Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Mario Vitor Santos

‘Falando de jornalismo e preconceito, a rádio BandNews veiculou recentemente que o motoqueiro Firmino Barbosa, segundo o policial que atendeu a ocorrência, não tinha em seu poder relógio algum. A notícia até hoje não foi veiculada no iG. Os veículos de comunicação, inclusive o iG, trataram Barbosa como suspeito.

A última notícia que o iG publicou sobre esse tema, é do dia 8 de janeiro (leia aqui). Nela aparecem os depoimentos de quatro supostas vítimas de roubos cometidos por Barbosa na mesma noite em que foi alvejado pelo promotor Pedro Baracat Guimarães.

A versão do policial que beneficia Firmino, apesar de ter divulgada em outros veículos (´Diário de S.Paulo´, ´O Globo´, ´Folha´), até hoje não saiu no iG. Fica a pergunta que o jornalismo ainda não conseguiu responder: o que aconteceu na av. República do Líbano, na noite de 5 de janeiro?

Falta cor no conteúdo do iG

O iG publicou recentemente material de sua parceira BBC Brasil com críticas do correspondente Gary Duffi (leia aqui) à falta de diversidade racial nos desfiles da São Paulo Fashion Week. Perfeito, nada a opor. A mesma crítica foi feita por outros veículos de comunicação, inclusive o jornal ´Folha de S.Paulo´, que chegou a publicar um placar mostrando a desproporção entre o número de modelos de cor branca escalados para estrelar os desfiles e a escassez de gente de cor negra. Dos 1.128 modelos da SPFW, só 28 eram negros (2,5%), segundo a Folha.

A vigilância dos jornalistas e dos órgãos de comunicação em relação a esse assunto, porém, padece de falta de coerência. O iG, por exemplo, como chama a atenção a sempre atenta leitora Elenice Oliveira, quase nunca se lembra de destacar em suas reportagens modelos negras, ou ilustrar seus conteúdos de entretenimento, namoro, beleza e consumo com homens de cor negra.

´No caso das mulheres bonitas sessentonas e setentonas caracterizaram mulheres bonitas somente as mulheres brancas, num país com 47% de negros. Lembro que publicarm fotos de Hebe Camargo, Angela Vieira, Vera Fisher e outras. Cadê fotos de Lázaro Ramos, Antonio Pompeu, Chica Xavier, Adriana Lessa, Adriana Lima, Mauricio Gonçalves, Maria Ceiça, Izabel Fillardis, Ruth de Souza e tantos outros atores e atrizes negros – será que o IG não respeita a diversidade? Tem que entrar lá na sua lista de Faltas um número para – Falta Respeitar a diversidade. Falta olhar o outro e admirar a diferença dele. Não podemos alimentar preconceito, senão seremos responsabilizados pela violência que todos nós sentimos´

Elenice Oliveira

O iG até hoje não elaborou uma política clara que regule seus procedimentos em relação à produção de conteúdos que reconheçam explicitamente a igualdade entre as pessoas independentemente da cor de sua pela. No Brasil, até o poder público (e umas raras empresas) adota padrões mais avançados do que a prática discriminatória que predomina nos veículos de comunicação, inclusive na publicidade e no jornalismo. Ao não estabelecer princípios explicitamente anti-racistas, nem tomar medidas práticas nesse terreno, o iG reproduz comodamente um padrão que no fundo é discriminatório. O Manual do Último Segundo, que deveria orientar os procedimentos do iG em temas relativos à discriminação é na prática omisso. Estabelece apenas que:

´O Último Segundo se reserva o direito legítimo de retirar das listas de publicação informações nas seguintes situações:

– Informação ofensiva, racista ou preconceituosa;`

´Título – Os enunciados dos títulos devem ser diretos, podem ser bemhumorados (nunca expressar preconceito) e o vocabulário não deve ser rebuscado´

Ou seja, para o iG a discriminação não é importante o suficiente para provocar uma atitude clara. O resultado da omissão é que padrão discriminatório herdado da mídia tradicional é reproduzido na nova ordem virtual. Além de vigiar a SPFW, o iG e outros veículos deveriam mostrar o seu próprio placar da discriminação.

