Monday, 04 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Luís Antônio Giron

‘Aos 61 anos, Caetano Veloso diz não sentir necessidade de se impor ao mercado nem de atuar na política. De ótimo humor, recebeu ÉPOCA em sua gravadora, Natasha Records, no bairro da Gávea, Rio de Janeiro. Em duas horas de conversa, Caetano falou de tudo. Criticou o governo Lula, analisou o mercado de entretenimento e questionou a noção de identidade brasileira que seu amigo Gilberto Gil tem estimulado à frente do Ministério da Cultura. E, claro, abordou seu tema favorito: a música e a nova turnê que faz pelo Brasil a partir da quinta-feira 27, em São Paulo. Revelou que acha a canção americana melhor que a brasileira e confessou limitações musicais. A nova excursão tem uma peculiaridade na carreira de 38 anos do compositor: quase todo o repertório é de músicas em inglês, incluídas no recém-lançado CD A Foreign Sound. A pré-estréia do show, em 16 de abril, no Carnegie Hall de Nova York, foi um triunfo. Resta saber a reação da platéia brasileira. O compositor e seis músicos vão percorrer nove capitais. Em cada cidade, juntam-se ao grupo orquestras de cordas locais. Caetano e banda ensaiaram na semana passada no estúdio de Gil, no sopé da Favela da Rocinha. Introduziram no espetáculo títulos como os sambas ‘Não Tem Tradução’ (Noel Rosa) e ‘Manhã de Carnaval’ (Luís Bonfá), mais a inédita ‘Diferentemente’. Em outubro, a turnê corre México, Estados Unidos e Europa.

ÉPOCA – Pelos ataques à crítica durante sua carreira, parece que você não é um crítico frustrado.

Caetano Veloso – Não sou, porque dialogo e entro em competição com a crítica. Sempre atuei criticamente, desde os tempos da revista que o Glauber Rocha editava. Isso não é desprezo pelos jornalistas, como alguns pensam. Ao contrário, respeito a boa crítica. Gosto de propor discussão de idéias, cada vez mais difícil nos jornais. O problema é que, para vocês, jornalistas, o pior é sempre o melhor. Trabalho com atitude explícita. Nada fica sem resposta.

ÉPOCA – Você adora dizer frases bombásticas para horrorizar os jornalistas e criar polêmica…

Caetano – Diga aí alguma para eu me defender.

ÉPOCA – Em 1998, por exemplo, você ganhou o título de doutor honoris causa pela Universidade da Bahia, fez questão de receber a honraria no Carnaval, em cima de um trio elétrico. E declarou: ‘A partir de agora, quando eu rebolar, é um doutor que estará rebolando!’. Não é uma provocação à universidade?

Caetano – Essa frase não passou de uma auto-ironia porque achei engraçado virar doutor. Dizem que faço tudo para aparecer. Não é isso. Gosto de contrariar ondas de opinião que ocorrem vez ou outra. Lembro de jornalistas de São Paulo mancomunados com intelectuais da USP querendo impor opinião. Aí respondo com agressividade, mas não é nada ofensivo. É picada de quem está de bom humor. Vejo os jornalistas no Brasil defendendo o rock contra a axé music, e aí vou contra. No cinema também: os velhos críticos atuam como porta-vozes de filmes tipo Cronicamente Inviável, do Sérgio Bianchi, que achei muito ruim. Tudo isso é provinciano. É coisa de um Brasil subordinado culturalmente.

ÉPOCA – Desde a tropicália, você distribui opiniões. Você se considera intelectual?

Caetano – Concordo com o que dizia o José Guilherme Merquior, que sou um subintelectual de miolo mole. Atuo e adoro expor meu pensamento, mas talvez seja um vício geracional. Pertenço a uma geração que fazia isso, se manifestando no teatro, na música, na TV. Era uma obrigação e um direito ter postura sobre a realidade política. Agora, as mesmas pessoas que inventaram esse hábito o ridicularizam. Nos anos de censura os artistas e os jornalistas agiram em bloco em nome da luta política. Era às vezes ridículo, porque todo o mundo tinha de ‘se posicionar’. Até mesmo aquelas atrizes iniciantes, que não sabiam nada, precisavam falar alguma coisa. Aí começou-se a ficar cético a respeito disso. Sou uma pessoa da área de entretenimento que dá suas opiniões.

ÉPOCA – Você é um animal político?

