‘As crianças foram expostas a 800 mil brinquedos perigosos, pagos a preços altíssimos em que direitos de propriedade valem muito mais do que o material, artigos impostos ao consumidor por uma estrutura de heróis, filmes, desenhos animados, estruturas publicitárias assumidas ou subliminares. Narrativas que levam as crianças a crer e a desejar. Agora, diz-se que a devolução dos valores ou artigos pela empresa é cheia de complicações e discrimina o consumidor no Brasil. E o principal título da seção de Economia do iG sobre esse assunto tem o jeito afirmativo de um anúncio oficial da empresa: ‘Consumidor da Mattel receberá o dinheiro de volta’.
Assim, de maneira direta. Não se esclarece no título que essa é uma (mais uma?) promessa da empresa. O iG afirma no título da capa e da reportagem interna que isso vai acontecer: a empresa vai devolver o dinheiro. Acredita que isso vai acontecer e quer que o leitor também acredite. Ou seja, quando devia distanciar-se, dizer claramente que quem declara que vai pagar é a Mattel, o iG contamina-se (sem trocadilho) com os problemas de credibilidade que afetam a empresa.
Justo agora, quando seria a hora de fazer jornalismo. Ou seja, é hora de sair a campo, falar com as famílias, checar os registros médicos para saber de casos de crianças que engoliram as peças ou que possam ter tido problemas compatíveis com algum tipo de contato com substância perigosa, cobrar das autoridades o controle do passado e do futuro. É hora de saber por que o processo de troca aqui é tão complicado, com os consumidores tendo que enviar os brinquedos pelo correio para avaliação, enquanto em outros países o consumidor deve apenas dirigir-se a uma loja. É hora de questionar os advogados e especialistas. E exercer jornalismo crítico, não oficial. Enfim, é um dos momentos em que o jornalismo, se não pôde ser feito antes, passa a ser obrigatório.
As agências das agências
As agências internacionais e nacionais de notícias, os economistas-chefes dos bancos, a incrível massa de analistas econômicos, todos baseiam suas análises em agências de classificação de risco. Elas são especializadas nesse tipo de medida. Até a última hora, essas agências não baixaram a classificação de risco de papéis podres emitidos a partir de créditos do mercado imobiliário norte-americano, onde a queda do dominó começou. Desde meados de 2006, alguns jornalistas e analistas anunciavam a iminente crise nos Estados Unidos. O problema era previsto, mas todos ficaram presos a uma formalidade, a uma informação velha, não atualizada, exposta numa instituição que tinha credibilidade. Essa é uma crise de informação. Os veículos podem atribuí-la às agências de classificação, mas toda a cadeia informativa fracassou.
Crise: na ilha de tranqüilidade ou na porta do baile?
A divulgação de novas informações sobre a economia norte-americana hoje, e mais uma queda nas bolsas podem dar agravar as previsões sobre a gravidade e a duração da crise financeira internacional. Até agora, o Brasil tem sido informado, por fontes oficiais e especialistas de fora do governo, de que está a salvo. Será? A cobertura do iG usa textos vindos de agências. Deixa muito a desejar num campo fundamental, o do jornalismo local. Fala da queda das bolsas, das palavras e dos atos das autoridades, mas não traz informações mais próximas.
Há muito o que mostrar sobre as ameaças que podem vir a rondar o Brasil. Até agora, venceu uma avaliação otimista, a respeito da capacidade de o país seguir em frente sem ser afetado. A crise é coisa de americanos e desenvolvidos. Será que é isso mesmo? Há aí um grande campo para a reportagem e para o trabalho de analistas.
Além das instituições internacionais, o iG utiliza agências brasileiras como Valor on-line, Agência Estado e Agência Safras. Essas agências realizam um acompanhamento dos principais indicadores. São boas para fornecer elementos para as manchetes, dizer se as bolsas estão caindo ou subindo, descrever como variam as cotações entre as moedas. Mas quando se trata de se aproximar da vida concreta das pessoas expostas aos efeitos da instabilidade, de prestar serviços mais específicos, nada substitui a reportagem produzida em função da situação no Brasil, ou de um olhar brasileiro sobre a crise nos EUA, por exemplo.
