Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Michael Hiltzik

‘Há muito anos, um veterano editor do que era então o Los Angeles Times pertencente à família Chandler, fez a seguinte observação sobre esta família e os dividendos que obtinha desse jornal: ‘Eles estão ou nadando em dinheiro, ou nadando pra valer em dinheiro. E quando só estão nadando em dinheiro, começam a entrar em pânico.’ A era em que os lucros de jornais, quando não eram enormes, só provocavam calafrios nos membros de uma família rica parece fantasticamente distante hoje. Agora que a maioria dos grandes jornais americanos, inclusive este, pertence a sociedades anônimas, os ataques histéricos se originam, em geral, de analistas de ações e administradores de portfólios institucionais de Wall Street.

Entre os últimos está a sociedade de investimento Private Capital Management, cujo executivo-chefe pressionou recentemente a Knight Ridder Inc. a se colocar à venda. A Knight Ridder, que edita 32 jornais diários, está fazendo isso, embora não esteja claro se haverá compradores. A iniciativa da Private Capital reflete a sabedoria convencional de que como investimento os jornais são elefantes brancos.

A lista de particularidades é tristemente familiar: os jovens já não lêem jornais como costumavam, o público já não confia neles como confiava, fontes rivais de informação estão proliferando e os anunciantes estão se interessando cada vez mais pela internet.

Isso não significa que os jornais estão perdendo dinheiro. Em 2004, a margem de lucro operacional média de jornais pertencentes a sociedades anônimas – trata-se da margem de lucro antes de itens como impostos, juros de depreciação – ficou em 20,5%, segundo o analista do setor John Morton. A margem operacional dos jornais da Tribune Co., incluindo o Los Angeles Times, foi de 17,6% no ano passado. O Times registrou uma receita operacional superior a U$ 1,1 bilhão, sugerindo que seu lucro operacional pode ter se aproximado de U$ 200 milhões. Mesmo assim, os acionistas como classe não se acomodam ao presente; eles se preocupam com o futuro. Eles acham que o setor jornalístico está num declínio de longo prazo, e estão fazendo oferecimentos que provocam a baixa e não a alta de suas ações.

Não custa lembrar que Wall Street não é o melhor lugar onde se buscar previsões do futuro. Os investidores estão sempre atrás de alguma novidade quente e evitando, bem, as novidades de ontem. Agora mesmo a novidade quente no negócio da informação é o Google, cuja trajetória de suas ações parece uma imagem invertida das ações de jornais. A julgar por esses gráficos, todos os jornais poderiam perfeitamente fechar as portas agora, porque cedo ou tarde o Google possuirá todos os olhos do mundo.

Já não ouvimos isso antes? Não faz cinco anos, a novidade quente era a Amazon.com. O modelo não virtual de venda de livros da Barnes & Noble estava supostamente acabado. Mas a B&N não desapareceu. Aliás, se você tivesse conservado as duas ações nos últimos cinco anos, seu retorno nesta semana seria praticamente idêntico – você teria duplicado seu dinheiro. Mas a cavalgada teria sido bem mais acidentada com a Amazon, incluindo um colapso de 92% que começou precisamente no auge da euforia.

Entretanto, os jornais não deveriam buscar socorro na história das modas passageiras de investimento. A base de leitores está se estreitando e envelhecendo. A dependência do público de um jornal diário para os guias de tevê, horários de filmes e cotações de ações está se evaporando rapidamente – essas informações já estão disponíveis na internet, em tempo real. Está ficando mais comum as pessoas lerem jornais online (falando francamente é o que eu faço), mas os proprietários ainda não imaginaram como ganhar tanto dinheiro com a internet quanto ganham com a publicidade impressa.

Com poucas idéias sobre como aumentar o número de leitores e a receita, os administradores escolheram o caminho fácil de cortar custos. Tribune Co., Knight Ridder e a New York Times Co. reduziram pessoal e encolheram jornais. Em muitas de suas publicações, as matérias de esportes estão mais curtas, as reportagens nacionais mais restritas. Isso poderá render ganhos marginais durante algum tempo. Mas julgar quanto gastar na coleta profissional de notícias, além de um certo limite, é um exercício subjetivo. Os advogados recebem por horas trabalhadas para o cliente e os operários do setor de vestuário por peças, mas os repórteres em tempo integral não são pagos por palavras.

