William Bonner me deu uma felicidade que há muito tempo não tinha diante de um aparelho de televisão. Invejei-o na entrevista com o presidente Lula para o Jornal Nacional. Eu não conseguiria sustentar a justa pressão que ele exerceu sobre o ensaboado entrevistado, perguntando quase tudo que gostaríamos que perguntasse ao mais lídimo representante do povo que já chegou à presidência da República.
A entrevista não devia ter sido feita no Palácio da Alvorada. Como os demais que o antecederam, Lula tinha que ir ao estúdio da TV Globo. Não é improvável que o apresentador do programa de maior audiência da televisão brasileira tenha recebido recados e instruções. Mas, pesados os prós e medidos os contras, consideradas todas as circunstâncias, seu desempenho foi um dos melhores momentos do jornalismo televisado do país.
Bonner acuou Lula, como um jornalista deve acuar um poderoso arisco e matreiro. Sem grosserias e inconveniências, ele foi duro na medida certa do respeito sem subserviência. Cortou o entrevistado quando ele ameaçava desviar o assunto, replicou respostas e colocou-o numa cadeira igual, mas incômoda, ao tratá-lo sempre de ‘candidato’, numa saudável presunção de que tudo que falar é relativo, sujeito a confirmação. Não deixou que a mulher, Fátima Bernardes, contemporizasse ou passasse a outro tema menos candente do que a corrupção.
Nobres predicados
Lula não falou sobre seus planos, é verdade. Mas como podemos levar a sério o que promete sem um entendimento preliminar sobre o princípio da credibilidade, que é pressuposto? William Bonner deu aos telespectadores a oportunidade de constatar que falta ao presidente uma condição do líder: respeitar a própria liderança.
Mais uma vez Lula transferiu a responsabilidade pelos problemas aos subordinados, como se nenhum deles, quando comete erro grave, cumpre suas ordens, sempre norteadas pelo primado da exação. O presidente é um chefe que esconde a mão quando a pedra atirada quebra a vidraça. Em seu governo não há cadeia de comando. Logo, o comandante é um bufão, um fantoche.
Lula também não tem qualquer compromisso com a fidelidade aos fatos. A história jamais se consolida em sua boca. Ele a reelabora tantas vezes quantas forem necessárias e conforme os enredos mais disparatados, desde que se preserve sempre, como o líder perfeito, impoluto, imaculado. É incapaz de admitir o erro pessoal. As imperfeições são sempre abstratas; os maus feitos, de terceiros.
O grande guia segue em frente como se tivesse diante de si apenas o espelho. Um Narciso de origem humilde e nobres predicados, mas um Narciso. Para ele, tudo que não é espelho vira detalhe. Nós, inclusive.
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Jornalista, editor do Jornal Pessoal (Belém, PA)