invasão americana, que não ocorreu devido à ação diplomática do Grupo de Contadora e à participação neutralizante dos presidentes da época, entre os quais Alfonsín e eu.
Fidel sobreviveu até ao desmoronamento do Muro de Berlim e ao fim do comunismo. Permaneceu como o último baluarte ideológico da Guerra Fria.
Ele entrou como um mito igual a Bolívar na história das Américas.
Usou mão-de-ferro para sobreviver. Conseguiu acuar os Estados Unidos, limitando as suas ações imperiais.
Sua renúncia vira uma página da história. É o fim de um ciclo, ao qual ele teve a capacidade de chegar influindo em sua própria transição. O que vem pela frente ninguém sabe. O que se sabe é que seu nome, para amigos e inimigos, é tão forte que nem a morte apagará.’
Folha de S. Paulo
Jornal anuncia sucessão e diz que não há ‘transição’ na ilha
‘‘Apenas 72 horas nos separam de um dos momentos mais cruciais para os cubanos.’ Desta maneira, o jornal estatal ‘Juventud Rebeld’ começa o texto que apresenta a eleição do novo chefe do Conselho de Estado, cargo até a última terça ocupado pelo ditador Fidel Castro.
É a primeira menção da imprensa estatal sobre o processo sucessório de domingo, quando tomam posse os 614 deputados eleitos em 20 de janeiro.
Nenhuma palavra para possíveis nomes de substitutos para Fidel ou indicativos de que Raúl Castro, o irmão que há 19 meses ocupa interinamente o cargo, será confirmado nele.
O texto defende a representatividade dos parlamentares (embora só tenham ido às urnas exatos 614 nomes indicados) e diz que a média de idade deles é de 49 anos (56% nasceu depois de 1959), dos quais 265 são mulheres (43,16%) e 35,67% são negros e mestiços.
Apesar da menção a ‘momentos cruciais’, o tom tanto do ‘Juventud’ como o também estatal ‘Granma’ é evitar ecoar discussões sobre ‘transição’ ou mudanças no regime.
‘Qual é a transição? Perder a identidade?’, pergunta em editorial o ‘Granma’, que afirma que ela já ocorreu em 1959. Ontem, a Folha revelou que, a convite de Fidel, o último premiê alemão oriental, Hans Modrow, está em Havana para falar da transição em seu país.’
CAOS AÉREO
Metamorfose aérea
‘RIO DE JANEIRO – Uma das melhores notícias deste verão é uma não-notícia: os aeroportos funcionam normalmente. Incrível, não é? Tenho viajado bastante e acompanhado o noticiário e posso afirmar que não é propaganda do governo, é verdade. Você faz seu check-in, embarca e chega, como nos velhos tempos. Sim, ainda ocorrem atrasos, mas nada selvagem, a pontualidade não é o forte dos brasileiros em geral.
Basicamente, os controladores de vôo são os mesmos, são os mesmos aeroportos e equipamentos, as mesmas companhias aéreas, aviões e funcionários, agora pressionados pelo aumento de vôos na alta temporada de férias, com pacotes, descontos e promoções. Mas tudo está normal, ou quase. Chuvas muito fortes podem provocar atrasos e cancelamentos, nos horários de pico as filas são maiores, está ficando parecido com qualquer lugar do mundo.
Méritos do ministro Nelson Jobim e da presidente da Anac, Solange Vieira, e equipe. E de quem os nomeou. Mas tudo não teria sido muito menos penoso e traumático se o ex-ministro Waldir Pires e seus trapalhões tivessem sido demitidos um ano antes? Quanto sofrimento, desgaste político, dinheiro e talvez vidas teriam sido poupados? Até Lula, que sabe tudo, deve ter aprendido algo.
Principalmente sobre os perigos e conseqüências do aparelhamento político, com incompetentes, de órgãos vitais como a Anac e a Infraero. Quem tem saudades do comendador Zuanazzi, Denise Charuto e Lomantinho? Nem os seus padrinhos. Só quem acredita que o caos aéreo foi uma invenção da imprensa golpista. Mas como celebrar a ordem sem reconhecer o caos?
Esta metamorfose aérea, por seus erros e acertos, é exemplar para o país, para a voracidade cega dos políticos e para a limpeza e a eficiência da administração pública.’
TODA MÍDIA
Argentina vs. Petrobras
‘Deu no argentino ‘Clarín’, ao mesmo tempo em que saíam reportagens sobre ‘a crise de energia’ na América do Sul, no ‘Financial Times’, e até sobre ‘a tensão política que se começa a notar’, no ‘El País’. Avisa o ‘Clarín’, com eco por Reuters e outras, que para o café-da-manhã com Lula, amanhã, Cristina Kirchner quer levar ‘uma carta forte que envolve os negócios da Petrobras’. A ‘fonte do Planejamento’, diante da ‘intransigência brasileira’ em não ceder à Argentina parte do gás comprado da Bolívia, ameaçou ‘revisar os empreendimentos petroquímicos em que a Petrobras surge como grande consumidor de gás’.
TALVEZ, QUEM SABE
A nova ‘Economist’, sob o título ‘Quem foi?’, destaca o ‘estranho furto de segredos de petróleo e gás’ no Brasil. Avalia que Tupi e Júpiter talvez sejam ‘as descobertas do século, mas a excitação pode ter ultrapassado os limites normais’, daí o furto. Critica o transporte dos segredos ‘como soja’, mas se concentra em especular ‘quem pode ganhar’ com os dados. ‘Talvez investidores em ações, quem sabe uma companhia rival’ ou ‘concorrendo por exploração perto’ dos campos. De todo modo, ‘as coisas freqüentemente desaparecem dos contêineres de Santos’.
MUDAR
O Terra Magazine, que noticiou o furto, entrevistou ontem o presidente da Agência Nacional de Petróleo, Haroldo Lima. Avisa ele que a agência não vai mais realizar ‘nenhum leilão sem antes fazer um novo marco regulatório’.
NÃO MUDAR
No ‘Bom Dia Brasil’, a comentarista Míriam Leitão lamentou que o furto esteja ‘fortalecendo a idéia de afastar os concorrentes e suspender os leilões’. Defendeu ‘exploração em regime de concessão, com várias empresas’.
DINHEIRO DE SOBRA
Foi destaque nos sites todos, como ‘Pela primeira vez na história, Brasil tem caixa para zerar a dívida externa’, na Folha Online, e nos telejornais todos, como ‘O Brasil tem dinheiro de sobra para pagar a dívida externa’, no ‘Jornal Nacional’. Ou ainda, ‘As nossas reservas acabam de ultrapassar as nossas dívidas’, no ‘Jornal da Band’.
Também foi o maior destaque de Brasil nos sites de busca de notícias, com despachos de Bloomberg e outras ressaltando que o país ‘vira credor’, não mais devedor.
O DERRETIMENTO E O DESCOLAMENTO
Martin Wolf, do ‘FT’, escreveu a coluna ‘Economia da América sob risco da mãe de todos os derretimentos’, com perspectivas sombrias para os EUA (acima). Abriu um debate on-line que já ganhou uma pergunta-provocação de Jim O’Neill, o célebre oráculo dos Brics: ‘Se não existe ‘descolamento’, por que o petróleo está em US$ 100?’
TRISTE ILHA
Com capa que não deixa dúvida quanto ao que pensa do ‘Legado de Fidel Castro’, um cinzeiro, a ‘Economist’ preferiu olhar para a frente e defender no principal editorial: ‘Lamente o mal que ele fez. Mas retire o embargo contra uma ilha triste e ineficiente’
O HERDEIRO…
Desinteressado em Raúl, o ‘Wall Street Journal’ deu em destaque que ‘Saída de Castro põe Chávez na boca de cena’, em ‘papel maior’. A diferença imaginária entre eles envolve ‘carisma versus dinheiro’.
SEM ESTATURA
Do ‘Washington Post’ ao ‘Houston Chronicle’ e até Reuters, outros textos sobre o mesmo tema tiraram outra conclusão. ‘Chávez talvez não tenha estatura para herdeiro de Castro’, diz o ‘Chronicle’.’
TECNOLOGIA
Microsoft afirma que abrirá códigos do sistema Windows
‘A Microsoft deu um passo histórico ontem ao anunciar que está abrindo boa parte dos códigos e dos protocolos do Windows, o sistema operacional que roda em 95% dos computadores do mundo.
Da sede da companhia, em Redmond, nos EUA, o presidente Steve Ballmer, os vice-presidentes Bob Muglia e Brad Smith e o chefe de Arquitetura de Software, Ray Ozzie, anunciaram que, a partir das próximas semanas, quem quiser ter acesso às 30 mil páginas técnicas do Windows poderá acessá-las pelo site da empresa.