Não existe nenhuma fórmula confiável para traduzir a qualidade do texto, a ousadia investigativa, os Prêmios Pulitzer ou (quanto a isso) o viés político de um jornal, em circulação e publicidade. Por isso, alguns administradores continuarão cortando até acontecer uma deterioração perceptível na qualidade do produto. Alguns, tendo chegado a esse ponto, continuarão cortando até notarem um efeito no número de leitores e nos anúncios.

O mais perspicaz investirá em novas tecnologias para tornar seus produtos online tão atraentes quanto foram um dia as versões entregues por bicicleta. No curto prazo, porém, isso reduzirá as margens operacionais. Muitos jornais já não pertencem a famílias que não recolhiam apenas dinheiro mas benefícios intangíveis de sua propriedade – prestígio social e poder político local, sobretudo. A química entre jornais e propriedade corporativa não é inevitavelmente pobre e novos ajustes no contrato de casamento certamente ocorrerão. O pessoal de jornais argumenta que é possível fazer um jornal fabuloso – e investir em novas tecnologias – se houve disposição de se acomodar a uma margem de 10%, e não 20%. Infelizmente, os preços que alguns proprietários corporativos pagaram por suas propriedades provavelmente se basearam em projeções próximas de 20%.

Em suas assembléias anuais de acionistas, eles terão dificuldade para justificar a provisão de perdas. Por isso, operarão para preservar aquela margem ou venderão para alguém disposto a aceitar um valor mais baixo. O destino da Knight Ridder poderá nos dizer se esta última opção é plausível, e o destino de seus jornais, e de centenas de outros, nos mostrará o que sucederá se não for.’



LIBÉRATION
Pascale Santi

‘O jornal de duas cabeças’, copyright Folha de S. Paulo, 27/11/05

‘Naquele dia, havia um cheiro de pólvora na redação de ‘Libération’. Quando Serge July, o presidente, viu todos os jornalistas de pé ao redor da grande mesa oval para a tradicional reunião matinal, logo sentiu que o jornal passaria por uma de suas minicrises habituais, cujo segredo domina. Era segunda-feira, 30 de maio, dia seguinte ao referendo sobre a Constituição européia, sobretudo dia seguinte ao seu editorial lamentando a vitória do ‘não’.

No ‘Libé’, do jornalista à telefonista, todos tratam Serge informalmente, chamando-o de ‘você’. É o costume. O debate é geralmente animado, mas em família.

Mas em 30/9/2005, numa assembléia geral que se realizou quatro meses após o referendo de 29 de maio, o editorial de Serge voltou a ser discutido. Os 350 assalariados do jornal souberam que não escaparão de um plano empresarial e fala-se em 40 a 80 demissões. Na história às vezes caótica desse jornal fundado por um grupo de esquerdistas em 1973, seria uma novidade, pelo menos com demissões repentinas.

É que o ‘Libération’ atravessa hoje duas crises ao mesmo tempo. Primeiro uma grave crise industrial, como toda a imprensa escrita. Depois, uma dolorosa crise de identidade. Jornal de uma geração, ele ainda tem algo a dizer hoje? O debate se encarna, evidentemente, na pessoa de Serge July, o ‘pai’ do jornal, que é respeitado na mesma medida em que irrita e que sempre se sentiu perfeitamente à vontade na contradição.

O ‘Libé’, é verdade, nunca teve um tostão. Em 1973, o jornal já apelava à carteira de seus leitores, que imediatamente respondiam. Apesar de uma gestão contestável e de iniciativas fracassadas, o jornal festejou seus 30 anos impondo uma marca muito forte, embora com uma circulação que raramente ultrapassou os 200 mil exemplares.

É que o ‘Libé’ inventou muito. Em primeiro lugar, um tom corajoso, insolente, distante da compunção da imprensa, e que cheirava a Maio de 68. Num dia o ‘Libé’ saiu perfumado, em outro foi impresso em tecido. Mas foi o jornal que reinventou o tratamento da fotografia na imprensa, revolucionou a crítica de cinema e abordou diferentemente dos outros questões sobre sexo, Aids, tótens e tabus.

