Oxalá o professor Bolívar Lamounier tivesse na entrevista ‘A crise é positiva’ às páginas amarelas da Veja (edição 1.936, 21/12/05) ocultado sua torcida tucana. Os leitores lucrariam a didática sempre bem dotada de Lamounier sem precisar consumir interpretações que chegam a ser tendenciosas. Eu também se estivesse na arena a fazer campanha pelo meu partido provavelmente tentaria tirar dos fatos a versão mais apta a mostrar a competência do meu grupo e a falta de opção, mas acontece que não tenho as responsabilidades de um scholar. De um cientista político deste gabarito era de se esperar mais isenção.
O entrevistado relembra o desmoronamento do socialismo no Leste Europeu nos anos 80 e sua repercussão mundo afora para apontar a crise da ideologia de esquerda no Brasil. Estas circunstâncias deixaram o PT ideologicamente órfão e o partido agarrou-se à bandeira ética fazendo-a sua nova identidade. O professor chama atenção para a idéia criada pelo petismo que se atribuiu uma ‘visão messiânica de que dentro da igreja petista estava a virtude, e fora dela o pecado’.
Ora, a realidade brasileira contribuiu muito para esta demonização da administração da coisa pública, esse maniqueísmo. Saíamos de 20 anos de uma ditadura que embora moralista fora a Sodoma das empreiteiras de obras públicas. E os governos civis que vieram em seguida também não ficavam atrás. Por exemplo, os auditores de Luiza Erundina encontraram na passagem subterrânea do Anhangabaú lâmpadas compradas no governo Jânio pelo preço de um Monza. Tal ambiente foi o melhor adubo das pretensões messiânicas do Partido dos Trabalhadores.
Abnegação demais?
Na minha opinião Bolívar Lamounier torna-se cruelmente injusto quando põe num mesmo saco a corrupção no governo Collor e a do valerioduto. Aqui, para usar seus próprios argumentos, Bolívar não dá luzes ao leitor que o lê. Lamounier evita a essência do debate. ‘Eu não vou entrar no mérito do que é mais grave, se é roubar para fins privados ou roubar para um partido’. Ora, professor, sem de maneira alguma aceitar ilícitos com o dinheiro do contribuinte, mas roubar por uma causa que tem em mente a coletividade, mesmo que distorcida, é de outro naipe. É menos vil do que roubar e embolsar. No primeiro caso há um erro ideológico requerendo censura, no segundo um gozo, um vício.
O cientista-político tucano não é isento ao comparar Lula e FHC. Ele emprega o quesito bom gênio presidencial funcionando como integrador das equipes de governo. No começo do parágrafo até parecia a caminho um gesto elegante, fair-play: ‘Como Fernando Henrique [Lula] é um facilitador de relacionamentos’. Mas ao arremate vem a restrição relativamente a Lula: ‘De um presidente, espera-se que imprima uma orientação ao governo’. Ora, um chefe de Estado petista capaz de garantir autonomia administrativa ao ministro Palocci faz o que senão lavrar orientação a sua gestão?!
É interessante nas declarações à Veja a capacidade de Bolívar Lamounier captar a grande experiência didática nacional por detrás da sensação de escândalo que a opinião pública vive nestes sete meses de crise do PT. De fato, é sadio que se desmistifiquem as instituições. ‘O mundo político lida com interesses que precisam ser negociados, compostos e orientados, e isso não se pode desenvolver quando se acredita em mágica’. Torna-se mais realista e madura a nação brasileira. Mas é pena que essa largueza de espírito para analisar o processo político não a empregue Lamounier para reconhecer as competências lulistas como a heróica batalha na OMC, a habilidade no relacionamento com Chávez e Fidel etc. Talvez seja querer abnegação demais do professor mineiro que ele reconheça algumas sabotagens tucanas como no episódio da eleição de Severino para a presidência da Câmara e no programa das PPPs.
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Dirigente de ONG, Bahia