Saturday, 02 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Marcelo Beraba

‘O Projeto Inter-Meios, da revista Meio & Mensagem, concluiu o levantamento do desempenho do mercado publicitário em 2004, e o resultado é bom para as empresas jornalísticas. Segundo a pesquisa, o faturamento dos jornais com publicidade teria crescido 15,41% no ano passado. Outro levantamento, do Almanaque Ibope, constatou um resultado até melhor, 20,2%.

Esta é a notícia boa. A ruim é que a circulação dos jornais estagnou, em 2004, num patamar baixo de venda. Segundo cálculo fechado pela ANJ (Associação Nacional de Jornais) a partir dos dados do IVC (Instituto de Verificação de Circulação) e das estimativas colhidas com os diários não auditados pelo instituto, a circulação média diária no ano passado cresceu míseros 0,8%.

Os jornais venderam em 2003 uma média diária de 6,470 milhões de exemplares e, em 2004, 6,522 milhões. Se a comparação for com 2000, a queda é de 17%. Ou seja, a curva é decrescente, e ainda não é possível se afirmar que as vendas pararam de cair.

A situação para os três grandes jornais é ainda pior. Eles vêm caindo sem interrupção desde 1996. Em 1995, a Folha chegou a vender uma média diária de 606 mil exemplares. Terminou o ano passado com uma média de 308 mil. Como em 2003 tivera uma média de 315 mil exemplares diários, a queda em um ano foi de 2,3%.

Os desempenhos do ‘Estado’ e do ‘Globo’ não são muito diferentes. O jornal do Rio, que naquele mesmo longínquo 1995 chegou a vender 412 mil exemplares por dia, encerrou 2004 com uma média de 257 mil. Em relação a 2003 teve um crescimento pífio de 4.000 exemplares por dia, e foi o único. O ‘Estado’, que no seu auge alcançou 385 mil exemplares, terminou 2004 com 233 mil, 10 mil a menos do que no ano anterior. Se tomamos por base o ano 2000, os três jornais perderam juntos 31%.

Quando suas vendas aos domingos, estimuladas artificialmente por brindes e enciclopédias, passaram da casa de 1 milhão de exemplares, a Folha chegou a se comparar aos maiores jornais do Ocidente em circulação. Na última lista da WAN (World Association of Newspapers), de 2003, não há nenhum jornal brasileiro entre os cem maiores do mundo. Nenhum. O centésimo da lista, ‘The Arizona Republic’, dos Estados Unidos, tem uma média diária de 597 mil exemplares.

Esses dados devem fazer os grandes jornais refletirem. A queda de circulação não pode ser explicada apenas pela crise financeira que atravessam, ou pelo preço. Menos ainda, agora, pela conjuntura econômica.

Nos Estados Unidos, os diários também vêm perdendo circulação. Mas lá, ao contrário daqui, há uma discussão grande sobre o futuro dos jornais, e não envolve apenas empresas e jornalistas mas a sociedade.

Os cidadãos dos Estados Unidos, da Europa e do Brasil já não dependem tanto dos jornais para se informar. Têm cada vez mais opções rápidas de acesso a informações, como as TVs (abertas e de notícias) e os sites e blogs noticiosos da internet.

Essa competição expôs mais claramente as deficiências dos jornais, seus defeitos sobressaíram. Leio diariamente uma ladainha de reclamações de leitores: o jornal está chato, as informações estão incompletas, os assuntos são sempre os mesmos, o repórter não entendeu o caso, o jornal está mal informado, a informação está errada, os argumentos editoriais são cínicos, e por aí vai.

Uma das causas que se avaliam nos Estados Unidos para explicar a fuga de leitores é a perda de credibilidade dos jornais. Vários episódios recentes, como a descoberta de reportagens inventadas e a cobertura enviesada da Guerra do Iraque, questionaram a seriedade dos jornais.

E no Brasil? Um dos pontos que as empresas e os jornalistas têm de se perguntar é se a desconfiança não é um dos fatores que estão corroendo a credibilidade e, por tabela, a venda dos grandes jornais.

Não nego que outros fatores devam estar contribuindo para isso, como a falta de investimento das empresas em campanhas e, principalmente, em bons profissionais, e a competição com outros meios. Mas é provável que esta palavrinha, credibilidade, deva ter um peso grande na evasão de leitores.

Está mais do que na hora de este debate chegar às páginas dos jornais.’

***

‘A influência da imprensa’, copyright Folha de S. Paulo, 13/3/05.

‘A socióloga Alzira Alves de Abreu, pesquisadora do Cpdoc (Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil), da Fundação Getúlio Vargas do Rio, é co-organizadora do livro ‘Eles mudaram a imprensa’ e co-autora de ‘Mídia e Política no Brasil’, ambos da Editora da FGV.

Ombudsman – A crise da imprensa é visível para os leitores?

Alzira Alves de Abreu – Não sei responder se é visível. Entendo que muitos leitores hoje buscam informações ‘isentas’, querem uma diversidade de opiniões, querem um jornal plural. Mas não podemos esquecer que há também leitores que buscam no jornal a confirmação para suas idéias e convicções políticas.

Freqüentemente ouço comentários negativos sobre a forma como os jornais noticiam determinados acontecimentos: ora dando excessiva importância a temas banais, ora dando informações com determinado viés ideológico, tomando posição diante dos fatos. Acho que essa questão poderia ser objeto de uma pesquisa de vocês com os leitores. Os jornalistas poderiam também fazer debates sobre esse tema.

Ombudsman – Com tantos meios novos de acesso à informação, a imprensa escrita ainda tem espaço?

Abreu – A imprensa continua a exercer influência na formação do pensamento político e social, mesmo quando existem divergências profundas entre as preocupações do público e as da imprensa.

Mesmo com os novos meios de informação, como a TV a cabo e internet, a imprensa ainda afeta grande número de pessoas que buscam uma informação mais analítica. A televisão pode ser para muitos uma forma rápida e mais agradável para se informar da atualidade política ou para assuntos ligados ao cotidiano, mas para a compreensão da complexidade política, das relações sociais e da qualidade de vida do indivíduo, a leitura do jornal é mais abrangente do que a informação dada pela televisão.

Ombudsman – A senhora lê jornais? Gosta? Que críticas faz?

Abreu – Eu leio vários jornais por dia e gosto muito. Nos fins de semana tenho um prazer enorme em passar algumas horas lendo os jornais.’