Inovações que serão pouco a pouco digeridas pelos outros jornais, o que acabará por diluir sua especificidade. Seu leitorado envelheceu. Somente 28% dos leitores têm entre 15 e 34 anos; os mais velhos hesitam em comprá-lo todos os dias. O ‘Libération’ veria sua circulação baixar 1% em 2005. Já havia caído 7,5% em 2004, para 139.957 exemplares. Ao todo, perdeu 30 mil exemplares desde 2001. Se acrescentarmos a crise da publicidade, um número de assinantes (25 mil) em alta, mas ainda fraco, a chegada da internet e dos gratuitos, que atingiu o ‘Libé’ com um duro golpe, o momento é grave.

Na véspera do plano empresarial, o mal-estar é profundo. Estudos encomendados pela direção estimam que ‘Libé’ deve projetar ‘um outro olhar sobre a atualidade’. O jornal estaria hoje marcado ‘por um pensamento único; associado a uma esquerda pessimista, não tem mais a capacidade de se comover e de dar provas de generosidade’.

Amarga constatação, compartilhada por uma redação que quer ‘um jornal mais incisivo, mais surpreendente e que assuma riscos’, explica Edouard Launet, que chegou há 11 anos. O ‘Libé’ ‘deve voltar a ser o jornal detector da sociedade, uma cabeça investigativa’.

Da vanguarda ao conformismo

O ‘Libé’ foi ‘profundamente pioneiro, vanguardista’, avalia um jornalista. ‘Hoje estamos um pouco mais conformistas.’ O problema é atribuído em parte à direção. ‘Os fundadores, que tinham entre 25 e 30 anos em 1973, tendem, ao envelhecer, a ser mais prudentes’, analisa um redator, ‘e essa prudência prejudica a espontaneidade do jornal. A redação é jovem, mas a direção envelheceu’, resume cruelmente.

Antoine de Gaudemar, um dos ‘históricos’, admite: ‘Os jovens integram melhor o espírito ‘Libé’, com o qual têm forte identificação. Se são menos politizados, talvez estejam mais na defesa dos valores, dos combates jornalísticos a empreender’.

O que fazer? ‘É difícil, mas é indispensável fazer duas coisas ao mesmo tempo’, explica Louis Dreyfus, o diretor-geral. ‘A redução de custos e a mobilização da equipe em projetos.’ Trata-se de passar de ‘uma empresa monoproduto’, o jornal impresso, para ‘uma lógica de desenvolvimento com a marca ‘Libération’, que são a internet e o suplemento de fim de semana’.

O ‘Libération’ quer inventar um novo conceito, a ‘bimídia’, que consiste, para os jornalistas, em trabalhar tanto para a web como para o impresso. Isso provoca certo ranger de dentes. A marca ‘Libération’ continua muito forte. Além dos leitores, também goza ainda de um forte capital de simpatia, perfeitamente encarnado no riso e no humor de Florence Aubenas, figura nova e símbolo do jornal, que foi refém no Iraque de 5/1 a 11/6.

‘A chama continua lá, com uma comunidade de valores preciosa’, tranqüiliza-se um diretor. Além disso, o ‘Libé’ já se reformulou três vezes em 30 anos.

Mas o jornal-estrela dos anos Mitterrand poderia se tornar o ‘jornal cidadão’ sonhado por July?

Este texto foi publicado no ‘Le Monde’.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves.’



DON DIVA
Adriana Maximiliano

‘De gângster para gângster’, copyright No Mínimo (www.nominimo.com.br), 24/11/05

‘ ‘Don Diva’ não tem foto ‘artística’ de modelo magricela, ator moderninho fazendo pose de intelectual nem sugestões de gravatas para impressionar em Wall Street. Bandido que é bandido mesmo não dá a mínima para esses assuntos de playboy. Na revista que se intitula ‘a bíblia original das ruas’, abundam fotos vulgares de mulheres voluptuosas entre um e outro perfil de traficante, líder de gangue ou assassino e sobram dicas de como levar drogas na bolsa sem levantar suspeita. Tem quem goste. ‘Nossa tiragem trimestral é de 165 mil exemplares e o número de leitores chega a 1 milhão por edição’, diz a fundadora, editora, repórter e fotógrafa da revista, Tiffany Chiles, de 34 anos. No início, ela acumulava mais cargos: ‘Eu também procurava anunciantes, além de promover e distribuir os exemplares para nossos vendedores de rua. Durante os primeiros anos, fiz um trabalho artesanal.’