Portal de Moda do iG, em que todas as imagens destacadas são de brancos

E o site oficial da SPFW, onde os únicos negros na capa são o ministro Gilberto Gil e a cantora Tina Turner’

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‘A internet rejeita pagar trabalho das agências’ (23/1/08)

‘O jornal inglês The Guardian publicou na terça-feira uma entrevista com Mark Solomons, presidente do conselho da Associação Britânica de Agências de Notícias. No artigo ´More press agencies ´will go to the wall´, o correspondente Stephen Brook registra a insatisfação das agências em relação aos jornais, que em suas edições on-line usam o conteúdo comprado das agências (para edições em papel), mas sem pagar nada a mais.

Isso, segundo Solomons, está levando um número crescente de agências a fechar as portas. A última foi a Newsflash, de Edimburgo, que existiu durante quinze anos.

´Alguns jornais estão pagando o mesmo que pagavam há 15 anos, alguns até menos, quando pagam´, disse Solomons ao citar o caso do The Sun, tablóide sensacionalista que comanda o império do megaempresário australiano Rupert Murdoch. O Sun, apesar de ser o jornal inglês de maior circulação diária, com 2,99 milhões de exemplares, está com dívidas acumuladas com agências há mais de seis meses, segundo Solomons.

A recusa em pagar pelo conteúdo usado na rede, diz a reportagem, ´foi o que causou a greve dos roteiristas nos Estados Unidos (…) mas ao contrário dos roteiristas de Hollywood, nós não podemos fazer greve para conseguir uma taxa pelo conteúdo on-line´, afirma o presidente da associação de agências. Para ler o texto original (em inglês) clique aqui.

Enquanto isso, o Fórum Econômico de Davos discute inovação. Jeff Harvis em seu blog BuzzMachine cita o palestrante Larry Keeeley, de Dublin, que afirma que se todos os leitores norte-americanos deixassem de acompanhar as notícias em jornais de papel e passassem a lê-las apenas na versão eletrônica, os Estados Unidos atingiriam imediatamente as metas de redução de emissão de gases estabelecidas pelo protocolo de Kioto.

Os hábitos no futuro próximo parecem impor o domínio absoluto do conteúdo virtual, eletrônico, multimídia e móvel. A audiência está migrando para essas formas que vão ficar mais baratas e, lentamente, as verbas devem ir também nessa direção.

Resta saber como conciliar a mudança (alguns falam de mutação) de padrão de ´leitura` com a resistência dos consumidores a pagar pelo que recebem e a morosidade dos anunciantes em fazer migrar seus investimentos para a rede com maior intensidade e rapidez.

A utilização do conteúdo é intensa na rede, mas a disposição de pagar por ele é mínima. Muitos fornecedores, na expectativa de ocupar uma posição boa no futuro mercado, não resistem e vão ficando no caminho.’

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‘Tiros no braço, projetos de animais’ (22/1/08)

‘Para distinguir-se pela qualidade da cobertura, o iG deve investir em trabalhos jornalísticos de peso, realizados por jornalistas e veículos que sirvam como referência para esclarecer os temas e fornecer subsídios para o debate informado.

Hoje o IG, trouxe reportagem de Mark Landler e Heather Timmons, do The New York Times, sobre a possibilidade de contaminação da crise por outros países da Europa e Ásia (leia aqui). O tema interessa ao Brasil. A autoridade do The New York Times deve sempre ser considerada. Mas, em sua nova capa ´pré-breaking-news` o iG não deu destaque para o texto do Times. Deveria, ou talvez não.

