Funciona como uma bola de neve: o deslumbre por uma informação leva a uma falta de atenção, que puxa um erro, que puxa mais outro e leva uma matéria cheia de deslizes a ser publicada na primeira página de um dos mais importantes jornais do mundo – e, o pior, repercutida pela imprensa internacional. Aconteceu no New York Times, no fim de abril. Um artigo sobre as novas tecnologias aplicadas aos assentos dos aviões tinha um fascinante dado sobre um projeto para assentos econômicos, em que as pessoas viajariam de pé, presas por cintos. Passando de editor em editor, o texto foi parar na primeira página do jornalão. Horas depois da publicação, a companhia aérea citada negou as informações, e o Times, já culpado pela falta de cuidado na checagem da matéria, ainda se atrapalhou em sua correção – que demorou uma semana para sair.
Byron Calame trata do festival de trapalhadas em sua coluna de domingo [21/5/06]. O ombudsman do NYT já começa seu texto com certa ironia. ‘Se sua mãe diz que te ama, cheque a informação’, e ‘se há uma matéria que muito provavelmente fará os leitores dizerem ‘Uau!’, ela deveria ser duplamente checada’.
Todos de pé
A matéria em questão foi escrita pelo jornalista freelancer Christopher Elliott – que há dois anos colabora regularmente para o Times. Elliott sugeriu ao jornal a pauta sobre a tecnologia dos assentos aéreos para a seção de negócios. Ao entrevistar designers e fabricantes de assentos, o jornalista recebeu informações curiosas sobre a história dos lugares em pé. A idéia seria da companhia fabricante de aviões Airbus e teria sido oferecida discretamente para empresas aéreas que fazem vôos curtos na Ásia.
Ocorre que a informação era falsa. A idéia existiu, mas foi abandonada pela Airbus em 2004. A companhia não foi ouvida. Outras informações específicas do texto de Elliott também indicavam erros grosseiros. O jornalista afirmava, por exemplo, que, com os passageiros viajando de pé, os aviões A380 poderiam carregar até 853 pessoas. Na verdade, com os assentos existentes hoje, a capacidade dos aviões já é de 853 pessoas.
Com a demora da correção, a matéria ganhou vida própria. Jornais e revistas pelo mundo publicaram a história, que foi também capa da New Yorker e tema de artigo na página de opinião do próprio Times.
Idéia bizarra, mas crível
‘O que causou esta bagunça?’, pergunta o ombudsman. ‘Meus questionamentos para a maioria dos principais personagens envolvidos sugerem que diversos fatores convergiram para criar uma tempestade quase perfeita.’ Calame diz, entretanto, que a maior gafe foi o fato de editores de vários patamares do jornal terem sido pegos desprevenidos, fascinados com o fator ‘Uau!’ da história. ‘O assento em pé era uma idéia que eles aparentemente acharam bizarra, mais crível, em vista dos contínuos esforços das companhias aéreas para acomodar cada vez mais passageiros nos aviões’.
A matéria passou pela editora Phyllis Messinger, que cautelosamente baixou as informações sobre o projeto da Airbus – antes no início do texto – para o quinto parágrafo. Junto com ela, o editor de negócios Lawrence Ingrassia decidiu dar destaque ao assunto dentro de sua seção. Os editores acima de Ingrassia, por sua vez, ficaram interessados pela história quando ele a descreveu em uma reunião, e daí surgiu a idéia de colocar a matéria na primeira página. A correção para o texto, publicada uma semana depois, não foi clara o bastante, e começaram a pipocar críticas de dentro da própria redação. Dois dias depois, em 4/5, uma Nota dos Editores corrigiu a correção inicial.
‘O que o Times realmente tinha, sem a idéia da Airbus, era um sólido artigo para a seção de negócios sobre as novas tecnologias para assentos’, ressalta Calame. Mas o artigo só ganhou o destaque da primeira página por causa da idéia da Airbus. ‘Como outros leitores do jornal, eu gosto de uma boa história ‘Uau!’. Eu só espero um ceticismo vigoroso que faça com que os editores a chequem duplamente’.