Casada com o traficante do Harlem Kevin Chiles, Tiffany lançou a ‘Don Diva’ em 1999, quando ele ainda cumpria pena de dez anos por financiar sua gravadora, Big Boss Records, com o dinheiro do tráfico de cocaína e heroína. ‘Toda semana, eu visitava Kevin na prisão federal da Pensilvânia e conversava com outros presos e visitantes. Quando meu marido deu a idéia de lançar uma revista feita por gângster e para gângster, achei genial. Faltava algo assim para retratar e entreter aquela gente’, conta Tiffany, que na ocasião trabalhava como promotora de CDs de rap.

A partir da edição atual, a ‘Don Diva’ supera as fronteiras de Nova York e passa a ser distribuída em todos os EUA. Tiffany ganhou novos anunciantes e já não tem mais apenas leitores gângsteres. Com a popularidade do hip hop, jovens brancos dos ricos subúrbios americanos também consomem a cultura bandida que a revista explora. No primeiro ano, 90% dos assinantes estavam nas prisões. Hoje, os detentos são apenas 10% de seu mercado. ‘Nós somos a ponte que liga os guetos, as penitenciárias e os subúrbios em toda a América’, diz o editorial desta 23a edição, que festeja os seis anos da revista e custa US$ 4,99. No fim do texto, os editores dão um alô aos amigos que Kevin fez na prisão e acabam de ganhar a liberdade: ‘Queremos dar as boas-vindas para Tone, Mario, Tuck, Teddy, Carlton e todos os outros camaradas que estão saindo da barriga da besta – fiquem calmos e vão devagar. Viver aqui fora é como andar de bicicleta, você nunca esquece como fazer.’

Manual de conduta

Fora da prisão há dois anos, Kevin mora com Tifanny e o filho deles, de 4 anos, numa casa no subúrbio de New Jersey. A redação da revista fica ao lado. Mas é no escritório do Harlem que Kevin encontra seus ‘camaradas’ e descobre boas histórias para Tiffany publicar. Ele é o principal pauteiro da ‘Don Diva’, como conta Tiffany: ‘Depois da prisão, meu marido abriu um negócio de impressão. Quando não está lá, ele me ajuda com idéias e conceitos para a revista. Acredite ou não, nosso trabalho não pára nem nos fins de semana.’ Ela curte o trabalho de repórter: ‘Escrevendo, descobri que tenho sensibilidade e compaixão. Toda entrevista me ensina alguma coisa e eu sinto uma forte conexão com os entrevistados.’

A sensibilidade de Tiffany fez com que ela julgasse inocente o líder da gangue Junior Black Mafia, Aaron Jones, quando o entrevistou no corredor da morte. A experiência era um sonho da repórter. ‘Aaron sempre foi retratado como um terrível bandido, um assassino, mas eu encontrei um homem inteligente que tinha uma versão bem diferente do que pensava o governo e o resto da América. Fui a primeira pessoa com quem ele teve contato depois de dez anos numa cela de segurança máxima. Você consegue imaginar o que é viver longe da família e dos amigos por tanto tempo enquanto espera para morrer? Entrar no corredor da morte era um sonho antigo meu e foi maravilhoso poder realizá-lo.’