‘Essa mudança significa um passo importante na forma como fornecemos as informações de nossos produtos e serviços,’ afirma Ballmer. ‘Entendemos que em uma era de convergência tecnológica devemos compartilhar as informações’, diz.
Segundo Ballmer, a Microsoft divide informações há mais de 33 anos com seus parceiros e distribuidores ao redor do mundo, inclusive no Brasil. O objetivo com a mudança é permitir que eles possam criar novas frentes de negócios.
‘Abrindo nossos produtos, permitimos que surjam oportunidades de inovações e de serviços de maior valor agregado’, afirma Ray Ozzie.
De acordo com Ballmer, o segredo do Windows ainda ficará mantido a sete-chaves. Para os parceiros da Microsoft, aquelas empresas que já fazem parte da cadeia de venda e distribuição, os códigos poderão ser acessados sem cobrança de royalties ou de taxas.
Quem for explorar comercialmente as informações e não pertencer ao grupo de parceiros terá de pagar. ‘Não será o preço de uma licença, mas uma pequena taxa’, diz Ballmer.
As mudanças valerão para os seguintes produtos da Microsoft: Windows Vista, incluindo o .NET Framework, Windows Server 2008, SQL Server 2008, Office 2007, Exchange Server 2007, Office SharePoint Server 2007. As versões atualizadas desses programas também serão abertas.
O prazo para a liberação desses conteúdos está previsto para durar quatro meses, terminando em junho.
Em busca de resultados
Analistas estrangeiros afirmam que o novo modelo de negócio da Microsoft se explica pela pressão da UE (União Européia), que acusa a empresa de eliminar a concorrência.
‘Não acho que eles tomariam uma decisão como essa sem que a UE os pressionasse um pouco’, afirma Walter Pritchard, analista da Cowen & Co.
Apesar disso, a comissão antitruste da UE afirmou ontem que o esforço da Microsoft não encerra a questão. A empresa ainda enfrenta riscos de penalidades por supostamente impedir a concorrência. Para evitar o pior, a Microsoft concordou, em 2007, em deixar seus programas compatíveis com fontes abertas, como o Linux. Antes isso não acontecia, o que garantia a exclusividade de seus produtos e serviços.
Outros especialistas acreditam que a pressão da UE contou, mas, na prática, valeu o senso de oportunidade. ‘Essa também foi uma decisão de negócio’, afirma Nicholas Economides, professor da New York University. ‘Parte do mercado pede pela interoperabilidade.’
A interoperabilidade é uma tendência que exige dos desenvolvedores de software produtos que ‘conversem’ entre si.
Segundo Maurício Cacique, presidente da Associação de Parceiros da Microsoft no Brasil, a partir de agora, as chances de ganhar novos clientes são maiores. ‘Estimaria um acréscimo mínimo de 10% no total de clientes que podemos atender com essas novas possibilidades’, afirma.’
Camila Rodrigues e Gustavo Villas Boas
Mudança garantirá mais liberdade para usuário comum, afirmam especialistas
‘Para o usuário comum, os dados tornados públicos pela Microsoft _e o compromisso com os padrões da indústria_ deverão permitir mais liberdade na hora de trocar e utilizar documentos e aplicações criados por outros desenvolvedores.
Um exemplo é a navegação na internet. Sites criados em ambiente Microsoft e testados apenas para o seu navegador, o Internet Explorer, muitas vezes funcionam com falhas até em programas populares, como o Firefox, observa Bruno Souza, da Open Source Initiative, uma organização internacional sobre software livre.
‘A Microsoft sempre fez alguma coisa diferente do padrão, para prender o usuário no ambiente deles’, diz Souza. A comunidade de código aberto ou software livre cria programas com a estrutura acessível, que podem ser modificados e distribuídos livremente.
Para Augusto Campos, do site BR-Linux, ‘o anúncio não é perfeito, mas vai na direção certa: mais desenvolvedores vão poder criar softwares que conversem mais com os aplicativos da Microsoft’.
‘Mas a empresa não está abrindo seu código, apenas informando padrões de funcionamento e como programas de outras empresas podem usar recursos do sistema operacional Windows e de softwares da Microsoft’, disse Campos.
Especialistas vêem na ação da Microsoft uma reação a pressão de outros desenvolvedores e usuários de aplicações em código aberto. ‘O software livre amadureceu, não é visto como coisa de universitários. A IBM, o Google, a Sun e, recentemente, a Apple, por exemplo, foram nessa direção. Quem não fizer isso perderá mercado’, diz Odemir Bruno, livre-docente de computação da USP.’
TELEVISÃO
Globo inscreve até Xuxa e Ivete no Emmy
‘A Globo vai inscrever neste ano 30 programas, dez atores e nove atrizes no Emmy Internacional, o Oscar da TV mundial. As 49 inscrições são um recorde. No ano passado, foram 34.
Sem ganhar um Emmy desde o início da década de 80, a Globo voltou a dar atenção ao prêmio nos últimos anos. A estratégia, que visa dar maior visibilidade e prestígio internacional, além de aumentar as exportações, vem dando certo. Em 2007, a emissora emplacou cinco finalistas, sem contar os programas jornalísticos, que concorrem em evento à parte.
Neste ano, as chances da Globo aumentaram porque foi criado o prêmio para novelas. A emissora inscreverá ‘Paraíso Tropical’, ‘Duas Caras’, ‘Sete Pecados’, ‘Beleza Pura’, ‘Eterna Magia’ e ‘Desejo Proibido’.
Chama a atenção na lista de inscrições os especiais de Natal de Xuxa e Renato Aragão (programas para crianças e adolescentes) e o ‘Estação Globo’, apresentado por Ivete Sangalo, na categoria ‘programas de arte’. Ivete concorrerá com o especial de Roberto Carlos, com dois ‘Som Brasil’ (Gilberto Gil e Milton Nascimento) e três ‘Por Toda a Minha Vida’ (Nara Leão, Leandro e Tim Maia).
A Globo inscreverá ainda oito comédias (entre elas ‘Os Amadores’ e ‘A Grande Família’) e três minisséries/séries (‘Queridos Amigos’, ‘Antônia’ e ‘A Pedra do Reino’). Para evitar intrigas, a rede não revela os nomes dos atores e atrizes.
DIGITAL ‘A Grande Família’ será o próximo programa da Globo a ser todo gravado em alta definição, como já ocorre com a novela das oito. A temporada que estréia em abril já será em HD.
MUTAÇÃO A Globo reforçou as transmissões de futebol às quartas com inserções ao vivo de ‘Big Brother Brasil’. Mas nem assim conseguiu vencer de ponta a ponta a novela ‘Caminhos do Coração’, da Record. Anteontem, ‘Caminhos’ ficou 15 minutos isolada em primeiro lugar _e não apenas no intervalo de Rio Claro x Palmeiras.
RESERVA A Record estuda transferir o popular ‘Balanço Geral’ do horário do almoço para a faixa das 18h, caso o novo ‘Aqui Agora’ faça sucesso no SBT.
CONCORRÊNCIA Além de Joyce Ribeiro e Luiz Bacci, gravaram piloto do ‘Aqui Agora’ nesta semana os veteranos Christina Rocha e Herbert de Souza. O programa terá só dois apresentadores.
ESTRATÉGIA O SBT ainda não conseguiu convencer Salete Lemos a fazer uma coluna de economia popular no ‘Aqui Agora’. Desconfia-se de que a jornalista prefira ir para a Band, com Boris Casoy.
FRANQUIA Novo quadro do ‘Caldeirão do Huck’, o ‘Negócio Fechado’ não se dedicará apenas a ajudar donos de restaurantes em crise a se recuperarem. Segundo Huck, além dos quatro episódios com o badalado chef Alex Atala confirmados para 2008, haverá edições em outras áreas _como oficinas mecânicas.’
Janaina Fidalgo
Experimentações de Adrià vão à TV
‘Beber um copo de chá gelado com algumas gotas de limão é um prazer corriqueiro. Agora tente imaginar qual seria a sensação de sorver bolinhas de chá que, quando explodem na boca, liberam suco de limão. Ou então uma piña colada em que o rum não é simplesmente batido com leite de coco e suco de abacaxi, e sim misturado com gelatina e transformado, depois de um banho numa solução de cloreto de sódio, em esferas que envolvem o conteúdo alcoólico.
