‘Caso se confirme a suspeita de que a auxiliar de enfermagem Marizete Borges de Abreu morreu em conseqüência de reações adversas à vacina contra a febre amarela, os meios de comunicação, inclusive este iG, deveriam vir a público assumir a responsabilidade por ajudar a criar um clima de alarme a respeito de uma suposta epidemia da doença, até agora não confirmada. A auxiliar de enfermagem tomou a vacina sem necessidade, pois não apresentava sintomas nem havia circulado por nenhuma área de proliferação da doença.
A única modalidade de febre amarela ainda existente no Brasil é a forma silvestre, ou seja, a que é contraída em regiões de mata ou em suas proximidades. Febre amarela em ambiente urbano não acontece no Brasil desde 1942. Os casos que têm surgido afetam exclusivamente pessoas que estiveram em áreas de risco (localizadas principalmente em Mato Grosso e Goiás). Os meios de comunicação falharam gravemente ao não esclarecer esse fato. Não informaram que o risco era nulo para quem não tivesse passado pelas áreas onde ainda existe a modalidade silvestre da doença.
Por falta de conhecimento, despreparo técnico, ânsia sensacionalista e leviandade, a mídia como um todo omitiu essa informação do público, contribuindo para criar um problema de saúde pública. Houve histeria social, corrida aos postos de vacinação e o esgotamento dos estoques da vacina em várias cidades. Pessoas foram presas sob acusação de vender a vacina indevidamente. O assunto já foi abordado esta semana pelo ombudsman da Folha, como citou o site Conversa Afiada, ao também criticar o alarme provocado pela mídia.
O governo errou pela falta de reação a tempo de controlar a situação. A situação chegou ao ponto de o ministro da Saúde José Temporão ter que fazer pronunciamento em rede de rádio e TV para tentar controlar o pânico. Há até agora outras três pessoas com reações graves (o que pode incluir inflamação do cérebro e comprometimento progressivo de fígados e rins) em decorrência da vacina. Até hoje, são 43 os casos de reações adversas à vacina, contra 20 casos confirmados da doença (em sua forma silvestre), causando 10 mortes (o que não está fora da média anual de óbitos nessa época como conseqüência, sempre, da febre amarela de origem silvestre).
O assunto vai saindo das manchetes e das primeiras páginas. A chamada cobertura de saúde no jornalismo brasileiro falha no momento em que é mais necessária (a área de saúde do iG hoje, por exemplo, nem menciona a febre amarela em sua capa, cuja manchete é ´Rir é o melhor remédio: playground para idosos é inaugurado na Grã-Bretanha´. Os veículos fingem que nada aconteceu e que a corrida aos postos foi espontânea e natural, como se não fosse conseqüência de um ambiente criado por incompetência informativa e sofreguidão. Falta auto-avaliação e transparência em relação aos erros do noticiário, cujas conseqüências são potencialmente letais. É princípio do bom jornalismo não colocar jamais em risco a segurança ou a saúde das pessoas. O princípio foi desconhecido e ninguém vem a público para debater eventuais erros. Essa seria a vacina que veículos e seus dirigentes deveriam, pedagogicamente, tomar.
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Contra e a favor do ´clima` de Carnaval (30/1/08)
O iG anuncia que preparou ´a maior cobertura de Carnaval de sua história´. Vai acompanhar o evento com uma equipe de 70 profissionais e transmissões exclusivas ao vivo. Rio e São Paulo terão imagens ao vivo enviadas pelos próprios internautas.
Mas os problemas de edição já começam a aparecer antes da festa começar. Nem todo o noticiário de Carnaval está sendo concentrado no site específico que o iG organizou. Hoje, por exemplo, o iG tem uma ´reportagem` (na verdade, em geral, esses textos são informações ´de serviço` divulgadas por órgãos públicos) sobre distribuição de preservativos em São Paulo. Outra dessas reportagens divulga uma ação da TAM para tentar diminuir possíveis transtornos. Dois textos antecipam o movimento de veículos na Dutra e do trânsito rumo ao litoral sul de São Paulo no feriado. Sobre Pernambuco, a pauta segue o mesmo tom oficialesco: haverá distribuição de pílulas do dia seguinte. Essas reportagens não foram destacadas no especial de Carnaval e estão somente na lista do Último Segundo.