Além de perfis de bandidos, Kevin sugere pautas que só cabem mesmo numa revista como a ‘Don Diva’. O site Who is A Rat, que entrega o passado negro de informantes e agentes da polícia, ganhou popularidade graças a ele – e para desespero dos homens lá retratados. ‘Fraude de cartão de crédito: eu compro, você paga’, ‘Quais são os cinco grandes aeroportos americanos que não têm cães farejadores’, ‘As 50 melhores bocas de fumo de Nova York’ e ‘O Manual de conduta na prisão para novatos – escrito por velhos prisioneiros do Departamento de Correções da Pensilvânia’ foram algumas das idéias de Kevin que ganharam as páginas da ‘Don Diva’. As 20 regras do manual podem ser lidas no site da revista. Um exemplo, ‘Não fale sobre os familiares de outros prisioneiros. Especialmente, não fale sobre a namorada ou mulher de outro homem. Nunca escreva nem telefone para elas. A família é tudo o que a maioria destes homens têm’.

A matéria de capa da edição atual também foi sugerida pelo traficante. Escrita por Tiffany e uma pessoa que usa o pseudônimo de Soulmam Seth, a história do Supreme Team, uma gangue legendária que controlou nos anos 80 o comércio de crack do lado sul do Queens, em Nova York, vem à tona de novo. A mesma gangue já tinha sido lembrada numa música do rapper 50 Cent, que cresceu no Queens e traficava crack antes da fama.

A editora entrevistou na prisão dois antigos membros do grupo e recheou dez páginas com fotos de bandidos que acabaram presos ou mortos e dos lugares onde eles vendiam drogas e matavam seu rivais. ‘Eu ganhava US$ 100 por semana trabalhando num mercadinho e passei a faturar US$ 1 mil por dia com o tráfico. Tinha 17 anos e nenhum objetivo na vida’, conta Tuck, que está saindo da prisão após cumprir 15 anos de pena. A reportagem conta episódios dos ‘bons tempos’ do Supreme Team, quando a gangue vendia US$ 200 mil por dia em droga, e seu final, com a prisão de mais de cem traficantes.

Bandidagem é coisa séria

A foto de capa mostra uma placa de boas-vindas, cravejada de balas e suja de sangue, de um projeto habitacional do Queens onde o Supreme Team operava. Esta é a capa bandida, que raramente ganha destaque nas bancas. Para os leitores mais sensíveis e os jornaleiros discretos, todo mês a ‘Don Diva’ exibe também uma capa social, em seu verso. Nesta, o selo ‘Advertência aos pais: conteúdo gângster’ vira redundância ao lado do rapper Juelz Santana. O músico posou fazendo sinal de gangue, com bandana na cabeça e tanto ouro e diamante que mais parece uma vitrine de joalheria cafona. As chamadas das duas capas são sobre crack, sexo oral, assassinos e, vá lá, um pouco de rap. É raro aparecer alguém sorrindo ali. Bandidagem é coisa séria. Tiffany e Kevin não sorriram nem mesmo na foto que cederam a NoMínimo, tirada no último aniversário do filho do casal. E, das 23 edições da ‘Don Diva’, apenas três estampam sorrisos na capa. Dois parecem de deboche.

Perfis e reportagens são separados por cinco seções fixas. A ‘News you can use’ (Notícias que você pode usar) traz três páginas de informações úteis para os leitores. Nesta edição, a revista diz quais são as sentenças mínimas para tráfico de cocaína, crack, heroína, maconha, LSD e outras drogas, ensina tudo sobre lavagem de dinheiro e avisa: ‘Sim! O governo pode grampear seu celular pré-pago’. Novos CDs e DVDs são julgados na seção ‘O veredicto’. Eles recebem de uma a cinco marteladas de juiz, traduzidas em sentenças como ‘contravenção leve’ e ‘assassinato premeditado’. Quanto melhor o produto, mais grave o crime.

Na ‘Don’s notebook, everything a Don need’ (Agenda do Don, tudo o que um Don precisa), há desde trava biométrica de impressão digital até velas ocas. ‘Na hora da fuga, se precisar de um lugar para esconder seu lucro… experimente um disfarce seguro como uma vela. Estas comportam US$ 20 mil em notas de US$ 100 e aproximadamente US$ 200 mil em jóias’, diz o texto sobre as velas. O da trava também carece de sutileza: ‘Você não vai precisar trocar a fechadura quando demitir alguém ou finalmente botar essa sua namorada chata para fora de casa. Basta apagar as impressões digitais da trava e eles nunca mais vão dar as caras na área.’