E, acredite, essas são as criações mais ‘bobinhas’ saídas da cozinha-laboratório de Ferran Adrià, personagem de ‘La Revolution Culinaire’, um dos documentários de uma série francesa e que vai ao ar hoje pelo SescTV. A programação inclui ainda a exibição, amanhã (21h), de um debate com Hervé This, pai da gastronomia molecular.
As cenas filmadas no El Bulli, o restaurante de Adrià que fica à beira de uma baía, na Catalunha, cumprem a função de aproximar o espectador de um tema ainda distante e aguçar nele a vontade de passar por aquelas experiências sensoriais. A névoa de nitrogênio líquido, elemento usado em várias receitas-experiências, causa estranhamento, é certo. Mas, se as previsões de Adrià se confirmarem (ele diz que em quatro anos o nitrogênio será tão usado quanto o fogo e a água), é bom ir se acostumando com ele.
LA REVOLUTION CULINAIRE
Quando: hoje, às 22h
Onde: no SescTV’
CINEMA
Para Salles, ‘Tropa’ segue ‘Cidade’
‘Primeiro brasileiro a ganhar o Urso de Ouro do Festival de Berlim, por ‘Central do Brasil’, há dez anos, o carioca Walter Salles, 51, acha que o mesmo prêmio entregue a ‘Tropa de Elite’ no último fim de semana reforça uma tendência iniciada com ‘Cidade de Deus’ (2002).
O filme de Fernando Meirel- les teria lançado uma espécie de modelo caracterizado pelo tratamento de ‘temas urgentes a partir de livros que viram realidades específicas desde dentro’. Leia, a seguir, entrevista que o cineasta concedeu à Folha, comentando o prêmio de ‘Tropa’, que sai em DVD no próximo dia 27.
FOLHA – O que achou da premiação de ‘Tropa de Elite’ em Berlim?
WALTER SALLES – Um feito e tanto. José Padilha e seus colaboradores mais próximos, como Wagner Moura, o roteirista Bráulio Mantovani, o produtor Marcos Prado e o montador Daniel Rezende estão de parabéns. O argumento de que a seleção deste ano era fraca não é pertinente: Paul Thomas Anderson, Mike Leigh e o diretor coreano Hong Sang-soo são cineastas que dão relevância e legitimidade a qualquer festival.
FOLHA – O filme foi acusado de ‘fascista’. Você achou surpreendente que um festival presidido por um cineasta de esquerda, como Costa-Gavras, premiasse ‘Tropa’?
SALLES – Uma das características mais interessantes do filme é justamente a de embaralhar esses conceitos. Um exemplo: dois críticos tão respeitados quanto Cássio Starling Carlos, da Folha, e Thomas Sotinel, do ‘Le Monde’, leram o mesmo filme de forma inteiramente diferente.
FOLHA – José Padilha disse que a vitória de ‘Tropa’ reforça a evolução técnica do cinema brasileiro desde a tão falada ‘retomada’, dos anos 90. Concorda com isso?
SALLES – O filme de José Padilha reforça uma tendência iniciada por Fernando Meirelles em ‘Cidade de Deus’, que é a de tratar de temas urgentes a partir de livros que viram realidades específicas desde dentro. No caso de ‘Cidade de Deus’, o ótimo livro de Paulo Lins. No de ‘Tropa’, o de Rodrigo Pimentel, Luiz Eduardo Soares e André Baptista. A questão técnica está sujeita a uma gramática cinematográfica que parece dialogar com ‘Cidade de Deus’: cortes rápidos, voz em ‘off’, mistura de atores profissionais e não profissionais.
FOLHA – Você concorda com a idéia de que, ao lado de ‘Central do Brasil’ e ‘Cidade de Deus’, ‘Tropa’ forma um conjunto que define a temática do novo cinema brasileiro?
SALLES – Não, isso seria reduzir em excesso suas possibilidades e características. Onde ficariam um filme tão brilhante quanto ‘Cão sem Dono’, do Beto Brant, ou tão agudo e delicado quanto ‘Mutum’, de Sandra Kogut? São produções que, mesmo sem atingir um grande público, irrigam e oxigenam toda uma cinematografia.
Onde ficariam, também, os documentários? Um universo que o próprio Padilha ajudou a enriquecer com ‘Ônibus 174’ e que passa por uma fase fértil?
Da mesma forma, o cinema chinês não é só Zhang Yimou ou Chen Kaige. É também Wang Bing e Jia Zhang-ke, e é salutar que seja assim.’
Sérgio Rizzo
Filme condensa bem questões adultas sob perspectiva juvenil
‘É muito razoável que os holofotes voltados para ‘Juno’ se concentrem em Ellen Page, 21, cuja carreira teve início aos dez, mas há ao menos outra moça talentosa a destacar na criação desse sucesso de bilheteria (US$ 130 milhões nos EUA, e subindo), o maior entre os cinco candidatos ao Oscar de melhor filme.
O nome dela é Brooke Busey, 29, mas pode chamá-la de Diablo Cody, sonoro pseudônimo que adotou como escritora.
‘Juno’, seu primeiro trabalho filmado, lhe valeu o prêmio de roteiro original do Writers Guild of America (WGA), o sindicato dos roteiristas dos EUA.
A vida de Cody parece tão característica dos novos tempos quanto a de Juno, a personagem difícil que a simpatia de Page torna verossímil e sedutora. Ela mudou de cidade para se casar com um namorado de internet, largou um bom emprego em agência de publicidade para trabalhar como stripper, foi atendente de telessexo e publicou um livro (‘Candy Girl’) baseado nas experiências.
A gravidez não-planejada de Juno e a forma inusitada de lidar com a novidade envolvem aspectos comuns à biografia de Cody -adolescentes apresentados precocemente a problemas adultos, um mundo de estímulos constantes aos quais parece difícil resistir, a busca de paz e liberdade de ação em sociedade orientada por valores como sucesso, posse e status.
Respeito ao outro
Se Cody levar o Oscar de roteiro original, que disputa como favorita, será mais um reconhecimento de que o apelo do filme se estrutura na maneira feliz de condensar, da perspectiva juvenil, o incômodo com esses modelos de comportamento e a crença de que cada um deve tocar a vida como achar melhor, desde que respeite as opções do outro.
As demais indicações de ‘Juno’ – melhor filme, direção (Jason Reitman, de ‘Obrigado por Fumar’) e atriz- o lançam em briga de cachorro grande, mas, de alguém que resolve se chamar Diablo e tem essa energia, nenhuma possibilidade de façanha deve ser desprezada.
JUNO
Produção: EUA, 2007
Direção: Jason Reitman
Com: Ellen Page, Michael Cera, Jennifer Garner e Jason Bateman
Quando: estréia hoje nos cines Bristol, Eldorado, Espaço Unibanco e circuito
Avaliação: bom’
Thiago Ney
Juno é como qualquer garota, diz Page
‘Será que uma adolescente realmente faria isso? Será que uma garota de 16 anos, após uma gravidez inesperada, doaria o bebê para um casal? Faria, sim. Faria porque Ellen Page nos faz acreditar que faria.
Ellen Page, canadense que completou 21 anos ontem, vive Juno, a garota grávida, em ‘Juno’, o filme. Sua atuação como uma jovem esperta, sarcástica, dona de um vocabulário rápido e agudo, rendeu-lhe uma indicação ao Oscar de melhor atriz. O longa ainda concorre em filme, direção (Jason Reitman) e roteiro original (Diablo Cody).
Antes de ‘Juno’, Page esteve em filmes como ‘Meninamá.com’ e ‘X-Men 3’. A Folha falou com a atriz numa conferência por telefone, junto de outros jornalistas.
PERGUNTA – É verdade que você se preparou para atuar no filme lendo ‘Pregnancy for Dummies’ [gravidez para idiotas]? Se sim, o que você aprendeu com o livro?
ELLEN PAGE – É verdade. Me deu uma idéia básica, estranha… Quando li, não sabia muita coisa [sobre gravidez], foi bom para me informar um pouco…
PERGUNTA – Como você ajudou Jason Reitman a criar o personagem?
PAGE – Li o roteiro da Diablo Cody e gostei bastante. E, numa filmagem, você sempre traz algo de si para um personagem. Jason e eu trabalhamos juntos em alguns aspectos do personagem, como suas roupas. Eu trouxe um pouco do vocabulário, da linguagem corporal.
PERGUNTA – Você chegou a dizer numa entrevista que teve experiências marcantes durante a adolescência. Poderia dar exemplos?
PAGE – Huummm, não.
PERGUNTA – Por que não?
PAGE – Porque é pessoal.
PERGUNTA – Você leu o roteiro há cerca de três anos. Por que demorou tanto para o filme ficar pronto?