Caetano – Não gosto de política, ela não me atrai. Não sei por que, mas gosto de arte, música, poesia, cinema. Adoro frescura e vivo no mundo das idéias. Política é um negócio chato, de uma gente que não tem a ver com meu temperamento. Não sou preparado, acho difícil entender de política. Leio dedicadamente artigos de jornal, exceto os do José Sarney.

ÉPOCA – Como você viu a crise provocada pelo artigo de Larry Rohter, do New York Times – jornal que você já atacou?

Caetano – Sou colega do Lula nesse assunto. Com o NYT, aconteceu comigo anos atrás uma coisa parecida com o que fizeram com o presidente. O correspondente agiu de forma irresponsável, pensando que podia falar qualquer coisa porque o Brasil é um país do Terceiro Mundo. Sou contra os correspondentes do NYT no Brasil que faltem com o respeito. Um deles escreveu que eu e o Gil íamos a festas vestidos de mulher porque queríamos alardear nossa bissexualidade. Mandei uma carta ao jornal, que não foi publicada. Aí fui danado da vida ao programa do Jô para chiar. Aquilo foi uma leviandade. Nunca fui presidente da República. O Lula nunca apareceu bêbado em público e o álcool jamais prejudicou sua atuação. Mas acho inadmissível o que o Lula e o núcleo duro do governo tentaram fazer com Rohter. Lula criou com o episódio um mico planetário para o Brasil. Ainda bem que Márcio Thomaz Bastos achou uma saída para a situação. O pessoal do Lula tem de pensar melhor. Desta vez o Brasil foi salvo pelo gongo. Tem coisa que não se faz. Já mandei embora jornalista da minha sala. Mas querer expulsar o sujeito do país pega mal!

ÉPOCA – Como você analisa o governo Lula?

Caetano – Vi muita gente se decepcionar, mas não é o meu caso. Eu não tinha esperanças de que o governo do PT viesse a ser firme. Quase não votei no Lula. Meu candidato era o Ciro Gomes. Mas aí o Ciro se retirou e fiquei sem candidato, e resolvi votar no Lula porque pensei assim: Lula tem de chegar à Presidência, a gente tem de conhecer essa experiência, ele merece por tudo o que fez. Espero que ele consiga passar os quatro anos à frente do governo e passe a faixa de presidente ao sucessor no melhor rito democrático.

ÉPOCA – Você teme que ele não consiga passar a faixa?

Caetano – O PT não é a salvação. Há uma esquizofrenia neste governo: o Delfim apóia os economistas do PT e criticava os inventores do Plano Real. O Palocci vem com uma conversa que não tem nada a ver com as promessas de campanha do PT. Quando assumiu o governo, o partido quis se apossar de todas as áreas da máquina estatal. O PT não é republicano nem democrático e confunde Estado com partido. A esquizofrenia do governo se expressa em certas atitudes. O Ministério da Economia compõe com o mercado, enquanto o da Reforma Agrária se alinha com o MST. Tudo para que o PT não saia nunca mais do poder.

ÉPOCA – Como você viu o expurgo dos membros rebeldes do PT?

Caetano – Um exagero. É outra prova da esquizofrenia do governo. Essa atitude dura não é sintoma de capacidade política. É preciso desconfiar de um partido que praticamente expulsa o Fernando Gabeira poucos meses depois de subir ao poder.

ÉPOCA – Você disse que falta experimentalismo no Executivo. Existe algum pensamento politicamente arrojado para o país?

Caetano – Mangabeira Unger apresenta uma alternativa crítica, uma sugestão concreta do caminho a trilhar. Diz que o Brasil tem todos os recursos materiais e espirituais para ser mais inventivo. Ensina que existe um caminho alternativo para inserir o Brasil na economia mundial sem a política petista de se curvar às exigências do FMI. O pensamento do Mangabeira faz eco àquilo que penso sobre como resolver os problemas sociais internos, como o salário mínimo e o abismo social, e a política externa. Mangabeira é um dos raros pensadores do Brasil.

ÉPOCA – Como você vê a política educacional de Lula?

Caetano – Sou a favor da compensação dos negros. É preciso confrontar a questão de raça com a social, porque a gente observa que a maioria dos negros pertence às classes mais baixas. É positivo dar acesso a eles à educação, e agora aos alunos da rede pública ao terceiro grau. Tenho lido só críticas tecnicistas sobre o assunto. É preciso criar um sistema de acompanhamento para verificar se as medidas compensatórias serão implementadas corretamente.

ÉPOCA – Monitorar não é difícil?