Depois de ser aconselhado a dispensar a namorada, o leitor se depara com as seis mulheres das ‘Sticky Pages’ (Páginas grudentas). Na edição atual, todas são negras e foram fotografadas na mesma posição: de costas. ‘Acho que nosso editor de fotografia não consegue disfarçar sua preferência’, brinca Tiffany. A verdade é que os editores da ‘Don Diva’ não querem saber de cotas nem na hora de definir a raça da modelo nem sua pose: ‘Nossos leitores são loucos por mulheres negras e suas bundas grandes. Não vale a pena fugir muito disso’, diz ela. As medidas do quadril, cintura e seios acompanham cada foto. Shaena, de fio-dental, apoiada numa mesa de sinuca, mostra por que jamais poderia ser miss: são 86cm de peito, 68cm de cintura e 110cm de quadril.

Dicas sexuais para as leitoras

Para fechar a revista, foi criada a seção ‘Diva’s corner’ (Esquina da Diva), com dicas sexuais para as leitoras. Desta vez, o assunto é sexo oral. A foto de uma mulher comendo uma banana é até singela diante do texto: ‘Pinto é uma coisa bonita… um fenômeno. (…) Se você é sortuda o suficiente para ter um na sua boca, considere isso um presente e agradeça.’

Os anúncios seguem a linha gângster da revista. Todos os modelos homens posam fazendo sinal de gangue e as mulheres sempre aparecem de lingerie, até mesmo quando estão tentando vender casacos de pele. Há anúncios de joalherias (‘Nossa especialidade: dentes de ouro!’), casacos de pele com zíper de diamante, DVDs de filmes de gângsteres, CDs de rap e, quem diria, romances policiais. Das 110 páginas da revista, 42 são de anúncios. A ‘Don Diva’ deu tão certo que ganhou uma versão inglesa. Mas Tiffany teve problemas com o sócio europeu e a revista não passou do terceiro número por lá. ‘Tivemos uma tiragem de 20 mil e eu espero lançar a quarta edição em breve. Os temas da ‘Don Diva’ vão muito além das fronteiras americanas. Há guetos e bandidos no mundo todo. O Reino Unido foi apenas nossa primeira parada’, avisa ela, que aproveitou a entrevista para fazer perguntas sobre o mercado brasileiro.

Nos Estados Unidos, a revista já não está sozinha. Duas outras publicações exploram a vida bandida: ‘F.E.D.S’ e ‘Felon’. Esta última foi fundada por um primo de Kevin, sócio dissidente da ‘Don Diva’. Em nenhuma delas, há preocupação com gramática, apuro de informações ou qualidade das fotos. Os leitores não reparam. Ou não reclamam. Das três, apenas a ‘Don Diva’ conquistou anunciantes fiéis, tem uma boa distribuição e conseguiu ir além dos guetos. E não é raro receber críticas por isso: ‘É revista para otário. A ‘F.E.D.S.’ é que é leitura de um gângster de verdade’, diz Darryl McCray, dono da loja virtual House of Nubian. Depois do desabafo, ele explica a implicância: ‘Tomei um cano de um funcionário da ‘Don Diva’. Paguei por anúncios, ele desapareceu com o dinheiro e a editora disse que não podia fazer nada. Dias depois, um advogado deles me procurou porque eu falei mal da revista no gueto. Veja só, a ‘Don Diva’ tem até advogado!’

Para comemorar os seis anos da revista e a distribuição nacional, Tiffany deu uma festa há duas semanas, na boate Supper Club, em Manhattan. Foi permitido entrar armado: ‘Nós não gostamos de violência, mas não condenamos as armas’, tenta justificar a editora, que cobrou US$ 25 por pessoa. Ilustrado com um homem de charuto na mão e uma mulher de lingerie, o convite anunciava a presença de celebridades e pedia traje de gala. A festa virou uma espécie de baile funk a rigor. Rappers e bandidos em geral vestiram suas melhores camisetas e bandanas para cair na pista com as moças ultradecotadas das ‘Sticky Pages’. Ao que consta, ninguém saiu ferido.’