PAGE – Li o roteiro há dois anos e meio. Não acho que seja tanto tempo. Há filmes que demoram seis, sete anos para serem produzidos. Talvez o fato de este ser um filme diferente, uma comédia sobre uma garota jovem, inteligente, tenha dificultado a produção. Ou talvez eles não tivessem o dinheiro suficiente.
PERGUNTA – Você não queria aceitar o papel em ‘X-Men 3’. Por quê?
PAGE – Não que tivesse nada contra ‘X-Men’, mas estava no colégio, curtindo a vida de adolescente, e em princípio não me interessei. Mas o diretor me ligou e me fez mudar de idéia.
PERGUNTA – Como você ajudou Reitman a escolher a trilha sonora?
PAGE – Ele me perguntou em um de nossos encontros que tipo de música Juno poderia ouvir. E eu disse Moldy Peaches [dupla norte-americana de folk]. Então fui ao computador dele, baixei algumas músicas da banda -pelo iTunes, pagando por elas…-, e ele adorou. Pouco depois fiquei sabendo que ele havia contatado Kimya Dawson [vocalista da dupla] para trabalhar na trilha.
PERGUNTA – Você é muito fã de música? O que gosta de ouvir?
PAGE – Adoro música. Gosto de Cat Power, Peaches, Radiohead, Sigur Ros, CocoRosie…
PERGUNTA – Que tipo de reação ‘Juno’ recebeu do público americano? Teve gente que não gostou de ver uma adolescente lidar com a gravidez daquela maneira, não?
PAGE – Algumas pessoas enxergaram dessa forma, sim, mas é uma situação que acontece com as adolescentes, então sinto muito se tive de informar os pais americanos sobre isso…
PERGUNTA – Você costumava jogar futebol quando adolescente? Não consigo imaginar uma garota como você jogando futebol…
PAGE – Por quê? Por que eu sou pequena? Isso não é muito simpático… Brincadeira. Comecei a jogar futebol quando tinha cinco anos, e parei por causa de minha carreira.
PERGUNTA – Alguns críticos dizem que Juno não é real, que as adolescentes não agem assim. O que acha?
PAGE – Não concordo. Estamos tão acostumados à visão única como os adolescentes são retratados pela mídia que, quando aparece um personagem que é multifacetado, cool, engraçado, esperto, articulado, as pessoas acham que é alguém que não existe. Mas esse tipo de adolescente existe, sim. Li outro dia que muitas meninas assistem a ‘Juno’ três, quatro vezes, porque elas estavam desesperadas para encontrar alguém como elas no cinema. Juno é como a maioria dos adolescentes que eu conheci no colégio.’
‘É preciso subverter os filmes de gênero’
‘Três anos após ‘Marcas da Violência’, o diretor canadense David Cronenberg, 64, volta hoje às salas do país com ‘Senhores do Crime’, em que acompanha o encontro de Nikolai (Viggo Mortensen, indicado ao Oscar pelo papel), motorista de um clã da máfia russa, com a enfermeira londrina Anna (Naomi Watts), a partir da descoberta de um diário.
Na entrevista a seguir, concedida ao jornal francês ‘Le Monde’, ele responde à sugestão da crítica de que tem se aproximado de um cinema mais comercial, compara a escalação de elenco à magia negra e descreve o papel do corpo (sua obsessão desde sempre) no novo filme.
PERGUNTA – O que o atraiu na história de ‘Senhores do Crime’?
DAVID CRONENBERG – O crime é sempre fascinante porque os criminosos vivem em constante estado de transgressão. Eles estão além da sociedade, ainda que aparentem fazer parte dela. Trata-se, igualmente, de uma história multicultural. Toronto, a cidade em que vivo, como Londres, o local em que a história transcorre, orgulham-se de ser cidades multiculturais. Ao contrário dos EUA, ao desembarcar em qualquer uma delas não é preciso abandonar sua cultura e sua herança nacional. A cultura de todas essas comunidades cujas atividades giram em torno do crime é a de seus países de origem.
PERGUNTA – A escolha dos atores é um processo óbvio?
CRONENBERG – Depois da filmagem, é o que parece. Escolher o elenco de um filme é uma espécie de magia negra. É preciso levar diversos fatores em conta, especialmente o orçamento. Isso posto, eu pensei imediatamente em Viggo Mortensen, porque me parecia, quando rodei ‘Marcas da Violência’ com ele, que seria capaz de interpretar um russo. E eu também tinha descoberto que ele tem bom ouvido musical e fala diversos idiomas. O primeiro ator escolhido é importante porque, em seguida, é preciso que haja uma espécie de alquimia em relação aos demais.
PERGUNTA – O que o senhor pensa daqueles que dizem que retornou ao cinema de gênero?
CRONENBERG – Muita gente diz que retornei a um cinema mais comercial. Mas o gênero jamais foi uma preocupação para mim. Comecei fazendo filmes de terror, de ficção científica, e depois passei por filmes sobre identidades mascaradas, como ‘M. Butterfly’ e ‘Mistérios e Paixões’. Quando você trabalha em um filme, não pensa nesse tipo de classificação. O que preocupa é escolher as roupas dos personagens ou as lentes usadas na filmagem. Mas, por outro lado, é possível explorar a energia dos gêneros. No entanto, caso você faça aquilo que as convenções ditam, terá realizado um filme tediosamente previsível. É preciso subverter o gênero.
PERGUNTA – Seria possível afirmar que ‘Senhores do Crime’ é, acima de tudo, uma tragédia?
CRONENBERG – Para alguns dos personagens, isso é evidente. Mas não para outros. Na verdade, não é uma questão que eu tenha me proposto. O que importa mesmo é a emoção.
PERGUNTA – Uma das idéias do filme é que os laços de sangue são uma maldição.
CRONENBERG – Em ‘Senhores do Crime’, muitos personagens são prisioneiros. Anna, que leva uma vida comum, tediosa, desbotada, deixa-se fascinar pelo mundo do restaurante russo, repleto de animação, música, crianças. Mas o lugar é também uma jaula, em que pessoas estão encurraladas.
Uma das prisões mais terríveis é a da família. Tanto aquela que é dirigida pelo pai interpretado por Armin Mueller-Stahl quanto a família criminosa. Os indivíduos procuram se integrar a estruturas das quais não possam escapar. Entre elas, a identidade nacional é o elemento mais forte. Cada estrutura tem seu código próprio. As tatuagens corporais dos criminosos são um deles. Com essas tatuagens, surge a impressão de que o corpo conta uma história.
Elas são o elemento visual mais importante. E a metáfora do completo envolvimento com um código, uma ideologia.
PERGUNTA – A luta na sauna é um momento espantoso.
CRONENBERG – Isso é fruto da confiança que Viggo Mortensen e eu sentimos um em relação ao outro. Quando decidimos coreografar a briga, Viggo achou que deveria estar nu. Qualquer outra coisa reduziria o realismo necessário a uma cena como aquela. Viggo é um ator autêntico, não um astro que procura se proteger a qualquer preço.
PERGUNTA – A sua maneira especial de filmar Londres não faz da cidade um lugar abstrato?
CRONENBERG – A mim é impossível filmar uma idéia abstrata. Preciso partir da realidade. Os locais de filmagem foram tão importantes quanto os atores. Evitamos o Big Ben e Notting Hill, e filmamos uma Londres autêntica, desconhecida, a dos imigrantes, das periferias. Lugares perfeitamente reais, mas que, na tela, não causam essa impressão. Pois o cinema cria seu universo próprio, que jamais se assemelha à realidade.
Tradução de PAULO MIGLIACCI’
Pedro Butcher
Indicada ao Oscar, animação mostra comovente e fascinante viagem ao Irã
‘Um pouco como ‘Tropa de Elite’, ‘Persépolis’ na França gerou debates acalorados em torno de questões políticas e sociológicas, deixando aspectos técnicos e estéticos do filme em segundo plano. A polêmica começou durante o Festival de Cannes, em maio passado, onde ‘Persépolis’ foi exibido em competição e terminou levando o Prêmio do Júri. No dia de sua exibição oficial, o governo iraniano divulgou uma nota de repúdio condenando a forma como o país é representado na obra de Marjane Satrapi.
Em meio ao interesse crescente pelas animações, ‘Persépolis’ se destaca por ser a adaptação mais fiel possível de uma história em quadrinhos -ou romance gráfico, para usar o termo em voga. Com Vincent Paronnaud, a própria autora dos quatro volumes originais se responsabilizou pela transposição para o cinema, reproduzindo seu estilo muito pessoal, de traços simples e uso quase exclusivo do preto-e-branco. Antes de tudo, portanto, ‘Persépolis’ é uma experiência fascinante no campo de animação (o filme recebeu uma indicação ao Oscar na categoria), com um resultado cômico e comovente, sempre original.