Caetano – Graças a Deus, no Brasil todo o mundo tem sangue negro ou, pelo menos, aprendeu a valorizar isso. Esse é um tesouro do Brasil.

ÉPOCA – Você tem gostado de Gilberto Gil no Ministério da Cultura?

Caetano – Gil trouxe visibilidade a um ministério que nunca teve importância. Quando ele ia assumir, eu lhe disse: você corre o risco de ser o Lula do Lula. Gil tem um imenso valor simbólico no mundo.

ÉPOCA – O Ministério da Cultura criou uma secretaria para promoção da identidade nacional. Não é curioso isso acontecer sob a gestão de um antigo tropicalista?

Caetano – Pois é, a tropicália enfrentou a questão da identidade e tratou de superá-la. Desde então, mudaram os pontos de referência. Parece difícil um ministério que tem Gil no comando sair por aí em busca de identidade. Hoje esse tipo de idéia só tem dois defensores de plantão: o José Ramos Tinhorão e o Ariano Suassuna. O Tinhorão criou argumentos sofisticados sobre o tema, mas é medíocre em suas sugestões artísticas. O Suassuna é o gênio que escreveu O Auto da Compadecida e A Pedra do Reino, mas assume o papel de um palhaço pela obrigação de manter uma posição que acha sagrada. Ele promove a xenofobia fazendo a gente rir. O MinC não deveria defender essas posições pró-xenófobas.

ÉPOCA – Seu novo CD é um dos campeões mundiais de download ilegal. Como você encara o problema?

Caetano – Claro que isso é lesivo aos direitos autorais do artista. O fato é que perdemos o controle sobre a veiculação de música. Não sou empresário, não sou nem mesmo capitalista. Mas não posso cuspir no prato em que comi. Existe uma crise na indústria da música, mas eu não estou nem aí. Houve uma hipertrofia do mercado musical desde a explosão do sucesso dos Beatles nos anos 60. Desde então, a indústria musical moveu fábulas de dinheiro, produziu muita música ruim e muito crítico de música escrevendo nos jornais. Talvez haja razão para haver a retração no mercado. Só não posso deixar de reparar que coisas boas surgiram do comercialismo, como o rock e a axé music. O rock mudou o mundo. A axé music nasceu da ambição descarada, e hoje virou força popular. Não tenho por que chorar.

ÉPOCA – A música popular ainda é uma missão ou virou business?

Caetano – Quando entrei nesse negócio, pensava em ser 100% puro e que sairia dele com as mãos limpas. Minha turma – Dori Caymmi, Edu Lobo, Chico Buarque e Paulinho da Viola – foi abençoada por pertencer à segunda geração da bossa nova. João Gilberto, o fundador da BN, nos legou a dignidade, colocando a música num patamar artístico muito alto. A gente nunca pensou nessa história de jabá. Quando ele apareceu, a gente se sentiu regredir aos anos 50. Não posso mudar na minha idade. Continuo vendo a música do ponto de vista artístico. A música do Brasil é forte. E continua sendo importante para mim e para o mundo, não importando a reprodutibilidade técnica.

ÉPOCA – Por que você cultua João Gilberto, sem cantar e tocar como ele?

Caetano – João é o maior artista da música popular, caso extremo de comprometimento com a perfeição. Ele é mais e menos que uma influência. Ele me influenciou de uma forma definitiva e seria assim se eu tivesse virado professor de Filosofia. Desde que ouvi suas gravações lá em Santo Amaro, João me deu um norte estético. Depois me levou a escutar Chet Baker. Tentei imitá-lo na formulação de acordes e no canto. Mas parou aí. Eu dizer que João é uma influência musical minha seria como um escritor que lança um romance e declara que suas influências são Kafka, Proust e Dostoiévski. Não tenho competência para ser influenciado por João Gilberto.

ÉPOCA – Você diferencia sua música da dos ‘bregas’ que você grava. Não é excesso de modéstia?

Caetano – Minha competência musical é limitada. Não posso ser comparado com a musicalidade de Djavan, Edu, Paulinho da Viola e até de Chico. Sou um compositor que canta às vezes. Meu violão não tem nível profissional. Isso não impediu que eu compusesse algumas canções relevantes que viraram standards. Algumas saíram boas, melhores do que eu imaginava. No início da carreira, as gravadoras não aceitavam gravar o meu violão, considerado amador. Aí fui para Londres, lá eles gostaram do meu jeito, e quando voltei ao Brasil os produtores já aceitavam que eu gravasse. Quando comecei, eu atuava na periferia da música e contribuía com idéias sonoras. Eu queria ser pintor. Depois, fazer cinema. Não é preciso ter talento para ser cineasta, apenas vocação.

