Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Lobato e seu tempo

O professor Jorge da Silva, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, coronel da reserva da Polícia Militar, entra na polêmica sobre o racismo de Monteiro Lobato. Em 1988, com um trabalho sobre Violência e Racismo no Rio de Janeiro, depois transformado em livro, ele ganhou um prêmio da OAB instituído para comemorar os cem anos da abolição da escravatura. Jorge da Silva comenta a impressão que lhe causou a publicação, naquele ano, da sétima edição do livro Os Africanos no Brasil, de Nina Rodrigues, pela editora da Universidade de Brasília.


Jorge da Silva – É um livro racista, de cabo a rabo. Nina diz que o problema do Brasil eram os negros. E quando eu li o livro eu estranhei que não houvesse uma nota explicando que aquilo era fruto de uma época, que os conceitos daquele livro estavam ultrapassados, etc. Ora, o livro estava, se não me engano, em sétima edição, publicado pela Universidade de Brasília, como se fosse uma coisa normal. O que eu acho que aconteceu desta vez foi [a recomendação de que] se colocasse uma nota dizendo que os conceitos emitidos por Monteiro Lobato são conceitos ultrapassados. Quer dizer: os próprios professores devessem alertar os alunos. Mas não. Tomaram isso como censura à obra de Monteiro Lobato. Eu acho que não foi nada disso. Você precisar alertar, na própria publicação, que o livro contém conceitos que ofendem a população negra, ofendem as crianças negras. Eu acho que isso não teria nenhum problema.


É claro que na época em que o Monteiro Lobato escreveu os seus livros o racismo era a norma. Existia o chamado racismo científico. Praticamente todos os escritores brasileiros iam na mesma linha. Ele não era racista porque ele destoava dos demais. Ele era racista porque era mais explícito. Existia aquele movimento eugenista na época. Ele participava do movimento eugenista, mas não era só ele. Era um grupo muito grande de intelectuais. Também acho que não se deve execrar o Monteiro Lobato como se ele fosse exceção à regra.


De 88 para cá, como avalia a evolução das coisas?


J.S. – Eu não achava que as coisas pudessem evoluir tanto como evoluíram. Eu achava que essa discussão ia continuar abafada, que as pessoas iam continuar dizendo que aqui não tem nada disso, que o Brasil era uma democracia racial, que aqui todo mundo era igual, que esse problema era um problema dos Estados Unidos, que aqui não tinha nada disso. Eu achava que isso não seria para o meu tempo, se é que um dia ia acontecer. Em 1988 eu tinha essa visão. O tempo foi passando e as coisas foram acontecendo. Eu tenho dois pontos que eu gostaria de frisar. Primeiro, o problema veio para a mesa. Não dá mais para esconder que o Brasil é um país racista, que o racismo ainda é uma marca forte da sociedade brasileira. Inclusive essa própria polêmica é sinal de que o assunto não está abafado, nem acabado. A outra coisa são os avanços. Você vê aí a série de programas… Você vê que a autoestima dos negros… Só para você ter uma ideia, a população de pretos e pardos aumentou no Brasil. Não aumentou a população. Aumentou a autodeclaração. Se aumentou a autodeclaração, aumentou a autoestima. Cada vez mais, aqueles pardos que se diziam brancos mudaram de cor, passaram a ser pardos novamente. Está diminuindo o número de brancos no Brasil? Não. Está diminuindo na estatística. Você vê pelas ruas os rapazes e as moças com roupas, com tranças. Isso é o quê? Uns usam aquilo para se autoafirmar e outros até mesmo para agredir. Você tinha que se vestir como branco, se comportar como branco, parecer branco. Hoje não tem mais isso.