Assim como ‘Maus’, de Art Spiegelman, primeiro romance gráfico reconhecido com um Prêmio Pulitzer, ‘Persépolis’ é um relato autobiográfico radicalmente pessoal -ainda que de impacto bem inferior à obra-prima de Spiegelman, é bom deixar claro. Satrapi relata de maneira direta e franca sua infância no Irã, no fim dos anos 70, em meio à turbulência da revolução islâmica. É um depoimento que revela os sentimentos de uma menina que já experimentou certo grau de liberdade e, de repente, se vê, por exemplo, obrigada a usar um véu para esconder os cabelos quando vai para a escola.
Satrapi entrelaça muito bem a história de seu país e sua vida pessoal, sempre pelo caminho de um ponto de vista singular.
É raro ver no cinema uma representação tão honesta das vicissitudes da adolescência, sublinhadas, aqui, por uma transformação histórica que torna tudo mais difícil. A autora foi acusada de desprezar o Irã e bajular a França, país onde mora até hoje -uma reação exagerada que procura diminuir a maior qualidade de ‘Persépolis’, que é sua recusa a cair na esparrela de defender formas de opressão em nome de ‘diferenças culturais’. Satrapi não se omite e paga um preço por isso. ‘Persépolis’ é, sim, crítico ao Irã, mas, ao contrário do que pregam seus detratores, defende a diferença.
PERSÉPOLIS
Produção: França, EUA, 2007
Direção: Vincent Paronnaud e Marjane Satrapi
Com (vozes): Chiara Mastroianni, Catherine Deneuve e Danielle Darrieux
Onde: estréia hoje no HSBC Belas Artes, Villa-Lobos e circuito
Avaliação: bom’
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O Estado de S. Paulo
Sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008
LEI DE IMPRENSA
Liminar suspende partes da Lei de Imprensa
‘O ministro Carlos Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu liminar parcial a uma ação impetrada pelo deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) que pediu a suspensão de artigos da Lei de Imprensa, editada pelo governo militar, em 1967. Com essa decisão, todos os processos judiciais que invocaram a lei e estão em tramitação ficam suspensos, assim como as decisões com base em 22 dispositivos dela, até o julgamento do mérito, a ser feito pelo plenário do STF.
‘A imprensa e democracia, na vigente ordem constitucional brasileira, são irmãs siamesas. Por isso que, em nosso país, a liberdade de expressão é a maior expressão da liberdade, porquanto o que quer que seja pode ser dito por quem quer que seja’, afirmou o ministro Britto em sua decisão.
Foram derrubados os artigos que regulam a punição de jornalistas por supostos delitos de imprensa e que prevêem penas mais severas que o próprio Código Penal. Enquanto a Lei de Imprensa prevê para o crime de calúnia uma pena máxima de três anos de detenção, o Código Penal prevê dois anos; para a injúria, a lei prevê um ano e o Código, seis meses; e para a difamação, a lei estabelece 18 meses e o Código, um ano.
Perdeu a validade também o artigo que prevê aumento de um terço das penas, caso haja calúnia e difamação contra os presidentes da República, da Câmara e do Senado, ministros do Supremo, chefes de Estado e diplomatas.
Fica igualmente suspenso o artigo que permite a apreensão de jornais e revistas que ofendam a moral e os bons costumes e a punição para quem vender ou produzir esses materiais. O restante da lei pode cair quando o assunto for levado ao plenário do Supremo, em data a ser marcada.
Na decisão liminar, o ministro derruba também as penas de multa para notícias falsas, deturpadas ou que ofendam a dignidade de alguém. Também cai a possibilidade de espetáculos e diversões públicas serem censurados.
A ação para a derrubada da lei – uma Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental – argumenta que a Constituição de 1988, promulgada há 19 anos, estabelece princípios que são contraditórios com a maior parte dos artigos da Lei de Imprensa. Essa incompatibilidade, se reconhecida pelo STF, determinará a anulação da lei.
ENTULHO AUTORITÁRIO
A Associação Brasileira de Imprensa (ABI), a Associação Nacional de Jornais (ANJ) e a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) saudaram ontem a decisão do ministro Britto como um gesto que remove um dos últimos entulhos remanescentes do período autoritário. ‘A revogação de dispositivos da Lei de Imprensa tem conteúdo libertário’, disse o jornalista Maurício Azêdo, presidente da ABI.
‘Essa decisão vai permitir avançar na derrubada de entulhos que dificultam o pleno exercício da liberdade de expressão’, afirmou Paulo Tonet Camargo, diretor do Comitê de Relações Governamentais da ANJ. Para ele, além dos vícios autoritários, a Lei de Imprensa tem dispositivos ‘que não deveriam estar nela’, como o registro de empresas jornalísticas e o direito de resposta.
Sérgio Murillo de Andrade, presidente da Fenaj, disse que a derrubada de artigos da Lei de Imprensa é saudada com unanimidade pelas entidades patronais e trabalhistas da imprensa brasileira. ‘O que se espera agora é que o parlamento brasileiro defina uma lei democrática.’’
IMPRENSA NA JUSTIÇA
Acadêmicos reprovam postura da Universal
‘A polêmica sobre as ações da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd) contra empresas jornalísticas e jornalistas chegou à comunidade acadêmica da área de comunicação social. Vanderlei Dias, coordenador do curso de Jornalismo do Instituto Mackenzie, escola de tradição protestante, não viu problemas, em termos jornalísticos, na reportagem da Folha de S.Paulo que tem sido questionada em ações judiciais movidas por fiéis e pastores da Universal em todo o País. ‘O jornalista pode investigar o que bem entender e não acredito que algum deles tenha sido pautado para prejudicar a igreja.’
Para o chefe do Departamento de Jornalismo da PUC-SP, professor Hamílton Otávio de Souza, a própria Universal poderia, se tivesse se sentido caluniada, contestar a reportagem com base em dados. ‘Do jeito que foi feito, com ações individuais em 20 Estados, obviamente orquestradas, extrapola o que seria o justo direito de resposta e se constitui em uma odiosa tentativa de intimidação de empresas e jornalistas.’
A exemplo da OAB nacional, a regional do Rio da Ordem dos Advogados do Brasil, por meio do seu presidente, Wadih Damous, também se manifestou contrariamente à pretensão da igreja. Em nota, Damous condenou a estratégia de ações orquestradas nacionalmente. ‘A OAB-RJ defende a inteira liberdade religiosa e o respeito a toda e qualquer crença, mas conclama o Poder Judiciário a não se deixar instrumentalizar por segmentos que não aceitam críticas e querem agredir a liberdade de imprensa no País.’
Para o jurista Damásio de Jesus, a questão judicial poderia se resolver no âmbito da legislação que trata dos crimes de calúnia, injúria e difamação. Caberia à Iurd solicitar uma retratação, já que se considera ofendida pela reportagem. ‘A vítima de uma ofensa tem que senti-la e é difícil concluir se os fiéis realmente sentiram. A Universal é que, como instituição, deveria entrar em juízo.’
Jornalista de formação, o deputado Fernando Gabeira (PV-RJ) expressou solidariedade aos jornalistas processados pelos membros da Universal. ‘Se não nos levantarmos em protesto diante dessa situação, estará pavimentado o caminho para que todos sejamos vítimas de ações semelhantes no futuro.’
A Igreja Universal se defendeu em nota, divulgada terça-feira, alegando que já entrou com ações contra o jornal e ‘não tem interesse em orquestrar ações individuais por parte dos seus fiéis’.’
CUBA
Fidel e o tédio
‘A notícia da aposentadoria de Fidel era esperada. Não houve surpresas. Há quem brinque: agora que ele não tem mais nada para fazer, pode escrever seus discursos, em vez de pronunciá-los – isso irá aumentar a produtividade socialista, pois os cubanos poderão reservar ao trabalho, sem aborrecimentos, muito mais horas. De fato, os discursos de Fidel eram incomparavelmente longos. E na Ilha, quando algum visitante pergunta a um amigo local (bem amigo) se é verdade que há tortura ali, alguns dizem: você mesmo vai presenciar uma cena de tortura hoje, pois está marcado para à tarde um discurso do presidente Fidel Castro. Um discurso não costumeiramente longo de Fidel pode começar às duas da tarde e ir noite adentro.