ÉPOCA – Você se sentiu feliz ao dirigir Cinema Falado?

Caetano – Adorei me envolver com as filmagens e com a equipe. Mas me apavorei com os problemas extrafílmicos, como distribuição e contratos. O filme foi bem recebido pela crítica em 1986, ao contrário do que escrevem hoje. Falaram mal só três diretoras mulheres, o Arthur Omar – gostei do livro de fotografias dele – e o Caio Túlio Costa, que escreveu algo terrível no caderno de variedades da Folha de S.Paulo, num tempo em que o jornal ainda agitava a cultura. Os críticos adoraram o filme porque ele traz cenas de pura crítica. Tem uma seqüência amorosa em que o rapaz fala uma crítica completa para a parceira.

ÉPOCA – E projetos de longas-metragens?

Caetano – Quero voltar a filmar quando for possível. Queria fazer um filme que se passasse em Salvador e mostrasse a vida lá.

ÉPOCA – Não está na hora de voltar a fazer música?

Caetano – Estou compondo. Na temporada no Baretto em São Paulo fiz uma música – ‘Diferentemente’. Pensei nela correndo, minutos antes do show. Os músicos aprovaram a estrutura. Vou cantá-la na turnê.

ÉPOCA – Você foi bem recebido pelo público americano na estréia do show. Mas, para o público brasileiro, não é estranho um ídolo nacional apresentar repertório americano?

Caetano – No Brasil é mais fácil. Vendi aqui 1,2 milhão de discos com Prenda Minha – porque tinha a música do Peninha e canções conhecidas. Não tenho feito esse sucesso todo cantando em outras línguas. Fina Estampa foi recebido sem entusiasmo pelo público mais caloroso do mundo – o portenho. Não parei o trânsito no México nem em Miami. A Foreign Sound não vai fazer sucesso nos países de língua inglesa, nem tenho intenção de impor meu nome nos Estados Unidos.

ÉPOCA – Como você define o CD e o show A Foreign Sound?

Caetano – Eu sei que estou arriscando minha respeitabilidade com ele. De certa maneira, o disco depõe contra mim. Eu o chamo de a difficult easy listening (música comercial difícil). É um trabalho esquisito e apareceu com atraso. Eu deveria tê-lo gravado dez anos atrás, ou, pelo menos, antes dos dois CDs do Rod Stewart com standards. Mas, enfim, decidi lançá-lo porque era uma coisa que eu queria fazer.

ÉPOCA – Você acha que a música americana é melhor que a brasileira?

Caetano – É, sim. Com o jazz, Cole Porter, Irving Berlinn e Gershwin; com a soul music e o rock; a música americana tem enorme riqueza, apesar de Caymmi, Tom Jobim, Chico e Gil. E os americanos têm James Brown. A influência dele é tamanha que hoje todo o mundo no Brasil se chama Brown: Mano Brown, Charlie Brown Jr., Carlinhos Brown!’



ENTREVISTA / JOAQUIM DE CARVALHO
José Paulo Lanyi

‘A mídia é o mordomo? (II)’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 21/05/04

‘Na coluna passada, Joaquim de Carvalho, autor de ‘Basta! Sensacionalismo e Farsa na Cobertura Jornalística do Assassinato de PC Farias’ (leia ‘A Mídia é o Mordomo’?), minimizou as reportagens da Folha de S. Paulo que, para refutar supostas falhas nas perícias, apoiaram-se em fotos que mostram Suzana Marcolino mais baixa do que PC Farias. Por que a imagem engana? – podemos perguntar – como o fez o jornalista João Pequeno Bandeira de Mello, leitor desta Link SP: ‘Tá, mas então como ela estava mais baixa do que o PC? Ele tinha mais de 1,67 metro, estava de salto alto ou o quê?’.

