Grampos, gravadores, câmeras escondidas, contatos no alto escalão e vazamento de informações confidenciais. Todo o aparato ‘técnico-científico’ utilizado pelos jornalistas para revelar a hemorragia das vísceras do governo parece ter enjoado a quem tem sido alvo constante de denúncias jornalísticas ou a quem é alvo potencial destas.
Nas últimas semanas, a mídia e, em especial, a imprensa, deu amplo destaque à tentativa de criação do Conselho Federal de Jornalismo, órgão que teria a delicada missão de ‘orientar, disciplinar e fiscalizar’ o exercício da atividade no Brasil. O projeto já havia sido revelado e proposto há quase uma década, mas ganhou novo fôlego após as denúncias da imprensa que envolviam a CPI do Banestado, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, e do Banco do Brasil, Cássio Casseb.
A polêmica proposta caiu como uma bomba nos mais diferentes ringues políticos do país, dividido opiniões e gerando desconfiança de todos os lados. Em Brasília, a medida é defendida pelo ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, que se diz contra a suposta ‘onda de denuncismo’ que estaria povoando as manchetes e ‘manchando a reputação de homens inocentes’ e pela Federação Nacional dos Jornalistas, a quem se atribui a gênese do CFJ e que afirma que o ‘mau jornalismo’ deve ser fiscalizado e punido.
Do outro lado, entretanto, há uma forte oposição, que inclui o presidente do senado, José Sarney, e a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). Todos concordam em que a medida é autoritária, contra a liberdade de imprensa e sinônimo de censura.
Com enfoques diferenciados e até mesmo antagônicos, a imprensa brasileira mostrou que não vê o CFJ e suas implicações da mesma maneira. A revista Veja escolheu a dedo as cores e as palavras de sua edição para sugerir o caráter autoritário da proposta do governo, Carta Capital decidiu-se por explorar a relação existente entre mídia e poder, ao passo que o Globo adotou um tom alarmista, mas limitado e pouco profundo.
Falta luz
Amplamente divulgado, mas pouco debatido. Como vem se tornando regra no país, as medidas que envolvem a esfera pública carecem de participação das partes envolvidas. Com a criação do CJF não foi diferente. Pouco se discutiu sobre as motivações que levam a apoiar ou a criticar a proposta do governo. Quase nada se disse das pretensões da Fenaj de liderar e controlar o conselho e bem pouco se soube do temor da AMB em relação a medidas que a lembrassem outras como a Lei da Mordaça e que se referem ao questionamento da eficácia da Justiça.
Quem reclama da proposta governista também não representa a liberdade de imprensa ou a democracia. Quem esbraveja aos quatro cantos do mundo a ‘ameaça autoritária’ são os mesmos donos do poder e da palavra, aqueles que não querem ter seu poder limitado, principalmente o da barganha. São como crianças que se queixam do coleguinha que não as deixam mais brincar no balanço do parquinho.
Interessante e trágico perceber que ao mesmo tempo em que mídia e governo travam uma disputa por território, nada se faça contra a extrema concentração dos meios de comunicação que se observa no país. E a ajuda do BNDES a grandes corporações midiáticas, enquanto referências da imprensa alternativa, como o Pasquim21, encerravam suas atividades, dada a violência do mercado brasileiro?
Talvez falte luz para governo e mídia perceberem que é mais fácil fortalecer órgãos como a Associação Brasileira de Imprensa do que desenterrar medidas antidemocráticas ditatoriais. Talvez falte ainda coragem e autocrítica para que se coloque em discussão a ligação de inúmeros parlamentares com a mídia – a velha questão das concessões.
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Estudante de Jornalismo da ECO/UFRJ e de História da Uerj