Cuba sem Fidel continuará pobre. As pessoas ali continuarão, talvez por um tempo ainda, a ser tratadas sem nenhum respeito pelo governo, como o que vimos na ‘chamada de volta para a casa’, na época do Pan. Do outro lado, no Continente, os Estados Unidos continuarão o embargo econômico – que é mais um símbolo do que algo que realmente tenha feito Cuba chegar à situação de pobreza em que vive. Cuba, antes de ser uma ‘experiência de socialismo’, é a garantia de emprego para muitos agentes da CIA da velha guarda, gente especializada no ‘combate ao comunismo’. Esse pessoal torce para que Chávez permaneça no poder e ocupe o lugar de Fidel na América Latina. Pois esses agentes são burocratas que não têm mais idade para aprender árabe e deixar de lado o comunismo. Vários deles não poderiam se reciclar para a tarefa de combate ao ‘novo inimigo dos Estados Unidos’, o ‘terrorismo oriental’.
Como qualquer outra instância burocrática, a CIA faz de tudo para parecer útil aos olhos do contribuinte americano, e isso tem levado a agência a um clima tenso internamente. Os novos agentes estão já há dez anos envolvidos exclusivamente com o mundo árabe, sem relacioná-lo ao comunismo. Mas ainda há uma parcela de agentes, hoje em cargos executivos dentro da agência, que ou aprendeu russo ou se dedica única e exclusivamente à ‘América Latina, como foco do comunismo’. Esse pessoal, e suas famílias, estão mais preocupados com a aposentadoria de Fidel do que qualquer um de nós, fora ou dentro de Cuba.
Mas, se Cuba é pobre pelo fracasso da economia socialista, e se todos nós sabemos que não há liberdade nem política nem de expressão na Ilha, qual a razão de ainda termos intelectuais e políticos, em nosso país, e até mesmo no governo, que falam de Cuba como se estivessem falando do paraíso? Simples desinformação? Miopia ideológica misturada a algum tipo de esquizofrenia? Ou apenas oportunismo, para manter bases eleitorais que ainda possam existir em grupos estudantis?
Todas essas perguntas podem ser respondidas positivamente, mas, é claro, só a direita gostaria de vê-las todas, de fato, respondidas positivamente. Não é meu caso. Conheço vários intelectuais sérios – e alguns até inteligentes – que consideram Cuba um farol. É que esses intelectuais nunca olharam para Cuba para enxergar Cuba, eles sempre olharam para Cuba para comparar Cuba com o que chamam de ‘o resto’. E ‘o resto’, para eles, é um mundo em que não importa a democracia, e sim o capitalismo. Olham para o capitalismo e enxergam nele, talvez justamente, o demônio. Mas não olham para o mundo fora de Cuba para ver que temos mais coisas além de capitalismo; temos também a democracia. Essas pessoas ainda não perceberam que o capitalismo e a democracia não são parentes. E eis a China aí para não nos deixar enganar: ditadura de partido único com introdução de princípios capitalistas. A democracia é o regime que pode domesticar o capitalismo, torná-lo menos agressivo e, ao mesmo tempo, manter sua capacidade – inegável – de criar tecnologia e distribuí-la melhor que o socialismo.
Todavia, a democracia não empolga. Qual a razão de ela não empolgar? É que a democracia é um regime necessariamente de tédio. Ela não foi criada para excitar as pessoas, ela foi criada para aquelas pessoas que querem tocar a vida individual. A democracia moderna, nesse sentido, é um produto tipicamente burguês. Ela é o regime político que põe as coisas na rotina, que faz com que um governante seja substituído por outro, que leva as opiniões do senso comum em consideração e que, enfim, leva as pessoas a buscarem a felicidade no lar, a quatro paredes, talvez só na cama. Espíritos revolucionários, e não raro totalitários, odeiam esse tédio. E então não conseguem perceber que esse tédio é altamente… emocionante para aqueles que possuem imaginação. Pois é na rotina que podemos fazer as melhores coisas. Quando todo dia fazemos um pouco de coisas boas, fazemos muito. É assim que se constrói um país livre e bom de se viver: fazendo das melhores práticas, rotinas. Para quem tem imaginação, isso é altamente empolgante.
O povo cubano foi castrado na sua imaginação. O mesmo aconteceu com o povo que, um dia, foi chamado de ‘soviético’. Caso a aposentadoria de Fidel venha a significar o começo de um caminho para a democracia, Cuba irá dar passos duros para saber apreciar aquilo que os povos do Leste Europeu têm sofrido para conseguir apreciar: emoção não vem da política, vem de tudo, menos da política. Não há nada emocionante em passar uma vida como ‘soldado da revolução’. A política democrática é para administrar o rotineiro, não para dar emoção. É nisso que ela é útil; é nisso que ela é bela. Torço para que o povo cubano possa, logo, ficar no tédio. O tédio da democracia não é o tédio de longos discursos. Longos discursos não levam ao tédio, eles levam ao marasmo e, não raro, apenas encobre a tortura – real.
Paulo Ghiraldelli Jr. é filósofo Site: www.ghiraldelli.pro.br’
O Estado de S. Paulo
‘Granma’ responde a Bush
‘O jornal oficial cubano, ?Granma?, negou ontem que a renúncia de Fidel Castro à presidência de Cuba leve o país a uma transição, conforme indicou o presidente americano, George W. Bush. Em um artigo intitulado ?Qual é a transição? Perder a identidade??, o jornal cubano qualificou como ‘discurso ultrapassado’ as declarações de Bush e de outros políticos americanos, que disseram esperar pelo início de um processo de transição na ilha.
‘Para os cubanos, esse é um discurso ultrapassado. Os EUA têm concentrado seus ataques a Cuba com a personalização do processo revolucionário para assim ocultar de modo enigmático o verdadeiro objetivo que os animam: destruir a Revolução Cubana’, disse o jornal, órgão oficial do Partido Comunista de Cuba.’
TECNOLOGIA
Microsoft vai abrir códigos do Windows
‘A Microsoft, maior empresa de software do mundo, anunciou ontem que irá publicar parte dos códigos de produtos importantes como o Windows Vista, até então mantidos em segredo, o que permitirá a programas feitos por concorrentes funcionarem melhor com os da Microsoft. A medida é uma resposta às preocupações antitruste européias. A empresa planeja tomar ainda outras medidas para responder às demandas européias.
A Comissão Européia informou que a medida anunciada ontem não resolve o principal problema, que é a forma como os produtos da empresa são integrados uns aos outros. A Microsoft tem sido criticada por impedir a competição ao incorporar programas, como o tocador de conteúdo digital Media Player, ao sistema operacional Windows, e por manter em segredo detalhes que são necessários aos programadores rivais para garantir uma operação eficiente de seus produtos com programas da Microsoft.
‘A questão da integração de produtos é muito mais importante porque o modelo de negócios da Microsoft tem como base a melhora contínua dos produtos’, afirmou Toan Tran, analista da Morningstar. ‘Se a Microsoft não puder acrescentar novas funcionalidades, haverá uma restrição ao modelo de negócios do Windows.’
O presidente-executivo da Microsoft, Steve Ballmer, reconheceu que os sistemas abertos – que incluem o sistema operacional Linux e o site de rede social Facebook – estão se tornando um fator importante de crescimento para muitas empresas de software.
‘Acredito que o sucesso de longo prazo da Microsoft depende de nossa habilidade de oferecer uma plataforma de software e de serviços que é aberta, flexível e oferece escolha a clientes e desenvolvedores’, disse. Para tornar mais fácil o desenvolvimento de software por terceiros, a Microsoft vai publicar em seu site as chamadas Application Program Interfaces (APIs), partes de código necessárias para que programas de outras empresas funcionem bem com os da Microsoft.
Em setembro, um tribunal da União Européia (UE) manteve a condenação à Microsoft por abuso de sua posição dominante no mercado. A corte manteve as sanções da UE contra a Microsoft – a empresa foi condenada por empacotar seu software e se recusar a oferecer a concorrentes informações que permitam a seus produtos funcionarem bem com o Windows.
As autoridades européias se mostraram céticas em relação ao anúncio da Microsoft. ‘A Comissão aplaude qualquer movimento na direção de uma interoperabilidade verdadeira’, informou Comissão Européia, em comunicado. ‘Mesmo assim, a Comissão destaca que o anúncio de hoje segue pelo menos quatro anúncios parecidos feitos pela Microsoft no passado sobre a importância da interoperabilidade.’ A comissão acrescentou que o anúncio não responde às acusações de integração de produtos.’
