Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Mau gosto na cobertura da tragédia

Eu havia acabado de elogiar a cobertura da Rede Globo no caso do massacre em Realengo à minha irmã, que mora em Nova York. Ela não teve muito acesso às informações, por isso relatei o que havia acontecido no Rio de Janeiro e critiquei o sensacionalismo com que as outras emissoras divulgaram o caso. Menos de uma hora depois, fiquei sabendo por meio do Facebook que a capa do jornal O Globo estava extremamente apelativa. Quando fui conferir, não acreditei no que estava vendo: “Adeus, crianças” era a manchete; acompanhada de uma foto de uma criança no caixão.


Geralmente, quando acontecem tragédias como a da escola no Rio de Janeiro, a televisão tende a espetacularizar o fato mais do que a mídia impressa. No caso dos veículos das Organizações Globo, dessa vez foi diferente. O Jornal Nacional – no comando do editor-chefe William Bonner – bem como outros telejornais da emissora, mostraram – na medida do possível – um jornalismo sério e narraram os fatos de forma equilibrada, sem exageros.


Não posso falar o mesmo da mídia impressa do grupo. Eu já sabia da tendência sensacionalista do jornal O Globo, mas confesso que fiquei chocada ao ver algo de tamanho mau gosto. Todos sabem da crise que os jornais diários enfrentam. Quando acontece um fato de tamanha repercussão então, nada mais natural que o maior jornal da cidade em que o crime ocorreu use uma capa inteira para falar sobre o assunto. O que não dá para engolir é uma manchete digna do antigo jornal paulista Notícias Populares,ou até mesmo dos piores tabloides britânicos. A capa em questão foi veiculada na edição do sábado, dia 9 de abril.


Tragédia transformada em espetáculo


A edição de 8 abril, um dia após a tragédia, não foi muito diferente. A foto na capa é da menina Jade – aluna de 13 anos que presenciou o massacre – e falou sobre a cena do crime. O depoimento emocionado da adolescente foi divulgado em diversos veículos brasileiros e foi marcado pelo seguinte relato: “Ele atirava na cabeça.” Frase que o jornal global usou para estampar a capa do caderno especial sobre a chacina, juntamente com a foto de Jade abraçada a sua mãe.


Curiosa, fui atrás das capas dos principais jornais paulistas no dia após o crime. Para minha surpresa, o Estadão – apesar de um pouco menos sensacionalista que o carioca O Globo – trouxe uma capa com letras enormes com a manchete “Massacre no Rio” e uma foto consideravelmente grande de crianças chorando desesperadas. Já o seu maior concorrente Folha de S.Paulo, em minha opinião, entre os três fez o melhor jornalismo. A manchete era: “Ex-aluno mata 12 estudantes, na pior tragédia em escolas do país”. Um título muito mais informativo, acompanhado de fotos bem menos no estilo “espreme que sai sangue”.


Mesmo diante de um cenário de tamanha tristeza como o do massacre em Realengo, não há dúvida que é um assunto de interesse nacional e que precisa ser amplamente explorado e discutido. Dedicar boa parte da capa ao assunto, também não há problema algum, pois qualquer editor-chefe seria louco se não o fizesse. O que não pode acontecer é a tragédia humana ser transformada em espetáculo com o objetivo de vender jornal.

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Jornalista