As traduções dos textos do Times no iG continuam apresentando problemas inaceitáveis de tradução. No texto citado acima, o termo ´decoupling` acabou sendo traduzido no texto do iG como ´separação´, quando quem acompanha o noticiário econômico no Brasil sabe que o termo usado é ´descasamento` ou ´descolamento´. Mas isso é apenas um detalhe.

Já a expressão ´shot in the arm´, expressão exagerada do presidente George W. Bush ao anunciar na sexta-feira seu pacote para minimizar os efeitos da crise econômica americana, significando uma ´injeção na veia´, foi traduzida como ´tiro no braço´, o que certamente inverte as intenções do presidente americano e do texto do Times.

Ainda nesse assunto das traduções do iG (em terreno abordado com brilho pelo ombudsman da Folha em sua coluna do domingo passado sobre falhas de tradução naquele jornal), o Último Segundo ontem deu manchete para um editorial do Times sobre cinismo e ética na política (leia aqui, porém, é necessário fazer um cadastro gratuito para ter acesso). O texto cobrava mais transparência na revelação dos projetos de interesse dos parlamentares. Nesse texto, a expressão em inglês ´pet projects` (projetos ´preferidos´, projetos ´de estimação´) foi toda traduzida no iG como ´projetos de animais´. Pode?

Tema quente, nova capa

Um dia depois de os mercados internacionais entrarem em queda livre, agora, quando a bolsa de São Paulo recupera um pouco do que perdeu ontem, o iG inaugura um novo desenho para a sua capa. O trabalho, liderado pelo diretor de arte Rodrigo David, é de primeira, harmonioso e equilibrado. Trata-se de um avanço para o jornalismo do portal. Quando a nova home fica no ar, sempre durante um tempo limitado para coberturas especiais, a capa tem nova aparência. Não há mais aquela rotação das fotos para entretenimento e publicidade. A imagem principal cresce e mantém-se mostrando o fato jornalístico principal: a prioridade nesse momento é ainda mais para a notícia. Passado o período mais crucial da cobertura do assunto de grande importância, a capa do iG volta a seu formato conhecido.

Acima de todas as conquistas, o melhor é a demonstração de empenho na renovação. Isso precisa ser repetido e diversificado. Mudar o design da capa deve ser tarefa de todos os dias. Num mundo ideal, cada notícia deveria ser editada de maneira particular. O formato da capa do iG deveria mudar todos os dias e em intervalos curtos, mostrando variações da importância relativa entre os assuntos. No mínimo, o iG deveria dispor de algumas opções de desenho da capa.

De acordo com editora-chefe do Último Segundo, Mariana Castro, o novo formato adotado hoje será usado sempre que aparecerem coberturas sobre um tema quente de grande importância, que imponha chamadas diversas sobre diferentes aspectos de uma notícia, combinando hard news, comentários, análises, fotos, vídeos, ilustrações, gráficos, reportagens oriundas de países ou fontes diversas, além de comparações e históricos. A caixa da nova capa traz dentro dela também duas fotos ligadas ao tema principal. A novidade também é positiva, mas as fotos são mínimas, pequenas demais, a ponto de serem quase ilegíveis. Apesar disso, com as mudanças de hoje, o iG consegue apresentar melhor para o público a quantidade (e em alguns casos, a qualidade também) de notícias que é capaz de colocar no ar sobre um certo assunto, unindo cobertura própria ao trabalho de parceiros e de terceiros.

Ao menos duas obrigações se abrem com essa mudança. Primeira: que ela seja usada com freqüência. Segunda: que o iG invista no trabalho de edição, para seleção das informações adequadas, de modo a valorizar o uso do novo espaço, que foi criado como um recurso nobre a ser acionado em ocasiões especiais. A mudança indica ainda uma consideração pelo jornalismo que deve ser desdobrada para outras situações de temperatura e impacto ainda maiores. Sempre que o iG investe em bom conteúdo e bom jornalismo, merece aplausos.’