Friday, 15 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

The Guardian e o jornalismo seletivo

As grandes empresas jornalísticas estão tomando decisões de importância capital com a mesma ligeireza de cibernautas e tuiteiros. Tomados pelo pânico, os seus executivos estão reagindo de forma instintiva, espasmódica, oportunista. Olham para o amanhã sem dar-se ao trabalho de pensar no depois de amanhã. Entregam-se a elucubrações proféticas municiados por gadgets que se tornam obsoletos com 12 meses de uso.

Agarrados ao cipó do futurismo esquecem que todos os processos têm volta. No caso, o preço a pagar pelo culto ao invencionismo. Não gostam do passado – a não ser em filmes de Woody Allen. Certamente porque nunca se debruçaram seriamente sobre a história.

Gente com 30 anos – idade média dos luminares do establishment – jamais enfrentou alguma crise transcendental da profissão, nunca se deparou com um desafio ontológico como agora. Não pensam no ofício, vivem dele. Por isso capitulam com tanta facilidade.

Dois caminhos

A opção do portentoso The Guardian em reforçar os investimentos na edição digital e reservar para o impresso o jornalismo em profundidade é duplamente equivocada:

a) A curtíssimo prazo deverá contagiar o hard news da versão digital com o turbilhão de banalidades, trivialidades, abobrinhas e entretenimento indispensável ao ciberjornalismo. Seu poder de fogo como instituição pública será fatalmente afetado pela obrigação de ser rápido, massivo, incompleto e cansativo. Veja-se o caso do primeiro aniversário do fenômeno Wikileaks, do qual o Guardian foi porta-estandarte e agora alinha-se entre os seus críticos.

b) Mostrará concomitantemente ao segmento de leitores mais exigentes que o bom jornalismo é um serviço público premium, exclusivo para aqueles seres especiais, merecedores do conjunto de idéias forjadas na atual crise fiscal e financeira da Europa e dos Estados Unidos.

Ao invés de manter-se como instrumento da socialização do conhecimento e universalização da cultura, o Guardian está propondo uma dualidade jornalística: aos consumidores do papel, o poder de entender o que se passa no mundo, aos demais a trepidação das marolas. (Segue)