Problemas na Europa
‘Competição: A Microsoft foi condenada pela União Européia por abuso de poder de mercado. As autoridades européias acusam a maior empresa de software do mundo de ter integrado outros produtos no Windows para dificultar a competição e de ter impedido o acesso de concorrentes a informações necessárias para que seus produtos funcionem bem com os da Microsoft
Código: O código é um conjunto de comandos que formam os programas. As APIs, que vão ser publicadas pela Microsoft, são necessárias aos concorrentes para garantir que um programa não terá problemas ao trabalhar com outro
Abertura: O Linux, principal concorrente da Microsoft, tem o código aberto. O Facebook, site de rede social, publicou suas APIs para que outras empresas criem programas que funcionem nele’
Google vai vender publicidade em vídeos
‘O Google pretende começar a vender propaganda em vídeos na internet, depois de fechar uma parceria com a YuMe, grupo de anúncios em vídeos online. O Google vem trabalhando em formas de obter receita com propaganda em vídeos online desde que comprou o YouTube, o site de compartilhamento de vídeos, em novembro de 2006.’
TELES
Operadoras pedem mais debates sobre fusão Oi/BrT
‘A Associação Brasileira das Prestadoras de Serviços de Telecomunicações Competitivas (Telcomp) quer que o governo apresente seus argumentos e os discuta com a sociedade antes de mudar as regras para permitir a compra da Brasil Telecom (BrT) pela Oi. A Telcomp representa as empresas concorrentes das concessionárias Oi, BrT e Telefônica. ‘Essa aquisição não seria benéfica nem para o consumidor, nem para o desenvolvimento do País’, disse, em nota, o presidente da Telcomp, Luis Cuza.
O pedido de abertura das discussões foi feito em carta enviada na quarta-feira à Casa Civil, à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e aos ministérios das Comunicações e do Planejamento. A Telcomp diz, no documento, que ‘os interesses dos acionistas das concessionárias não podem ficar acima dos interesses dos consumidores e das mais de 700 operadoras competitivas’. A associação diz também representar 1,5 mil provedores de internet.
‘Antes de qualquer alteração na regulamentação do setor, o governo precisa apresentar os estudos que demonstram o diagnóstico dos problemas’, diz a carta. A Telcomp cobra também esclarecimentos sobre a política pública do governo para o setor de telecomunicações que fundamentaria uma revisão das normas.
A associação diz ser necessária a adoção de medidas para proteger o consumidor e ‘favorecer um ambiente concorrencial saudável e isonômico’ antes de iniciar o processo de concentração entre as empresas. Entre as medidas sugeridas está a desagregação de redes, que obrigaria as concessionárias a alugar suas redes para que outras empresas possam prestar serviços de telecomunicações. A união da BrT com a Oi, na opinião da Telcomp, agravaria a ‘frágil concorrência’ existente hoje nos serviços de telefonia fixa e de banda larga, com prejuízos aos novos investimentos.’
CINEMA
Outras marcas da violência
‘É um estranho Oscar este que se disputa no domingo, em Hollywood. Existe um grande filme clássico entre os cinco finalistas – Desejo e Reparação -, mas justamente seu diretor, Joe Wright, foi esquecido entre os indicados da categoria. Existe um filme de mediocridade aflitiva – Conduta de Risco -, travestido de atualidade política. E existem os grandes filmes que a academia ignorou. Um deles já se encontra em cartaz – Sweeney Tood, de Tim Burton. O outro estréia hoje – Senhores do Crime. Ambos tratam de aspectos sombrios da natureza humana, o mal. Ambos foram indicados na categoria de melhor ator.
Pode até ser que, no frigir dos ovos, o Oscar fique entre Daniel Day-Lewis, por Sangue Negro, e George Clooney, por Conduta de Risco. Mas se o prêmio for (fosse) honesto, a disputa deste domingo deveria se travar única e exclusivamente entre Johnny Depp, o Sweeney Todd, e Viggo Mortensen, de Senhores do Crime. O retorno do rei faz-se em grande estilo. O autor David Cronenberg não vacila em atribuir quase uma co-autoria a Viggo, que faz o misterioso motorista de uma poderosa família da máfia russa de Londres. Um ator, diz Cronenberg, é antes de mais nada um corpo. O físico é seu instrumento de trabalho. Quando um cineasta filma um ator, o material sensibilizado pela película – ou mesmo que fosse a tecnologia digital – não tem nada de abstrato. É uma matéria viva, com nervos, músculos e contornos.
Cronenberg tinha outros projetos depois de Marcas da Violência, seu filme precedente com Viggo Mortensen, ator cujo princípio de carreira remonta a A Testemunha, de Peter Weir, em 1985, mas cuja popularidade repousa basicamente sobre o personagem do rei, que interpretou na trilogia O Senhor dos Anéis, de Peter Jackson. Um a um os projetos de Cronenberg foram tombando. Foi quando seu agente, em Hollywood, lhe enviou o roteiro de Steve Knight sobre o submundo russo do crime em Londres. Cronenberg gostou da idéia, mas não do roteiro, que fez reescrever quase integralmente. Quando ele propôs o papel de protagonista a Viggo, o ator aceitou, mas pediu tempo para investigar o personagem. Por iniciativa própria, Viggo foi à Rússia pesquisar famílias criminosas. Na internet, ele encontrou uma enciclopédia que relatava a importância das tatuagens no mundo russo do crime.
As tatuagens, que viraram a metáfora mais importante de Senhores do Crime, não existiam no roteiro original. Elas podiam ser vistas nas mãos do personagem, mas faziam parte do seu mistério. Uma amiga parisiense de Viggo, Alix Lambert, foi a prisões de alta segurança na Rússia, nas quais conversou com prisioneiros que falam dessas tatuagens e as exibem. O material foi enviado a Steve Knight. Virou um documentário de Alix que Cronenberg está incluindo entre os extras do DVD de Senhores do Crime. Nos seus filmes mais antigos, mesmo que eventualmente eles tratassem de filiação e família – The Brood, A Hora da Zona Morta, Gêmeos – Mórbida Semelhança -, Cronenberg nunca foi um autor dos conflitos familiares. Interessava-o muito mais as disfunções do corpo, as mutações que os homens se auto-impunham e terminavam sempre por transformá-los em aberrações aos olhos de seus semelhanças.
Os filmes de Cronenberg com Viggo Mortensen o aproximam mais do que se pode definir como ‘uma normalidade duvidosa’. Não é que os filmes sejam mais realistas, pois Gêmeos e M. Butterfly se apóiam em descrições minuciosas da realidade (e o segundo se baseia em personagens que existiram). Mas Marcas da Violência e Senhores do Crime adquirem uma dimensão especial. O primeiro trata deste homem que, por uma reação do próprio corpo, na hora do perigo, descobre seu passado violento. O segundo mostra outro homem que carrega, nas tatuagens, as marcas da violência.
Na trama de Os Senhores do Crime, Naomi Watts, intrigada com a morte desta garota que acaba de dar à luz, resolve investigar o caso. Ela possui o caderno de anotações da morta. Suas pesquisas a levam a este restaurante que é fachada para atividades criminosas. O dono é um restaurateur russo que tem um filho, ligado à vítima. E existe o motorista. Há toda uma disputa interna pelo poder em contraposição à base familiar. A família tem laços consanguíneos ou é uma comunidade à qual os personagens acreditam pertencer. O bebê lá pelas tantas vira uma ameaça e precisa ser eliminado. Naomi vai tentar impedi-lo, pois a esta altura já se sente meio mãe da criança. Toda a arquitetura dramática converge para a cena da sauna, quando Viggo é atacado por dois assassinos profissionais. A luta é espetacularmente filmada e a nudez do ator realça a fragilização do personagem. Um cinema do corpo, como Cronenberg gosta e um ator com a entrega de Viggo Mortensen lhe permite fazer.’
Brás Henrique
Brodowski mantém sua ‘Hollywood’
‘A pacata Brodowski, com 20 mil habitantes, na região de Ribeirão Preto, é conhecida por causa de seu filho ilustre, o pintor Cândido Portinari, que inspirou várias de suas importantes obras. E na arte, nos últimos dez anos, um grupo amador, formado por pessoas da comunidade que atuam em diversas profissões, sem apoio ou patrocínio, se uniu para produzir filmes, ao menos um por ano. Já são nove longas e dois curtas-metragens prontos. Neste ano, o grupo está rodando mais um longa e um curta. A TV Educativa local, que retransmite a TV Brasil, é a parceira nos projetos, e retransmite semanalmente os filmes produzidos.