Falta também tratar a informação de acordo com os diversos públicos. Para cada grupo de leitores deve-se dar um enfoque diferente. Certos leitores talvez não estejam tão interessados na chamada macroeconomia, mas na possilidade dessa crise interferir no preço dos alimentos, nos juros bancários, no valor dos automóveis ou nas chances de emprego em função de uma possível diminuição do crescimento mundial. Outros podem planejar comprar imóveis ou reformar a casa, mas precisam de mais informações se é o momento para contrair um empréstimo, por exemplo. A preocupação mais simples, e não por isso menos importante, é se o caos nos mercados do exterior vai interferir no fechamento das contas do mês.
Já o leitor especializado procura ver esse mesmo assunto de maneira mais ampla e aprofundada, para se adiantar contra os efeitos da crise, por exemplo, numa oferta de ações de uma empresa ao mercado. A crise ajuda a revelar a capacidade de decisão de especialistas no mercado financeiro e, por isso, quanto mais informação aprofundada, melhor.
A possível novidade é que, pela primeira vez em muitas décadas, o Brasil aparenta ter indicadores econômicos gerais mais confortáveis do que as chamadas economias centrais, como os Estados Unidos. Isso não tem nada a ver com situação da população que enfrenta desemprego elevado e baixos salários. De qualquer forma, diz-se que a crise deve afetar mais os países desenvolvidos do que os mais atrasados e isso é uma novidade para o jornalismo brasileiro, dependente e marcado pelo complexo de inferioridade, sempre à busca de exemplos e referências.
Nos últimos anos, graças à valorização de algumas matérias-primas, como soja ou petróleo, o Brasil está menos exposto quando ocorrem crises em mercados internacionais. A maneira como essa situação é noticiada tem reflexos políticos aqui no Brasil, a quase um ano de mais uma eleição municipal. Os marqueteiros já pensam no que vão usar nas eleições. A versão mais favorável ao Planalto tem prevalecido. O Brasil é, enfim, uma ilha de tranqüiilidade num mar revolto? Ou, na verdade, a festa acabou e o país não aproveitou nada dela? Só o jornalismo poderia antecipar essas respostas. Mas este já estava escasso antes da crise. A esperança é que ela estimule alguma mudança.
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Mensagem (verdadeira) do iG deixa internautas assustados (14/8/2007)
Nos últimos dias, o Ombudsman recebeu onze e-mails avisando de uma suposta mensagem falsa enviada pelo iG aos seus assinantes. O texto, sem identidade visual do iG ou de seus parceiros, informava sobre ‘três presentes’ aos internautas. Desta vez, porém, o temor dos usuários não tinha relação com um perigo real. Não parecia, mas o email era do iG mesmo. Ou melhor, era do VoxCards, um parceiro do iG. A mensagem foi enviada, por erro, sem a identificação visual do Vox Cards.
Sobre o caso verdadeiro, seguem, abaixo, a mensagem de um dos internautas e, em seguida, a resposta do iG.
‘Recebi uma mensagem, supostamente enviada pelo IG, contendo a seguinte mensagem abaixo’
Mensagem verdadeira do iG
‘Ao que parece, trata-se de armadilha de engenharia social, e o que me chamou a atenção foram as 3 letras do código (LAY), que é muito parecido com ‘LIE’, que, em Inglês, significa ‘mentira’. De qualquer modo, como o site cita o meu nome corretamente, achei por bem enviar, para solicitar informação sobre a veracidade do conteúdo.’
Michele.
Procurado, o gerente de Marketing do iG, Eduardo Bonilha, atestou a veracidade do e-mail. Veja a resposta dele, abaixo:
‘Caros,
O e-mail enviado é verdadeiro e trata-se de uma comunicação de um parceiro comercial do iG, a VoxCards. Houve um equívoco na preparação do e-mail e ele foi enviado sem a identidade visual e logo do parceiro, gerando confusão sobre sua autenticidade. O iG pede desculpas pelo transtorno causado e tomará as providências necessárias para que isto não ocorra mais. Fico à disposição. Abs,’
Eduardo Bonilha
O caso acontece menos de um mês depois de ter circulado na rede uma falsa mensagem do iG, com pedido de atualização cadastral. Na época, o caso foi noticiado por este blog na nota ‘A Falsa Mensagem do iG’ (cuja imagem foi reproduzida abaixo).