A seqüência da entrevista tem uma resposta: ‘Foto não pode ser usada como indicador de altura nunca. Primeiro: mulher mais alta, quando namora cara mais baixo, em geral não gosta de parecer mais alta. Segundo: o baixo costuma estufar o peito. Isso é efetivo, qualquer pessoa sabe’, diz Carvalho, que tem mais um argumento: ‘Qualquer pessoa que trabalha com imagem sabe que posição, ou de cinegrafista, ou do entrevistado, dá uma ilusão de uma altura diferente – a menos que ela seja uma imagem em movimento, e essa imagem em movimento eu tenho. Capturei uma imagem da Suzana e do PC no enterro do pai do PC. A Suzana aparece em alguns momentos, em que ela está atrás, em que ela está do lado, em que ela está na frente. E aí você percebe que a Suzana era mais alta que o PC’.

A obra do então repórter da Veja desanca a cobertura jornalística do episódio. A mídia teria calcado as suas conclusões no trabalho de fontes suspeitas: ‘A farsa: o primeiro a contestar [os laudos dos peritos] foi um médico de Alagoas chamado George Sanguinetti. (…) Ele não tinha feito nenhuma autópsia na vida, nenhuma. Aí você vai dizer: ‘Ah, mas ele era professor de Medicina Legal da universidade [Federal de Alagoas]’. Isso foi um acerto político, virou titular de uma cadeira da qual não era especialista.’.

Não custa republicar a ficha técnica do livro, que virá a lume no mês que vem:

‘Basta! Sensacionalismo e Farsa na Cobertura Jornalística do Assassinato de PC Farias’, Joaquim de Carvalho, Editora A Girafa, 240 páginas, R$ 35

Link SP – Por que, na sua análise, a Suzana Marcolino matou o PC Farias?

Joaquim de Carvalho – A Suzana tinha um motivo, a Suzana tinha um instrumento e a Suzana teve a oportunidade. Qual era o motivo? Efetivamente, a Suzana estava sendo largada pelo PC. Você pode dizer o seguinte: ‘Ah, isso quem diz é a família dele’. Não. O PC, antes de morrer, passou o Dia dos Namorados, 12 de junho, 11 dias antes de morrer, com a Cláudia Dantas. Testemunhas, todos viram. Não bastasse isso, ele mandou flores para ela [Cláudia], na manhã do dia 13. [Enfatiza] A letra dele, a letra, não há dúvida de que a letra é dele. Mandou um cartão dizendo que ela seria a namorada dele. A Suzana passou sozinha o Dia dos Namorados. Você vai para a conta bancária, vê que [tempos antes] tinha depósitos regulares em dinheiro para a Suzana, você vê que ele tinha parado de fazer depósito já fazia algum tempo. Você vai para o celular, vê que ele ligava do celular dele para a Cláudia – isso é antes do crime, isso é a vida dele!-, ligava às 11 da manhã, ligava às 11 da noite. As ligações do PC para ela são demoradas. Quando você vai no celular da Suzana, durante dias ela tenta falar com o PC e não consegue, sempre tem um ponto de celular, da ligação para ele. O PC, provavelmente, não estaria atendendo mais os telefonemas dela. Mas, enfim, não tem conversa de telefone que tem com a outra. Você tem um bilhete manuscrito, tem testemunho de todo mundo que viu – e esse todo mundo que eu digo são pelo menos sete pessoas- que os dois estavam namorando. A Suzana compra uma arma. Tem gente que ainda duvida da compra, só que tem o cheque dela, assinado por ela. Tem a pessoa que vendeu a arma.

LSP – Disseram que ela teria comprado para se defender, porque ela estaria preocupada com a própria vida.

