Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Marcelo Beraba

‘Geraldo Alckmin, ex-governador de São Paulo e agora pré-candidato a presidente da República pelo PSDB, fez um comentário, na segunda-feira, que indiretamente questiona a imprensa. Ao avaliar os vários casos que surgiram nos últimos dias envolvendo-o (Nossa Caixa, guarda-roupa de sua mulher, acupunturista), ele atribuiu as acusações aos adversários políticos e fez a seguinte observação: ‘O interessante é que tudo isso apareceu depois que virei candidato a presidente. Uma coisa totalmente oportunista’.

O ex-governador tem alguma razão no que diz respeito à imprensa. Não no sentido de que ela não deveria expor esses casos agora. Mas no sentido de que revela como trabalham os meios noticiosos. Por que as acusações não surgiram antes, ao longo de seu mandato? A resposta é simples: os jornais cobriram mal seu governo. O principal foco ao longo dos três últimos anos foi Brasília, o Planalto e o Congresso.

Em relação a Alckmin, recolhi dados que apóiam a minha avaliação. A Transparência Brasil tem um arquivo (www.deunojornal.org.br) com reportagens sobre fraudes, irregularidades colhidas diariamente em 63 jornais e revistas desde janeiro de 2004. A maioria absoluta dos textos é de denúncia, um ou outro trata de projetos e políticas para se combater a corrupção. Alckmin foi praticamente ignorado em 2004 e 2005. Em 2004, foram arquivadas 33 reportagens da Folha, 34 de ‘O Estado de S. Paulo’ e 15 de ‘O Globo’ que, para o bem ou para o mal, mencionam o ex-governador. Em 2005, foram, respectivamente, 53, 49 e 14. Agora, em 2006, a Folha já publicou, até o dia 11/4, 45 reportagens, o ‘Estado’, 35, e ‘O Globo’, 41.

Uma das acusações contra Alckmin é que sua base parlamentar impediu, ao longo de todo o mandato, a criação de CPIs na Assembléia. Com a ajuda do Banco de Dados da Folha localizei apenas dez reportagens publicadas pelo jornal ao longo de três anos (2003 a 2005) com informações sobre o assunto.

Aliás, os jornais em geral, e não apenas os grandes, cobrem mal os governos e Legislativos estaduais e as prefeituras das capitais, mesmo nos Estados e nas capitais onde têm sede. Daí a sensação de oportunismo quando resolvem trabalhar.’

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‘A imprensa e a CPI’, copyright Folha de S. Paulo, 16/4/06.

‘Iniciei, no domingo passado, um balanço do comportamento da imprensa na cobertura da CPI dos Correios e destes dez meses de crise política. Ela cumpriu o papel que dela se espera numa democracia? Encaminhei a mesma questão para vários observadores da mídia e para jornalistas envolvidos na cobertura. Publiquei na semana passada as análises de três cientistas políticos. Edito hoje a avaliação de um jornalista professor de ética e de dois editores de jornais.

‘O jornalismo, em qualquer meio, continua assentado sobre seu pilar principal, de levar ao público aquilo que pode afetá-lo em sua vida diária, para que possa conhecer, escolher, intervir. O jornalismo continua como uma forma de conhecer rapidamente os fatos e as versões, os dados e as interpretações, porque o calendário é diário. Acontecimentos e decisões no campo do poder político e econômico, refletem-se imediatamente na vida dos cidadãos. Quando o jornalismo deixa de fazer isso,fica menos jornalismo ou pior jornalismo.

No caso do chamado ‘mensalão’, a cobertura cumpriu o papel de relatar e investigar o Poder Público e suas ramificações que comprometem a finalidade da República e tornam os cidadãos menos cidadãos. Isso deve ser feito em qualquer circunstância, durante qualquer governo.

Mas, cumpriu adequadamente o papel? Teríamos de ver caso a caso. No conjunto, pareceu-me satisfatória a cobertura, mas houve excessos. O princípio da checagem, da diversidade de fontes, da apuração bem feita, deu lugar, algumas vezes, ao jornalismo embalado pelo interesse político, econômico ou ideológico. Faltou jornalismo.

É importante que a imprensa não repita os erros que ocorreram nos casos Alceni Guerra e Ibsen Pinheiro. Os prejuízos aos acusados são grandes e a sociedade é levada a julgamentos equivocados sobre pessoas e situações, e às vezes passam cinco ou dez anos para a revisão do erro, uma autocrítica sem a mesma repercussão da acusação inicial.

Como aspecto positivo, fica a intensificação do jornalismo investigativo insistente, que busca a apuração, o confronto entre versões, os dados documentais, que não se contenta com o declaratório. A maioria dos veículos seguiu esse caminho. Como aspecto negativo, houve, em alguns casos, a ultrapassagem dos limites jornalísticos ao acusar sem provas, assim como o tratamento de suspeitos como culpados e a invenção de declarações e fatos.’

‘Esta foi a primeira grande CPI em tempo real do Congresso. Isso trouxe mais agilidade à cobertura, em relação ao ritmo de investigações passadas, mas também propôs o desafio, nem sempre superado no dia-a-dia dos jornais, de ir além do noticiário dos blogs e das TVs da véspera. No ‘Valor’, cuja política editorial é pautada pela busca desse aprofundamento, esta cobrança se sobressai. Os limites de sua cobertura refletem, em grande parte, os da própria investigação que a imprensa, em geral, não foi capaz de romper, como no mapeamento incompleto dos recursos privados da corrupção estatal. Nos dias em que a CPI e a Procuradoria Geral da República revelaram suas conclusões, dando por encerrada a primeira etapa da investigação, as pesquisas de opinião mostravam que a maior parte da população tomara conhecimento do escândalo, mas já estava saturada da cobertura. A circulação dos jornais cresceu em 2005, quando as comissões atingiram o ápice da exposição pública. Isso mostra que a crise despertou a atenção do leitor. Se esse interesse se esvaiu é também porque a imprensa tem dívidas a saldar. A principal talvez seja a de mostrar como esses longos e exaustivos meses de investigação vão melhorar a vida dos brasileiros.’

‘A maior crítica ao trabalho da imprensa será sempre sobre o que não fizemos antes do início da CPI dos Correios, durante os dois primeiros anos do governo Lula. Fomos pegos de surpresa pelas denúncias que deram origem à crise do mensalão. Nem o caso Waldomiro fora capaz de nos colocar em alerta para a gravidade do que estava em gestação. Demoramos a encontrar um caminho próprio no emaranhado de informações e interesses políticos em jogo. Não comprometemos nossa independência nem qualquer outro de nossos princípios, mas vivemos inicialmente a reboque da guerra fratricida que tomou conta do governo, um dos traços distintivos desta crise. Passada essa fase, voltamos a fazer o que a democracia nos cobra: investigar, revelar e debater em profundidade os fatos e as versões apresentadas.

No que diz respeito ao ‘Globo’, vale destacar quatro momentos da cobertura, tanto por sua influência no rumo das investigações quanto pelos valores éticos em questão. Em julho, noticiamos com exclusividade que o PSDB de Minas se valera do mesmo método (o caixa dois) e do mesmo operador (Marcos Valério) na campanha de 1998. Outro caso foi a revelação de que a Telemar investira R$ 5 milhões para a criação de uma empresa de um dos filhos de Lula. Diferentemente de outros veículos, só noticiamos a lista de Furnas quando passou a ser usada politicamente na CPI. E na quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa, ‘O Globo’ foi o primeiro a alertar para a ilegalidade da medida. Palocci caiu e a crise moral do governo Lula tem hoje o tamanho deste último crime.’’