Falsa mensagem, enviada em julho
Como se percebe, a semelhança entre as duas imagens é muito grande. Por isso, aqui vão as recomendações dadas pelo iG para que o internauta não caia em algum golpe da internet:
‘O iG diz que nunca solicita a atualização de dados pessoais ou senhas diretamente por e-mail ou links. Quando necessário, o assinante é orientado a atualizar os seus dados na Central do Cliente (www.ig.com.br/central), onde há explicações sobre a política completa de segurança e privacidade. Bonilha também aconselha que os clientes instalem no computador um programa de antivírus e firewall, que é atualizado freqüentemente. Denúncias de e-mails falsos ou sobre essas mensagens circulares falsas podem ser encaminhadas para o e-mail abuse@ig.com.br. O iG deve sempre zelar para que seus assinantes não sejam expostos a invasões de sua privacidade com mensagens inventadas para enganá-los.’
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Não é o que parece (13/8/2007)
A capa do iG trouxe a foto e o título-legenda acima: ‘Queda da roda gigante – Acidente em parque mata quatro’
Imediatamente, um leitor reagiu:
‘Caro Ombudsman,
O que é isso?
Entrei no iG na manhã desta segunda-feira e me deparo, de cara, com um menino pendurado em uma roda gigante, visivelmente morto. Pergunta: o iG virou palco de ritual macabro? A mesma manchete e foto se repetiam, como o senhor pode ver nos anexos que mando, na capa do Último Segundo… publicar fotos de crianças mortas enforcadas, ao que parecia, na capa do site, não só é falta de respeito como é, principalmente, uma demonstração clara do amadorismo do jornalismo praticado por esse veículo.
Fico triste…
Obrigado.’
André Barros
O ombudsman foi apurar. E descobriu o seguinte: segundo a reportagem destacada pelo iG, quatro pessoas que estavam dentro do vagão morreram quando o compartimento abriu. A foto, então, não mostra o resgate de uma pessoa morta, mas de um menino sobrevivente. Só que não foi assim que o iG divulgou, como se nota nos títulos publicados na capa do portal. O título da capa não informa que a imagem mostrava um resgate. O título fala apenas dos mortos. O leitor foi induzido a erro.
Em resposta, o diretor de Conteúdo do iG, Caique Severo, confirma que a foto é de um dos sobreviventes, e não de um dos mortos. Veja abaixo a resposta do diretor:
‘A foto da reportagem em questão é de um menino sendo resgatado no acidente. Essa informação está clara na página da matéria. No entanto, durante alguns minutos a foto da capa do iG e da página principal do Último Segundo não deixavam clara essa informação. Ao identificar esse problema, a equipe do iG mudou a legenda para:
‘Bombeiros resgatam feridos’
‘Acidente em parque coreano mata 4’
Quando um recorte da mesma imagem do menino resgatado é ampliado e mais iluminado, como foi se vê na foto acima, percebe-se a diferença. Entretanto, o tamanho em que a imagem foi apresentada no site, assim como a legenda que fala de mortos – e não de resgate – provocou a revolta do leitor.
Problemas assim acontecem, mas podem ser evitados por meio de edição mais cuidadosa. É essencial ler o que dizem as legendas que as agências enviam junto com as fotos. E colocar-se no lugar dos leitores, esclarecer o que está acontecendo no momento da foto, descrever a ação realizada e a situação dos envolvidos. Fotos são informações que atraem muita atenção. No jornalismo, seu entendimento adequado depende de um contexto, que é fornecido pelos editores a partir das informações de que dispõem. Títulos, subtítulos e legendas são, portanto, decisivos para o entendimento adequado. No caso, o erro não foi intencional. Mas o sensacionalismo, mesmo que não seja apenas resultado de cochilo na edição, sempre afeta a credibilidade. O erro, presente também na capa de ‘Mundo’ no início da noite, mostra que até a atualização parece ter sido esquecida. Enquanto a maior parte dos sites internacionais contabiliza cinco vítimas fatais, a nota do iG ainda estava com atualização das 12h57, computando quatro mortos.’