JC – Pois é, mas para quem ela disse que estava preocupada com a própria vida? Ela nunca disse que estava preocupada com a própria vida. Ela deu a primeira versão, perguntaram: ‘Por que você está comprando a arma’? ‘Eu vou dar para a minha mãe de presente’. Ela treinou tiro numa fazenda. Está no inquérito. A segunda versão, quando uma das pessoas que era dona de uma fazenda perguntou: ‘Mas por que você está treinando tiro’? ‘Porque a rua perto da minha casa é escura e eu quero aprender a atirar’. Isso ela disse no mesmo dia. Ela tinha um motivo, comprou dias antes de o PC ser morto. Ela comprou a munição, também tem cheque dela. Ela andava com a arma na bolsa. Então, ela tinha o motivo, ela teve um instrumento, ela teve a oportunidade. Ela estava com o PC, bêbados, ela nem tanto, ele mais. Ele dormiu, ela atirou. Agora, o que mais para mim é elucidador é o tiro [no PC], perto da axila. Não é um tiro fatal. Ele só morre porque [o projétil] desvia numa coluna e corta uma artéria. Suzana morre com um tiro no peito. A Suzana, qualquer uma das perícias, demora 15 minutos para morrer. O PC tem morte imediata. Eu quero que me aponte na literatura pessoal um caso de queima de arquivo com um tiro de baixo das axilas, um tiro que não é fatal. Tiro fatal é o caso da própria Ceci Cunha, que era deputada federal que foi assassinada em Maceió. Ela levou quarenta tiros. É assim que agem os pistoleiros. Não existe no mundo, se alguém quisesse matar a Suzana, que desse um tiro e ficasse de pernas cruzadas observando a hora de ela morrer, ter certeza de que ela vai morrer. Não basta isso, o quarto fechado, a porta fechada, a janela trancada. Quando arromba tem no quarto dois corpos, uma arma com duas balas deflagradas, uma bala em cada corpo. Quem atirou estava ali dento. Do ponto de vista policial é um caso simples. Aí você vai dizer o seguinte: ‘Ah, mas tudo isso foi montado…’. Cinco pessoas acharam o corpo. Na casa havia, no momento da morte, seis pessoas, incluindo duas crianças. Já são oito anos depois do crime. Nunca nenhuma dessas pessoas mudou a versão. Também me conte que conspiração resiste ao envolvimento de tantas pessoas – gente simples – que foram interrogadas muitas vezes, algumas vezes filmadas, por CPI, e nunca mudaram a versão. Me conta qual é a conspiração, qual é a ‘queima de arquivo’ que resiste a tanta gente envolvida, gente simples.

JPL – Na época, lançaram suspeita contra o irmão do PC, o Augusto Farias.

JC – O Augusto Farias pode ser acusado, com fundamento, de várias coisas ruins. Ele pode ser acusado…Empresas fraudulentas, um testamento do PC tem problemas, ele [Augusto] ficou como tutor dos filhos. Você pode acusar de uma série de problemas, mas você não pode dizer que ele mandou matar o irmão. Efetivamente, não pode dizer. Porque o Augusto viu o [corpo do] irmão tempos depois, ele não foi o primeiro a chegar, a localizar. De todas as investigações que foram feitas, não há nenhuma ligação do PC que indique minimamente envolvimento do Augusto com o crime. Eu falo o seguinte: a matéria sobre o PC é outra. Eu dizia isso, a matéria sobre o PC é onde está o dinheiro e com quem vai ficar. Nós [equipe da Veja] fomos os únicos que publicamos essa versão, que era ‘Caso Encerrado’, demos uma capa. Teve gente que ligou na Veja dizendo que eu tinha ganhado uma fazenda, que eu estava rico… Uma besteira tão grande… É aquela coisa, eu acredito que este é o caso policial de maior repercussão na história do Brasil, comparável ao Caso Kennedy. Há paralelos. Como o Caso Kennedy nunca estará encerrado, do ponto de vista da opinião pública, o Caso PC também não. Agora, do ponto de vista de nós jornalistas, dos peritos, dos juízes, tem que encerrar, [ênfase] tem que encerrar.

JPL – Na sua visão, de forma geral os repórteres que cobriram o crime forçaram a mão por si próprios ou esse é um problema de edição mesmo?

JC – Eu não tenho dúvida nenhuma de que isso é um problema de edição. Qual é o mal que existe hoje? Quem dirige as redações, em geral, não é gente que tem experiência de reportagem. Isso é fato, é um fenômeno da nossa época no Brasil. São pessoas que fizeram carreira por dentro, pela redação. Então, são pessoas que têm um certo conceito como eu tinha. Eu conto no livro: quando eu soube da morte do PC, falei: ‘É queima de arquivo’. Como qualquer pessoa. Num país como o nosso, é autodefesa. Realmente, a opinião pública é tão sacaneada, é vítima de tanta farsa que ela, em princípio, acha que é sempre o pior, e tem razão de pensar assim. Agora, quem trabalha com informação, não, jornalismo sério, não. Então, na verdade são posições de editores que os repórteres tentam satisfazer. A opinião dos editores estaria, por sua vez, sintonizada com a opinião pública. (…) Jornalista frustrado é difícil falar porque o editor também é um jornalista, mas em última análise, e isso eu falo um pouco no livro, jornalismo é essencialmente reportagem. Acabou. Todas as outras funções – eu já assumi algumas outras funções – na verdade administram o trabalho da reportagem, porque o que interessa é a informação de qualidade, de preferência inédita, que vem de quem está na rua, que vem do repórter. Este executa o trabalho essencialmente jornalístico.’