A previsão do tempo é negativa. Diz que a chuva em São Paulo deve continuar até o Carnaval. Por que será que previsão do tempo não aparece no interior do site destinado ao Carnaval. Existe algo mais importante para um folião preparar-se do que a previsão do tempo?
Tudo o que diz respeito a Carnaval, inclusive a previsão do tempo (mesmo que faça chuva e frio), deveria reunido numa mesma página. Talvez fosse correto, ainda, colocar no noticiário do Carnaval, especialmente para quem pretende participar da festa no Rio, a crise profunda que atinge a cúpula da PM no Estado, que deveria fazer o policiamento da festa. No hotsite aparece apenas uma notícia ´positiva´, de que a segurança contará com mais 2.600 homens (mais 50%) no feriado. O site de Carnaval do iG não menciona a queda, ontem, do comandante da PM fluminense. Se a política de segurança pública do Rio já é considerada um caos, como essa nova crise pode afetar a tranqüilidade dos foliões?
Entre o pequeno número de notícias publicadas hoje (oito até às 18h40) há, porém, um atenuante: o site de Carnaval não se omite e divulga uma nota supostamente ´negativa` afetando um evento que o iG patrocina: Flora Gil não vai mais comandar o camarote Expresso 2222. A tarefa será assumida por outros membros da família, a partir de agora. Não que seja uma demonstração radical de jornalismo investigativo, mas já é alguma coisa.
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Tempo ruim (29/1/08)
Chove forte há alguns dias no Rio, em São Paulo e numa área extensa do país. No Rio, as autoridades declararam estado de atenção. O Santos Dumont e Congonhas operam por instrumentos. O Último Segundo anuncia na capa que a capital paulista tem agora 29 pontos de alagamento sob o título ´Não pára chover em São Paulo´. A situação pode se agravar, mas o iG até agora faz um acompanhamento rotineiro. Os leitores querem ter uma idéia atualizada da real de temas como as enchentes e o trânsito. Outros querem se programar para o feriado de Carnaval. O iG, mais uma vez sem conseguir destacar repórteres para acompanhar as informações no local, depende da ´escuta` realizada pela jornalistas na redação. Não se explica a ausência até agora de uma área exclusiva para a previsão do tempo e das conseqüências dos fenômenos meteorológicos no menu da página principal do iG. Em tempos de aquecimento global e mudanças climáticas, está na hora de criar um canal dedicado à meteorologia e às intempéries, no Brasil e no mundo. Em todos os níveis, o assunto é e será importante demais para continuar merecendo tratamento disperso e improvisado. Por falar nisso, melhorou a situação das represas? E o anunciado apagão energético, como fica?
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Carnaval do jornalismo (28/1/08)
Os veículos já planejaram e começam a desenvolver sua cobertura de carnaval. Pelo que se vê até agora, não se pode esperar um trabalho jornalístico criativo, num terreno muito explorado.
O iG anunciou sua cobertura num texto publicado no dia 18 de janeiro: ´Uma equipe de mais de 70 profissionais está pronta para cobrir os quatro dias de festa em Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo, Recife e Olinda. E ferramentas interativas abrem a possibilidade dos usuários do portal participarem dos acontecimentos via internet.`
Até agora, o trabalho dessa equipe segue um roteiro previsível, que também é a marca dos concorrentes: acompanhamento das celebridades, especialmente aquelas que têm algum destaque na televisão, foco nos carnavais de Salvador, Recife e Olinda, Rio e alguma coisa de São Paulo.
O iG anuncia o patrocínio ao Camarote Expresso 2222, no Carnaval baiano e a transmissão, tendo ´transmissão exclusiva para internet dos trios elétricos do Circuito Dodô, em vídeo e ao vivo direto do camarote onde Gilberto Gil, Ministro da Cultura, recebe com a esposa, Flora, seus convidados e celebridades nacionais e internacionais. A transmissão será realizada sem interrupções de sexta a terça-feira, das 16h às 3h.´.
O tamanho do problema: o iG patrocina, transmite e acompanha jornalisticamente um mesmo acontecimento, comandado por um ministro. Há uma superposição de tarefas que deveriam entrar em conflito umas com as outras para que o jornalismo pudesse cumprir suas funções de independência e distanciamento.
Este e outros aspectos dessa cobertura serão examinados nos próximos dias.’