A imprensa mundial contava os últimos minutos para a virada do dia, não do ano. No momento, era a execução do ex-ditador Saddam Hussein, a grande despedida de 2006. A mídia colocou na cabeça em fechar o ano com chave de ouro, mostrando os últimos passos de Saddam no patíbulo. Armados de câmeras de todos os tipos, equipados com potentes sun guns, cinegrafistas norte-americanos e de outros países tiveram que dar passagem aos colegas árabes. Era o acordo selado na justiça, entre as duas nações.
Em curto espaço de tempo, a TV árabe Al Arabiya deixou o local, já com as valiosas imagens, para anunciar ao resto do mundo a morte do ex-ditador. A maioria duvidou que a execução já tivesse ocorrido, pois a mesma era esperada por todos nos primeiros minutos que sucediam às 6h do sábado (1 hora em Brasília). A CNN lançou a notícia em sua página na Internet e no plantão eletrônico da TV, citando, óbvio, a primeira fonte da informação.
Um jornalismo mais crítico
No Brasil, a Rede Globo repassou a informação da CNN aos telespectadores. Somente, no segundo plantão, a notícia, antes veiculada pela rede norte-americana CBS, foi confirmada oficialmente. Em seguida, outro plantão já mostrava imagens da CNN, com iraquianos fazendo o carnaval nas ruas de Bagdá. Ali, eu tive a certeza que Saddam estava morto, de fato.
Saddam foi sentenciado à execução sumária pela morte de 148 xiitas curdos, conhecido como o ‘Caso Dujail’, em 1982. A imprensa brasileira, ao invés de suitar o fato, com imagens e informações da CNN ou da Al-Jazira, deveria contextualizar melhor a notícia. Lembrar a todos que o número de vítimas de Saddam superou o índice de civis assassinados durante as ditaduras Milosevic e Pinochet e também o índice de inocentes do World Trade Center.
Apostaria ainda num jornalismo mais crítico e sugeriria uma comparação entre as atrocidades do ex-ditador iraquiano e da polícia paulista, quando 111 detentos foram, covardemente, assassinados no presídio do Carandiru. Apesar da baixa ter sido inferior, ninguém foi punido pelo massacre, muito pelo contrário, o episódio garantiu uma vaga de deputado ao coronel Ubiratan Guimarães na Assembléia Legislativa de São Paulo.
Notícia boa? Nenhuma
Outra vertente que deveria ser explorada na imprensa seria a própria sentença de Saddam – considerada justa aos olhos dos iraquianos. No entanto, ficam claros o absurdo do julgamento e a ilegitimidade pelo qual o processo foi conduzido. Entre setembro e outubro, segundo fontes da imprensa árabe, o número de mortos civis no Iraque, em confronto com soldados americanos foi de 7.054. Faz muito tempo que mortes no Iraque viraram apenas números e notícias desinteressante nos jornais.
Qual a boa notícia que virou com a morte de Saddam? Nenhuma. Foi sentenciado e condenado, mas isso não terá qualquer impacto positivo, de fato, no futuro do povo iraquiano. Ao contrário, ameaça um agravamento da guerra entre sunitas e xiitas e enraíza a necessidade da jihad no Oriente Médio. Mesmo com Saddam executado, os Estados Unidos continuarão sem saber o que fazer no Iraque. Os jornalistas correspondentes, idem.
******
Jornalista, Campinas, SP