O idealizador de tudo é o ferroviário aposentado Caetano Jacob, de 70 anos, que fazia teatro amador no salão paroquial da cidade nos anos 1950. ‘Imaginei que poderíamos fazer filmes, conversei com a direção da TV Educativa daqui e deu certo’, recorda-se Jacob, modesto, afastando-se dos holofotes e esquivando-se de elogios. Mas o grupo quer criar, em breve, uma ONG para buscar recursos e o nome será Associação Cultural Caetano Jacob. Por enquanto, o nome é Grupo de Atores Amadores de Brodowski, que produziu o primeiro filme, O Castigo, há dez anos, com 69 minutos de ficção sobre a filha de fazendeiro que se apaixona por um padre.
A Jacob se juntou o bancário aposentado e cinéfilo José Flavio ‘Mith’ Mantoani, um colecionador de filmes clássicos e de trilhas sonoras de filmes. Os dois fizeram a maioria dos roteiros e as direções dos filmes, primeiro em VHS e nos últimos quatro anos em digital. Ambos também atuam. Ou se divertem. Talvez seja ‘diversão’ a palavra mais adequada, pois os atores amadores se reúnem nos finais de semana para gravar. ‘Quando não tem gravação, não tenho o que fazer’, diz o pedreiro aposentado Armando Queluz, de 70 anos, que atuou em todos os projetos – foi delegado, cozinheiro, padre, maestro e será andarilho no longa Sementes do Mal, que terá estréia em agosto ou setembro. ‘Gosto e trago os meus netos para atuar, para pegarem a alça do sucesso’, brinca Queluz.
Outros atores amadores são José Carlos de Oliveira, um cinéfilo de Ribeirão Preto (o único forasteiro), a professora estadual de biologia Rosana Rossini Esteves (que, grávida, continua filmando), o motorista e pedreiro Luís Carlos Magalini, o policial militar Gilberto Reis, o consertador de geladeiras Clóvis Martins da Silva, e as universitárias Lívia da Costa Grandi e Bruna Schnorr. ‘Vejo isso como um sonho que todos tiveram, de atuar, e que estou realizando agora’, diz Oliveira.
‘Acho bonito ver o amor que eles (os idealizadores) têm por isso, de não deixar morrer’, explica Lívia. ‘É engraçado, interessante e gratificante’, comenta Bruna. ‘É meu hobby e estamos elevando e divulgando o nome da cidade’, avisa Silva. E o PM Reis, recentemente, saiu direto do trabalho para gravar. Até o secretário-executivo do Conselho Municipal de Turismo local, Roberto Morando Videira, é ator do grupo.
Os diálogos dos roteiros são simples, misturam ação e humor, e as improvisações são permitidas em certos casos. Mas em tempos em que se busca muito dinheiro para filmar no Brasil, os brodowskianos não ficam parados, choramingando. ‘O objetivo é valorizar a cultura local e regional e a educação, mas também é um hobby’, explica o diretor da TV Educativa, José Luís Perez, também operador de câmera, professor de física e até presidente da Câmara. Geralmente, três câmeras digitais são usadas nas gravações. Os moradores já se acostumaram e compram os DVDs a R$ 10 na única banca de jornal de Brodowski ou numa loja de roupas. O último filme, Aconteceu Naquele Dia, rendeu mais de 300 vendas. E os próprios atores, que nada ganham, ainda compram os DVDs.
Outros cinco roteiros de Jacob já estão prontos, além de um de Mantoani, que tem como título provisório Eu Roubei Um Portinari, e Agora?. ‘Escrevi em 2006 e é baseado numa história real, ocorrida no Rio há muitos anos, de um quadro que foi encontrado depois num camelô’, detalha Mantoani. Ele garante que não se inspirou no furto de 20 de dezembro de 2007, ocorrido no Masp, do quadro O Lavrador de Café, de Portinari. Para rodar a história, Mantoani e seu grupo esperam o aval do filho do pintor famoso que projetou o nome de Brodowski no mundo.’
Luiz Carlos Merten
A discreta subversão de uma garota chamada Juno
‘Obra de um jovem diretor de 30 anos, Jason Reitman – filho de Ivan Reitman -, Juno é o único dos cinco indicados para o Oscar de melhor filme a ter ultrapassado a barreira de US$ 100 milhões na bilheteria dos EUA. Sucesso de público não representa necessariamente garantia de qualidade, mas também não é porque um filme cativa a massa de espectadores que tenha de ser colocado sob suspeita. Juno trata de um tema pouco freqüente na produção teen de Hollywood, a gravidez na adolescência.
Jason Reitman pode ser jovem, mas parece ter a vocação do Oscar. Seu longa precedente, Obrigado por Fumar, cravou entre os finalistas para o prêmio de interpretação masculina um ator – Aaron Eckhart – mais ligado ao cinema de arte, graças a seus filmes com Neil LaBute. Agora, além dos Oscars de melhor filme e direção, Jason Reitman ostenta mais duas indicações importantes – a de melhor atriz, para a deliciosa Ellen Page, e a de melhor roteiro original, para Diablo Cody. Talvez, antes de falar sobre o filme, seja interessante levantar o mistério sobre esta pessoa que carrega o ‘diablo’ no nome.
Para os padrões norte-americanos de comportamento moral e social, Diablo Cody também carregava o diabo no corpo. Afinal, antes de ser roteirista ela foi dançarina de strip-tease – e a própria Diablo não apenas diz que era boa (muito boa) na função, como adorava o que fazia. Diablo é um pseudônimo que ela – Brook Busey – adotou quando resolveu criar um blog. Brook viajava com o marido para Cody, no Wyoming, e ambos ouviam no rádio uma velha canção dos anos 60, intitulada El Diablo. O nome veio daí e o sucesso do blog pavimentou sua via como escritora, consagrada pelo êxito editorial de Candy Girl, no qual ela relata suas experiências na indústria do sexo.
Diablo já assinou para criar, com Steven Soderbergh, uma série de TV, The United States of Tara, que será interpretada por Toni Collette. Chega de Diablo Cody. Vamos voltar a Juno. O filme conta a história desta garota que se descobre grávida. Em geral, as comédias teens de Hollywood tratam da elefantíase do sexo do ângulo de garotos que sonham perder a virgindade. Ellen Page, a Juno, engravida e isso a leva a percorrer uma curiosa trajetória. Para início de conversa, ela parece mais madura que os adultos ao redor, embora termine o filme celebrando sua adolescência com… É melhor parar para não entregar o ouro.
A originalidade, ou a esperteza, de Juno está na forma como o filme cria estereótipos que vai progressivamente destruindo. Juno, por iniciativa própria, resolve que vai doar o bebê. Ela escolhe o casal perfeito para a adoção, mas, como as aparências enganam, a fachada termina por ruir. Muitas cenas são divertidas – o anúncio da gravidez à família, as reações que sua barriga provoca na escola, a perplexidade do pai teen, alijado de todas as decisões. A integração da música à narrativa tem algo de A Primeira Noite de Um Homem, de Mike Nichols. E o filme é discretamente subversivo – não há recuo moral no desfecho. Pode ser excessivo para o Oscar, mas é simpático.’
TELEVISÃO
HBO faz Carandiru de batom
‘A HBO juntou, na Cidade do México, a imprensa de toda a América Latina na última quarta-feira, para apresentar o primeiro capítulo de sua nova produção original na região, Capadocia. Feita em parceria com a produtora mexicana Argos, a série vai contar em 13 capítulos a história de um presídio feminino que seria a primeira prisão privatizada mexicana, fundada a partir de interesses de políticos corruptos e empresários inescrupulosos.
Capadocia segue o mesmo modelo de produção e padrão de qualidade da série argentina Epitáfios e das brasileiras Mandrake e Filhos do Carnaval, as três séries financiadas anteriormente pela rede de TV na América Latina – e foi anunciada pelo vice-presidente de produção original da HBO para a América Latina, Luis Peraza, como a mais cara das quatro.
Produção impecável ‘e nunca vista na televisão mexicana’, a série é impactante, recheada de cenas fortes e violentas, aliadas a uma direção ágil e um roteiro bem amarrado, que entrelaça o cotidiano de um grupo de detentas que luta pela sobrevivência no inferno. O primeiro capítulo, Gênesis, mostra como uma velha prisão estatal foi convertida em um moderno presídio privatizado. Escravidão, narcotráfico e corrupção estão no pano de fundo das histórias pessoais das detentas, que acabam por servir a uma discussão, em resumo, sobre o papel da mulher e um sistema judiciário que parece estar à beira do colapso em toda a América Latina.
Com estréia marcada para o dia 2 de março, a série será transmitida simultaneamente para toda a América Latina e logo deve ser exibida nos EUA. A HBO confirmou também a produção da segunda temporada de Epitáfios, na Argentina.
A repórter viajou a convite da HBO’
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