Os jornais de sexta-feira (1/11) informam que as polícias do Rio e de São Paulo vão padronizar seus procedimentos no controle dos protestos, com uma estratégia comum para monitorar os grupos que saem às ruas para promover depredações. Um grupo de trabalho coordenado pelo Ministério da Justiça vai elaborar um plano que pode incluir mudanças na legislação para dar maior clareza ao enquadramento de manifestantes que agirem com violência. Esse trabalho é comumente chamado de "inteligência".
A imprensa não faz referência ao outro problema, mais grave e anterior, representado pela opção preferencial da polícia pela truculência. Muitos haverão de considerar que a polícia age em nome do Estado, preposto da sociedade, enquanto os indivíduos que se dedicam ao vandalismo representam apenas a si mesmos.
Circulam pelas redes sociais e em publicações de todas as mídias teorias a respeito de um suposto direito à revolta, e hipóteses sobre certa natureza delinquencial da juventude contemporânea. Uma das teses mais populares confere aos jovens desta segunda década do século 21 características semelhantes às dos estudantes franceses que montaram barricadas em Paris e inscreveram na História o ano de 1968.
Mas é preciso muita lucubração e pouco rigor reflexivo para transpor esse recorte da geração que cresceu na Europa do pós-guerra para o contexto da sociedade brasileira que emerge de duas décadas de estabilização econômica e dez anos de mobilidade social. Ainda mais estranha se apresenta tal teoria se levarmos em conta que seus autores também são adeptos da ideia de que vivemos uma pós-modernidade, pós-ideológica e pós-histórica.
Não há como escapar à contradição presente nessa tentativa de associar os dois eventos separados por 45 anos, considerando-se as mudanças por que tem passado a humanidade nesse período. No entanto, pensadores vivem de seu pensar, e esse debate também inclui a função de entreter a sociedade.
A questão é que uma ou outra dessas ideias ganha adeptos na imprensa e nos governos, o que pode induzir a medidas inócuas, ou, pior, de efeito desastroso.
A tribo dos nem-nem
Uma vasculhada rápida no noticiário, principalmente nos esforços que fazem os jornais para individualizar os atos de vandalismo, mostra que um número significativo de jovens detidos sob acusação de violência se enquadra naquela categoria que a imprensa chama de nem-nem: nem estudam nem trabalham. São aqueles brasileiros que completaram o ensino médio, não conseguiram ingressar numa universidade e encontram dificuldade ou não têm motivação para se enquadrar no mercado de trabalho formal.
Certamente a grande diversidade de perfis que se pode encontrar entre os manifestantes contumazes que apelam para a violência exige um estudo mais elaborado dessa parcela da sociedade. No entanto, fixemo-nos nesses jovens que estão ficando à beira do caminho: qual é sua perspectiva para os próximos anos?
Sem qualificação, e vendo passar rapidamente os melhores anos de suas vidas, serão certamente clientes preferenciais de ideologias salvacionistas e pseudorrevolucionárias que se alimentam do niilismo.
Se alguém lhes disser que militam no anarquismo, eles terão encontrado a justificativa moral para seus atos. É a moral dos heróis.
Pode-se até desenhar toda uma simbologia heroica a partir dessa hipótese, e seguirão quebrando pontos de ônibus até chegarem à maturidade. A menos, é claro, que funcione a estratégia que os jornais anunciam.
No entanto, não é de polícia que eles precisam. Na verdade, não há políticas públicas para esses jovens, e não é de hoje que se observa o surgimento de escolhas conservadoras entre os filhos das famílias que foram beneficiadas pelas políticas sociais de criação de renda (ver aqui).
Têm razão aqueles que observam o recrudescimento de demandas justamente nas faixas da população que ascenderam recentemente a um patamar de renda mais confortável. Com acesso aos espaços de consumo e cultura, como shopping centers, cinemas, parques e museus, os filhos daqueles brasileiros que foram resgatados da pobreza nos últimos anos querem mais: querem cidadania. Não aceitam mais ser abordados truculentamente pela polícia quando deixam seus bairros em busca das luzes da cidade.
Certamente não é apenas isso que provoca a revolta, mas pelo menos para esse sintoma da crise que vivemos, o cassetete e a bomba de efeito moral não são os remédios mais indicados.